(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Dedico este escrito aos alunos (as) da Universidade Sénior de Bragança, que estão a pensar fazer uma semana de férias em La Haye du Theil no próximo mês de Agosto.
Acredito que fui parco nas referências que fiz a esta região francesa que é apenas mais um mosaico que compõe o grande painel que é a Pátria francesa no que respeita ao território e ao património, strictus sensus. Tentarei ser isento nas observações, para que a informação chegue aos leitores sem distorções que a favoreçam ou apouquem, é deveras positiva a minha opinião pois o estado civilizacional deste país é avançadíssimo. A marca de bom gosto está patente em todos os lugares.
Sendo tudo relativo é visível que a infraestrutura está distribuída em cima de uma superestrutura que foi pensada com grande conhecimento das artes e das ciências.
Li há algum tempo atrás, dois livros de um escritor francês chamado Antoine Saint Exupéry que considero sublimes, dada a fluência narrativa impressionante e a lucidez da análise feita a partir do cockpit de um avião em missão de reconhecimento sobre território francês ocupado por tropas alemãs, nazis. Perpassa pelas páginas desta obra prima a capacidade suprema de fazer compreender a ideia abstrata aos outros, de maneira tão natural que só os dotados que a possuem logram conseguir. Há de facto talento na escrita deste homem, que descreve sublimemente a tensão imposta pelas circunstâncias a três aviadores militares que numa missão impossível possuem ainda capacidade para filosofar acerca do que se passa em terra, ocasionado por erros humanos que conduziram à guerra e à facilidade com que os alemães ocuparam a França, bem assim como quase toda a Europa e para vergonha da França quase sem resistência.
Aberto este preâmbulo regresso ao meu sentido crítico de apreciação das maravilhas naturais e das edificadas que se me oferecem livremente para gáudio dos meus olhos e sentidos. Aqui os dias são claros, com sol e chuva, numa mescla de verde, cinzento e azul. As flores possuem e exibem uma miríade de cores agradáveis e suaves que têm o condão de realçar a beleza dos pássaros que numa azáfama permanente após os primeiros raios da aurora se afadigam a construir os ninhos onde farão as posturas iniciando o advento das novas gerações.
Terra fértil e saudável possui o encanto das coisas por Deus amadas, Igrejinhas com os seus pináculos que apontam ao céu e nos trazem de volta a ideia das coisas maravilhosas da nossa juventude feitas de ambições desmedidas a que Deus dava a exata proporção e parecem hoje, terem sido ali colocadas pelo poder de uma entidade possuidora de um conceito estético que de todo transcendesse o dos homens. Planícies cuja linha do horizonte é elemento etéreo que obsta à sua continuação até ao infinito. Terras cultivadas de ervas altas, as mais variadas, que sentimos como uma sinfonia que nos alerta para a paga que a Natureza dá aos homens que a trabalham e regam com o suor dos seus rostos.
No sopé dos montes maneirinhos, florestas esparsas onde se pressente o coelho, a lebre, a perdiz e até o gamo. Festa para caçadores em grupos que no começo de Outubro, fazem alarde com espingardas e merendas. Ruídos de vozes e atitudes excitadas pelo ladrar dos cães e o fascínio da prática de atividade cinegética velha como a própria humanidade. Tendo tomado atenção a todos estes pormenores não posso deixar de dizer que amo a Normandia. Não como amo Bragança, pois aí há o passado meu e dos meus Há o que resta do cordão umbilical que me ligou à mãe que me carregou dentro de si, há o simples passar dos dias que formou o meu carácter e o contacto com as gentes que me transmitiram princípios morais e senso comum acumulado ao longo de gerações, tendo sedimentado para se tornar num ser e sentir que se designa por humanidade.
Achei porém na Normandia algo semelhante, um certo sentir que a Natureza dá aos homens e aos bichos que não é mais do que o sentido gregário de grupos de indivíduos que interferem a seu modo com tudo que a vida necessita para que as espécies sobrevivam. Das leituras feitas e das conversas havidas, sei que a Natureza tem os seus mecanismos imutáveis, mas não os havia jamais observado acontecerem de forma cronológica e determinada como os observei agora.
As flores surgirem nos ramos, transformarem-se em botões e depois abrirem-se, até ao esplendor e em seguida exangues e falhas da seiva vital decaírem e se desfazerem em pétalas que ao juncarem o chão criam uma outra beleza não menos admirável que fecundará o solo e as repetirá vezes infindas até à consumação dos tempos. Cumpridos os ciclos, bichos e homens após comerem e procriarem estão prontos a se finarem.
Mas apenas nós que fomos os que mais nos deleitámos com o processo da vida em ascensão contínua, temos a consciência de que o fim nos aguarda e outra geração está pronta em tempo para ocupar o lugar da nossa, num processo descrito pelo francês Lavoisier, que comparando os tempos e ciclos concluiu que: -Nada nasce nem morre, tudo se transforma!
Da constatação da harmonia na vida social, direi que há uma Paz instituída pela matriz europeia e mantida pelo uso de uma autoridade que se vale da lei escrita e devidamente fundamentada, em que as corporações que têm por missão a lei e a justiça se complementam num esforço de servir as gentes e a República.
A interacção social faz-se sem grandes fricções através de equilíbrios inatos que devem ser analisados através da matriz cultural de séculos e também dos fluxos migratórios mais numerosos a partir de finais de oitocentos (sec.XIX).
A administração pública é eficiente embora assaz burocrática e o apreço pelo bem comum elevadíssimo. Estradas e caminhos bem cuidados, propriedades agrícolas e urbanas encontram-se diligentemente assistidas. Nos vales é frequente encontrarem-se Mosteiros e Igrejas seculares. Verifica-se que através dos séculos a vida religiosa e o estudo foram parte substancial da vida da nação francesa. Até à Revolução e consequente mudança de paradigma concretizado com a queda do Antigo Regime, a Igreja Católica deve ter tido um poder Espiritual e Secular que será para mim de dificuldade maior tentar analisar, dado que os meus conhecimentos de História Francesa são poucos, não indo além do elementar. Constata-se no entanto que ainda hoje possui recursos humanos e financeiros fantásticos, que lhe permite continuar a obra multissecular que influenciou toda a civilização ocidental.
Nas cidades e vilas a vida é de padrão elevado prevalecendo a ideia de excelência ligado ao povo francês. Os estabelecimentos são arrumados e limpos com montras onde os produtos expostos foram colocados com arte para atrair a clientela que habituada a ver coisas de qualidade é difícil de satisfazer. Lojas de roupas que fazem sonhar o belo sexo e pastelarias onde artesãos hábeis produzem coisas lindas e saborosas. Nos talhos e peixarias, os alimentos estão à vista devidamente preparados, as carnes colocadas sobre verduras e o peixe sobre gelo moído grosso para lhe conservar a frescura. As praças são largas e elegantes, havendo em quase todas Igrejas monumentais, em que os arcos das portas e os cumeais são ornados de figuras em relevo que retratam anjos e demónios em doses equitativas. Trabalho de artistas, construtores de Catedrais que deixaram marcas da sua ciência por essa Europa, onde a fama dos Maçons, ditos pedreiros livres era respeitado pelos pensadores e gente que os tinha como os possuidores da ciência para ser possível construir a cidade dos homens em honra do ser Supremo a quem chamaram o Arquiteto do Universo. Vidas que conheceram e têm memória de um passado de guerras e grandeza e que vivem um presente mais condizente com o "motto" da Revolução: Liberdade, igualdade e fraternidade!
É do Ideal do Humanismo de alguns pensadores que nasce esta filosofia de progresso que dá garantias de futuro à humanidade através da distribuição feita com mais equidade.
Da rede de estradas e auto estradas fica-nos a sensação agradável da obra bem-feita. As ligações rodoviárias às cidades de renome, como Deuville ou Henfleur, Porto do Havre ou Rouen, faz- se da maneira mais simples e conseguida. Para tal foram construídas obras de arte que fazem a glória dos engenheiros de pontes franceses. Na A-13, Chamada Route de La Normandy e perto de La Haye du Theil há um viaduto edificado sobre um vale que visto do solo e na vertical, impressiona pelo tabuleiro rodoviário sustentado por colunas de betão armado que consubstanciam um Fly Over de grande envergadura. Evitou-se assim a destruição do vale com a estrada já que os pilares ocupam espaços diminutos comparados com o volume que a estrada no solo ocuparia. O tráfego é fluído porque a infra-estrutura é boa e o parque automóvel é novo e de qualidade. O policiamento é eficaz mas fica-nos a impressão de uma cultura policial mais repressiva que preventiva. Se compararmos o sistema policial francês ao dos vizinhos ingleses, fica-nos a ideia de que a caça à multa em França é uma questão cultural enquanto no Reino Unida é puramente preventiva. Ali os cidadãos não estão sujeitos às patrulhas emboscadas que sem serem vistas flagram os automobilistas em plena auto estrada e depois lhes mandam a comunicação das multas e subsequente perda de pontos na carta de condução.
A Normandia aqui retratada é um espaço grande e em termos geográficos diversa das outras regiões europeias. Parece-me justo realçar tudo o que pode ser superlativo, e é muito pois ficamos assim seguros de sermos fiáveis e capazes de isenção q.b. para desfrutar do que se nos apresenta e constitui património que eleva a humanidade a patamares civilizacionais altíssimos.
Por tudo isto aconselho os meus amigos(as) a aproveitarem a ocasião de em Agosto verem de facto uma das mais belas regiões da Europa.
Junto algumas fotos sugestivas do nível estético das construções civis com o seu peculiar estilo Normando , muito semelhante ao estilo Tudor da Grã –Bretanha.
Vila Nova de Gaia, 02/04/2019
A. O. dos Santos
(Bombadas)
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