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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 4 de março de 2023

Viagens [...] — 3 - Pecados e pecadilhos

 A literatura de tradição oral é uma das arenas onde decorre acesa a chamada guerra dos sexos, que, contrariamente ao que às vezes pensamos, não é só tema de telenovelas brasileiras e objecto de teses de psiquiatria. Em muitas das contas que se contam, homens e mulheres defrontam-se, engalfinham-se, como se cada um dos sexos (hoje diz-se anglo-saxonicamente ‘géneros’ em vez de ‘sexos’, tendo este termo sido relegado para as instâncias da procriação e suas derivas eróticas) pretendesse reforçar a sua supremacia. Como em todas as guerras, umas ganham-se, outras perdem-se. Ou, como se diz correntemente, quem vai à guerra dá e leva. E muitas vezes o resultado acaba por ser um grande empate global.
As estatísticas neste campo julgo que ainda estão por fazer, mas quero crer que o número das contas contadas contra a mulher seja superior ao das contadas contra o homem. Nada de surpreendente. Nesses tempos indecisos, mas seguramente muito antigos, em que as contas foram aparecendo, a atitude natural e geralmente aceite era a subalternização da mulher. Ainda vinha longe a luta pela emancipação e as próprias mulheres aceitavam (à força?) a subalternidade. Não vamos dizer que se tratava de uma sociedade machista, mesmo “avant la lettre”, porque a palavra adquiriu uma carga negativa que não tem correspondência com a realidade da altura em que as contas foram sendo urdidas. Tratava-se então de subalternizar a mulher, é certo, mas não de a diminuir nem de lhe retirar valor. Pelo contrário, reconhecia-se-lhe um campo de acção em que os homens não entravam (nem queriam entrar): o mundo doméstico. Nesse mundo, a mulher era como uma matriarca, tinha poder real e o seu domínio era aceite. Mas longe de mim meter a foice nessas searas, que aparentemente ainda não estão maduras para dar pão. Limito-me a especular — exercício que gosto de praticar e de que não poucas vezes me arrependo e de que tenho saído malferido outras tantas.
Deixemo-nos, pois, de especulações e passemos à prática. Passaremos em revista algumas contas sobre os homens e sobre as mulheres, e sobre os pecados e pecadilhos que uns e outras reciprocamente metem a riso. Comecemos pela mulher, de quem são fustigados alguns pecados e pecadilhos que já veremos. Na verdade, a mulher é muitas vezes vista como um cúmulo de maldades, conforme reza esta quadra recolhida em Vilar de Perdizes por Mons. João Costa:

Já pròguntei a um sábio
Se me sabia dizer
Donde nasceu a mulher,
P’ra tanta malícia ter.

Mas não prosseguiremos sem primeiro arriscar a opinião de que as mulheres têm um fair play notável, superior ao dos homens. Não só aceitam tranquilamente os diversos labéus que as contas injusta ou justamente lhes atribuem, como são as primeiras a rir-se deles. As contas narram casos protagonizados por mulheres preguiçosas, desleixadas, teimosas, etc.? Pois bem. Como reagem elas a isso? Rindo-se. De quem? Delas mesmas. Será um reflexo de defesa, uma maneira de desbaratar pelo riso as acusações formuladas nas contas e desse modo feri-las de nulidade? Ou será, pelo contrário, uma espécie de masoquismo, de aceitação resignada, que procuram embrulhar em riso, para não darem parte de fracas? Tenho notado que são as mulheres as primeiras a contar histórias desprimorosas para o género e a achar-lhes graça. Nem é de excluir que algumas dessas contas tenham sido engenhadas por mulheres. 
E nisso vejo algo com cuja razão não atino. Em vez da solidariedade e da defesa corporativa, digamos assim, que seriam de esperar, anda aqui uma certa animosidade da mulher para com a mulher, que talvez remonte aos tais tempos imemoriais em que a competição era uma etapa necessária na estratégia da conquista do macho. Para explicar o fenómeno talvez seja preciso recorrer à tortuosa ajuda dos psicanalistas. Mas eu não vou por aí. Limito-me a dar fé daquilo que observo e da estranheza que a coisa me causa.

(Continua.)

A. M. Pires Cabral

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