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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 27 de outubro de 2019

SINAIS DE OUTONO - Dias com Vida Selvagem

Por estes dias a diversidade dos bosques naturais manifesta-se pela profusão de cores da sua folhagem.
Fotos: Miguel Dantas da Gama
É também um dos sinais de que chuva em quantidade pode estar a chegar, já que são dois acontecimentos que naturalmente convergem num mesmo tempo, no início de mais um outono.

E a chuva que tardava, voltou finalmente, pondo fim a uma seca prolongada em que o bosque foi sofrendo com a míngua de água nos ribeiros que o atravessam. A maior parte deles secaram, apenas nalgumas poças residuais os animais foram conseguindo saciar a sede. 

No Gerês, as grandes e recortadas folhas dos padreiros exibem um tom amarelo muito conspícuo, destacando-se numa paleta de cores progressivamente mais ampla à medida que o tempo avança. As faias que quase só por aqui ocorrem, ainda ensaiam a mudança extrema por que vão passar.

Faltava de facto a água para “puxar” os tons, extremar os contrastes, reavivar as plantas herbáceas, encharcar os musgos. 

Nestas semanas de alguma instabilidade e muitas mudanças, torna-se mais difícil surpreender um animal selvagem. O chão do bosque, dos trilhos sob a copa dos carvalhos está pejado de landes que estalam com vigor sob as nossas botas pesadas.
Fotos: Miguel Dantas da Gama
E este parece ser um bom ano de bolotas. Cachos densos de bagas muito vermelhas sobressaem na folhagem verde perene dos azevinhos. As pereiras conservam ainda o seu fruto. Medronhos, há-os em vários tons. No solo estão os mais maduros, de um vermelho intenso, nos medronheiros também, mas misturados com outros, ainda amarelados, ainda a amadurecer. Neles e no solo, abundam sinais que atestam o gosto que aves e mamíferos nutrem por este fruto. As bagas dos azereiros são agora negras como a noite, amargas como sempre e nos pilriteiros subsistem pilritos. 

As primeiras chuvas outonais como que puxam o lustro a todo o diversificado coberto vegetal. Nesta época do ano, a floresta autóctone, brilhante por natureza, torna-se exuberante como em nenhuma outra época do ano.

Mas o regresso em força da água, tem outros efeitos nos bosques e na montanha que os acolhe. Correndo com enorme vigor por leitos acidentados, despenha-se em ruidosas cascatas, outro factor que também dificulta escutar os animais que por aqui se movimentam na tentativa de acumular a maior quantidade de reservas que lhes permitam superar o inverno que já não tarda.

Deixando o fundo do vale, subindo por uma das suas encostas, ganha-se campo de visão. E um profundo silêncio, tão característico na montanha quando sem água por perto. Ele reinará enquanto não atingirmos um qualquer topo.

Há menos manta morta no caminho de pé-posto, aqui e ali ladeado por vidoeiros. Agora são dejectos de lobo e de outros mamíferos de menor porte, bem espaçados ao longo do percurso, que nos concentram a atenção. Só levantamos a cabeça quando duas gralhas-pretas passam e quebram esse silêncio. Bem perto de nós, apercebemo-nos da presença de ferreirinhas-comuns e de cias, aves pequenas e resistentes que já viram partir as espécies estivais e agora convivem com as migradoras retardatárias e com as invernantes precoces. 
Fotos: Miguel Dantas da Gama
Atingida a portela, outro elemento torna-se dominador. Também quebra o silêncio. E entranhando-se de uma forma que não conseguimos evitar quebra-nos também a vontade de permanecermos imóveis, contemplativos, à escuta. O vento, mesmo não sendo muito forte, agora já é frio a estas cotas. E a uma altitude um pouco superior, faz correr as nuvens baixas, um nevoeiro denso, muito branco mas esfarrapado que anima a sucessão de cristas da montanha que se expande por todo o lado. A penedia que desta forma se agiganta, contrasta escura, agreste, selvagem.

E é daqui que se tem a perspectiva mais abrangente do bosque. Uma mancha viva que nos toca pela sua riqueza, pela sua beleza, pela sua diversidade e nos faz recordar algo que por esta época cai no esquecimento geral.

O que temos diante de nós é uma natureza excepcional. A que constitui a regra no nosso território é pobre, está fortemente adulterada pelo homem. Por estes dias, eucaliptais, pinhais e muito mato, lambem as feridas de mais um ano que foi de sofrimento, de incêndios, de desgaste, de perda, de devastação, realidade que nos próximos meses, chuvosos e frios, voltaremos a ignorar.

Neste outro ciclo anual, gerado pelo homem, só voltará a ser notícia, tema de debate, de confronto, de promessas, quando, pelos erros que tudo indica vamos continuar a cometer, a natureza se revoltar de novo. Num processo que se agrava, porque a retórica humana é sempre a mesma. Tal como os efeitos da sua quase sempre invariável má conduta. Isto apesar do que se sabe, do que já se sofre e do muito mais que se antevê possamos vir a sofrer.

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