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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 3 de março de 2022

A menina que lê

 Terá Saramago parado alguns minutos diante desta casa onde nasceu Trindade Coelho, em Mogadouro? É provável que não, o autor de Os Meus Amores (que, como Saramago, também foi jornalista) não merece qualquer referência na Viagem a Portugal, nem páginas adiante, quando Saramago visita o museu do Abade de Baçal, em Bragança, onde, à época, repousava, ainda, o seu espólio. 
Saramago ter-se-á demorado pouco em Mogadouro. Sabe-se que chegou ao fim da tarde, subiu à torre de menagem do castelo e que, de lá, viu as encostas em redor, todas cultivadas. "Os olhos repousam", escreve Saramago, "o viajante estaria totalmente regalado se não fosse o remorso de ter feito fugir do recato das muralhas um casal de namorados que estava tratando dos seus amores".
Quando, ontem, subi ao castelo não vi casais de namorados. Desci a rua dos Távoras, lembrando os antigos senhores das muralhas e do que elas defendiam, e regressei ao largo onde foi erguida a estátua de Trindade Coelho. Na varanda do primeiro andar da casa onde ele nasceu, num dia de mercado (como conta na Autobiografia), já não estava a rapariga que regava vasos de flores quando subi ao castelo. Estava agora um gato preto a imitar um galgo. E esse recorte do gato preto no topo do varandim me leva ao traço esguio dos cavalos que Julio Resende pintou em azulejos e que acompanham o meu pequeno almoço, tal como acompanharam o de Saramago na manhã de há quarenta anos em que se deslumbrou com as arribas do Douro, vistas da pousada onde se acolheu.
Mas, em Mogadouro, Saramago não viu, não podia ver, a menina que lê, aquela menina que José Rodrigues haveria de esculpir em bronze, assim posta, sentada, a ler Trindade Coelho, à porta da biblioteca que há uns anos foi considerada a mais bela de Portugal. A dois passos da biblioteca está a ermida de Nossa Senhora do Caminho. Saramago terá passado por perto quando se fez à estrada para Azinhoso onde, como conta na Viagem a Portugal, começou a nascer "a paixão do viajante por este românico rural do Norte". Eu demoro-me um pouco. Mas lá irei e cuidarei de ver se, tal como há quarenta anos, o pequeno adro ainda está coberto de erva.

Fernando Alves

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