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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 5 de julho de 2022

O ARMÁRIO DE BORODYANCA E AS SAPATILHAS VERDES

Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

«Como vais?» É um cumprimento vulgar e natural o qual tem, na esmagadora maioria dos casos, uma de duas respostas: «Mais ou menos» ou «Cá vou andando». Será, imagino eu, identicamente, por esse mundo fora, mutatis mutandis.
Terá sido assim, mais ou menos, que os naturais e residentes da Ucrânia se cumprimentavam até há pouco tempo. Ultimamente, porém, surgiu uma nova forma de responder à sudação «Como estás?» «Para já, estou bem. Vou-me aguentando, como o armário de Borodyanca!».
Nesta altura e nesta fase do horrendo conflito que assola o oriente europeu, em que edifícios, bairros e zonas residenciais voltam a ser o alvo preferencial dos mortíferos mísseis russos, ganhou forma, fama e notoriedade, que persiste, uma imagem de um edifício habitacional de Borodyanca atingido, no início da guerra, totalmente esventrado pelas bombas do exército ocupante. Tal como em todos os outros, a destruição era total, porém, neste, uma fotografia, largamente divulgada e partilhada, mostrava uma parede que ficara incólume. Encostado a esse inesperado e imprevisto refúgio, um armário resistira, perfeito e sem qualquer arranhão. No meio da enorme destruição, de milhares de mortos e feridos, para trás dos milhões que abandonaram os seus lares, a sua cidade, a sua região, o seu país, há ainda milhares e milhares de ucranianos que resistem, com a aparência do agora célebre armário... porém com enorme e inevitável destruição interna.
O horror, é sempre abominável para as suas vítimas. É verdade que um genocídio em massa causa um maior impacto na opinião pública e tem uma maior divulgação e persistência do que os crimes isolados mesmo os mais macabros e inumanos. Porém, para os pais e familiares, a perda de um filho causa o mesmo sofrimento independentemente de o seu desaparecimento acontecer de forma isolada ou integrada em ações mais alargadas.
A forma e as circunstâncias que antecederam e que presidiram ao trágico acontecimento, sim, podem ser fatores que agravam a já incalculável intensidade da dor.
No meio das dramáticas notícias da guerra russo-ucraniana, em maio deste ano, surgiu uma notícia, igualmente deplorável, do outro extremo do planeta. Em Uvalde, no Texas, um jovem armado entrou numa escola e abateu fria a sadicamente dois adultos e dezanove crianças. Qualquer bala, por mais minúscula, seria mais do que suficiente para ceifar aquelas vidas. Porém o autor da carnificina usou munições, de tal forma potentes e desproporcionadas que os corpos das suas vítima ficaram desfigurados, na zona de impacto.
Maitê Yuleana Rodriguez foi atingida na cabeça. Os pais reconheceram e identificaram o seu corpo pelas sapatilhas verdes que usava e nas quais desenhara, no que se converteu em macabro sinal identitário, um coração azul, na borracha da biqueira, sobre o dedo maior do pé direito.
A fé na Democracia baseia-se na crença de que, apesar dos entorses e desvios que a ação governativa possa sofrer, genericamente, o exercício do poder há de refletir o pensar e o querer da maioria da população.
Mas é difícil acreditar que um povo possa, em nome da defesa de hipotéticos e ainda inexistentes sonhos e planos de vida, retroceder, civilizacionalmente, mais de cinquenta anos e não seja capaz de dar um passo, por bem pequeno que seja, em direção ao futuro e à civilização, para proteger vidas concretas, sonhos reais, famílias constituídas.

José Mário Leite
, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia) e A Morte de Germano Trancoso (Romance), Canto d'Encantos (Contos) tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.

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