(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
No começo dos anos sessenta, chega a Bragança o Serviço de Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian.
Muito se tem falado deste Serviço que foi até 2002 de importância inegável no melhoramento do nível cultural da população portuguesa. O vocábulo "Cultural" é aqui por mim usado sem que no meu caso particular, signifique, grandes voos culturais, mas tão só uma possibilidade de poder ler livros que de outra forma não teria lido!
Como exemplo primeiro contarei uma pequena passagem, que ilustra a diferença de, até ali, eu não haver imaginado que afinal a História dos Índios Americanos foi bem diferente da que eu, até aquele dia, imaginava.
Entrando pela primeira vez na famosa Biblioteca com rodas, que girava dentro de uma Van da marca Citroën, sou solicitado para responder a um inquérito sobre hábitos de leitura que eu tivesse, se é que eu tinha alguns. Claro que a minha resposta foi verdadeira e que serviu ao Encarregado da Biblioteca para me aconselhar a ser mais selectivo na escolha dos livros que futuramente escolhesse para meu entretenimento e assimilação de cultura geral, possível de adquirir, fora do Sistema Nacional de Ensino.
Por outras palavras; ao ler aquilo que me viesse à mão, o fizesse com algum critério de escolha. À primeira questão proposta, eu respondi: -Leio alguns livros de Cowboys e também revistas de outros géneros como os editados pela Editora Abril, sendo as histórias do Pato Donald e seus companheiros aquelas de que mais gosto e quando posso compro as Seleções do Reader´s Digest, pois tratam de assuntos que me encantam. Teria eu nesse tempo onze ou doze anos.
O meu interlocutor, perguntou-me então; sabes por acaso qual foi o Chefe Índio mais famoso e que mais intransigente foi, na defesa do direito do seu povo aos territórios que eram seus desde tempos imemoriais ? Respondi negativamente e ele disse-me: -Foi Gerónimo! Era Apache e os seus territórios eram os que hoje se designam por Arizona e Novo México. -Vou emprestar-te um livro editado com a intenção de contar aos jovens de todo o mundo que os índios pele-vermelhas não eram os selvagens que nos apresentam e que para além de guerreiros de alta estirpe, tinham códigos de honra elevadíssimos, e este Gerónimo em particular, foi vencedor de batalhas e jamais deixou que o homem branco o corrompesse com promessas que ele sabia serem falsas e que mesmo tendo, o branco, meios tecnológicos superiores ele e os seus poderiam com inteligência e bravura, mantê-lo afastado da terra que Manitu lhes havia legado para que pudessem viver à sua maneira, caçando nas pradarias imensas até ao dia que Ele chamando-os os levasse para o País das Caçadas Eternas! Nasceu em Turkey Creek, Novo Mexico e faleceu aos setenta e nove anos de Pneumonia e estando enfermo devido a uma queda de um cavalo na Reserva onde o colocaram depois de haver sido preso e condenado a viver ali até ao fim dos seus dias. Está sepultado em Pow Indian Cemitery, Fort Still.
Decorria o ano de 1909. Penso que este Senhor que me aconselhou seria Herberto Hélder, pois creio ter sido ele o primeiro Encarregado da Biblioteca em Bragança, por um curto espaço de tempo. (3 meses?), tendo-lhe sucedido Armando Fernandes e mais tarde, Manuel Rodrigues, um alentejano de Vila Verde de Ficalho que se quedou por Bragança até ao 25 de Abril e que foi grande amigo, não só meu como do meu grupo alargado de amigos que incluía, Sérgio Alves, do Tozé, meu compadre, José Morais, Fernando Vilela, Óscar Almendra, Roxo da Quadra,Telmo da Casa das Malhas e tantos outros que com ele apreenderam a gostar de livros e que leram Maximo Gorky, Boris Pasternak, Leon Tolstoy, Victor Hugo, Stendhall, Camus,Saint Exupery, Hemingway, Steinbeck, Jorge Amado, Luís Borges, Neruda, David Mourão Ferreira, Aquilino, Eça, Camilo e também o Padre António Vieira ou Fernão Mendes Pinto.
Impossível enumerar todos os autores que ele pôs à nossa disposição para que de um modo auto-didacta pudéssemos cultivar o gosto pela prosa escorreita e o verso bem rimado, bem assim como habituarmos o olhar e o sentido estético, para podermos ver o belo no pináculo de uma catedral ou no arco gótico ou romano de uma humilde capela no cimo de um monte ou na planura de um vale onde o homem houvesse posto engenho e arte ao construir um altar em talha feita por entalhadores minhotos que tão bem imaginaram o barroco português que no Brasil vi na sua quinta-essência.
FIM DA 1ª PARTE
Bragança, 4 de novembro de 2018
A. O. dos Santos
(Bombadas)
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