São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)
Quem manda tem razão; e com efeito
Vou falar do escravo que trabalhava no eito
Faminto e cansado por passar uma noite insone
Entrou no pomar do Sinhô, para matar a fome!
Eis que um capitão do mato, sabedor de seu poder
Resolve dar corretivo no irmão de pele escura
- Oh zifío; qué que tu faiz aqui, no pormá do Sinhô?
Tu é um nêgo feio e atrevido da nação nagô!
Num viu a sinhazinha debáxo da mangueira?
Puseste ela em perigo, de carqué manêra!
O jovem escravo tentou argumentar:
- Mai vosmicê precisa me escuitá,
Ieu inté intendo toda sua zanga
Mai entrei aqui cum muita fome,
Campiãno no chão, uma bendita manga!
O capitão sabe que a manguêra tá cheia
E que ieu nunca ía bulí cum as coisa alheia!
Mas, o capitão do mato retruca de pronto,
Cheio de raiva, mostrando faca e fuzil
E como o escravo ainda reclama
O capitão do mato diz: - aqui é Brasil!
- Mai ieu sô fío de mucama cum branco: sô mulato
Só num sô mai branco pro causo do destino
- Mai vossuncê num é branco, e nem é minino
E vossuncê é ladrão e vai pagá o pato!
- Mai ieu tenho sua cor, vossuncê é irmão de valô
Inda mais, ieu nunca robei nada, não sinhô!
- Irmão, capitão-do-mato; sô um cativo
Me pegaram à força, lá em Benin
Onde era feliz, cum minha famía
E num carecia que vossuncê me tratasse assim!
Peço sua permissão pra vortà lá pra senzala
Aqui ieu num quero ficá mais; me retiro!
(E corre para a floresta, seu último recesso,
Mas, o jovem escravo estaca ao receber um tiro)
Sucesso: o capitão–do-mato resolveu a questão;
Sem sequer uma testemunha, e sem nenhum processo!
Glossário: (época anterior a 1888).
- capitão-do-mato: negro escravo, porém de confiança do seu dono, que exercia a função de milícia.
Andava armado, era melhor alimentado e tinha várias vantagens no cargo que ocupava.
Era encarregado de tropilha que caçava, a laço e a tiro, nos campos, matas e mocambos, os escravos fugidos das senzalas.
A maioria deles extrapolava seu poder junto aos outros escravos, mormente quando não haviam testemunhas.
Julgava-se "branco", ou quase; portanto ente superior aos outros escravos!
- mucama: escrava, ou criada negra, geralmente jovem, que vivia mais próxima dos seus senhores (donos).
Sua principal função era ajudar nos serviços caseiros e fazer companhia à sua senhora em passeios.
Também costumava ser usada como ama-de-leite dos filhos dos seus senhores e senhoras.
Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.
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