Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Andava por ali o Tonho Palaçoulo que devia a sua alcunha a uma navalha em puro aço mirandês e cabo de madeira envernizado por ele, onde se insere, na face oposta da lâmina, um utilíssimo garfo. O canivete suíço nordestino, como costumo apresentá-lo. O Tonho andara a guardar cabras no Peredo dos Castelhanos. Um dia comia uma bucha na encosta que tomba para o Pocinho, não havia ainda barragem e a travessia do Douro fazia-se pela velha ponte rodo-ferroviária. Esta não permitia o cruzamento de viaturas no seu interior. Quando um veículo iniciava a marcha por entre o espesso reticulado metálico, qualquer outro que quisesse aceder ao tabuleiro, tinha que aguardar à entrada que o caminho ficasse livre. Chamou-lhe a atenção, um camião carregado com fardos de palha que aguardava à entrada da ponte. De lá saiu, nada mais, nada menos, um outro camião, cuja carga era, igualmente, palha em fardos. Mais coisa, menos coisa, as cargas eram iguais. A pergunta era óbvia:
– Porque é que vai uma carrada de palha de Moncorvo para Foz Côa e uma igual em sentido contrário?
Se há palha a viajar do sul para norte é porque existindo essa quantidade para lá do Douro, há necessidade dela, do lado de cá. Mas havendo carga igual em sentido oposto demonstra que em Moncorvo havia palha suficiente para satisfazer a necessidade dispensando a que vinha de baixo e o mesmo se passa com a oferta e procura na outra margem. Pode ser que o preço negociado não seja o mesmo, nos dois casos, mas não pode ser muito diferente um do outro. De qualquer forma a soma dos dois haveria de ser inferior se não tivessem que pagar, ambos, as despesas de transporte. O que quer dizer que cada um deles estava a pagar mais que o que devia pela serventia que queria.
Que um carro que leve amêndoa para o Porto se cruze com outro que traga de lá adubos, entende-se. Agora quando a carga é exatamente a mesma...
O nosso amigo Joaquim ainda teorizou sobre a maior valia que o serviço de transporte acrescenta às mercadorias. Ficou célebre o comentário do Tonho Palaçoulo:
– Se transportar uma coisa qualquer lhe faz aumentar o valor então é fácil tirar o nordeste da crise em que está. Vamos carregar os camiões todos que há aí, com tudo o que temos, palha, batatas, amêndoa, castanha e pomos tudo isso a viajar, por essas estradas até que o valor seja tão alto que dê para ficarmos todos ricos. Por esse andar, hão-de vender-se agriões de Trás-os-Montes nas ourivesarias de Lisboa.
Desistindo de o fazer entender a verdadeira teoria económica o Joaquim retorquiu-lhe:
– O pior seriam os impostos sobre a mais valia. Acabava por ser o Estado a levar o maior quinhão. E como o Estado Português não investe coisa que se veja no nordeste, mesmo que a tua teoria estivesse certa, acabávamos por ficar mais pobres. Sem mercadorias e sem dinheiro, apesar do elevado valor a que aquelas tivessem ascendido.
José Mário Leite, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia) e A Morte de Germano Trancoso (Romance), Canto d'Encantos (Contos) tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.
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