Está em curso, desde 2022, o primeiro censo nacional de Circus pygargus. Dezenas de biólogos, vigilantes da natureza e amadores estão no terreno a recolher informação que permitir-nos-á conhecer a verdadeira situação desta rapina singular em Portugal.
SHUTTERSTOCK / TONI GENES - Macho de águia-caçadeira (Circus pygargus) caçando. |
Este primeiro Censo Nacional de Águia-Caçadeira (Circus pygargus) está ser desenvolvido no âmbito do projecto "Searas com biodiversidade: Salvemos a Águia-caçadeira" e tem como objectivo conhecer com maior detalhe os números e distribuição desta ave no nosso país.
Adicionalmente, serão também registados avistamentos dos restantes representantes deste género em Portugal, o tartaranhão-azulado (Circus cyaneus), distinguível apenas por subtis diferenças de plumagem e que se reproduz apenas no extremo Norte do país e que substitui a águia-caçadeira em terrenos mais a Sul durante o Inverno e o tartaranhão-ruivo-dos-paúis (Circus aeroginosus), uma espécie mais adaptada a zonas húmidas e que se distribui em baixas densidades por todo o território de Portugal Continental (embora o censo não se direccione para estes). Esta é apenas uma das acções englobadas neste projecto que inclui também uma vertente de conservação ex situ, com recolha de ovos e juvenis que são criados em cativeiro para depois serem libertados nas suas áreas de origem.
O QUE É A ÁGUIA-CAÇADEIRA?
Uma das três espécies de ave de rapina pertencentes ao género Circus que se reproduzem em Portugal, a águia-caçadeira (Circus pygargus), ou tartaranhão-caçador, é uma ave migratória que inverna em África e escolhe a Europa para se reproduzir.
Estas aves, de longas asas em relação ao tamanho do corpo e forte dimorfismo sexual nos adultos, destacam-se no entanto por um detalhe comportamental interessante. Em vez de nidificarem numa árvore ou numa escarpa, como a maior parte das aves de rapina, fazem o ninho directamente no solo, geralmente no meio de uma seara cerealífera ou similar. Devido a este comportamento, estão fortemente associadas a meios rurais, como estepes cerealíferas ou mosaicos de terrenos cultivados e matos baixos, característicos da metade mais interior do país. São carnívoras oportunistas, alimentando-se de pequenos mamíferos, répteis, anfíbios, insetos ou mesmo de outras aves e dos seus ovos.
SHUTTERSTOCK - Crias de águia-caçadeira (Circus pygargus) no ninho. |
PORQUE ESTÁ ESTA AVE AMEAÇADA?
A águia-caçadeira encontra-se classificada como "Em Perigo" segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, sendo uma espécie com estatuto de protecção de acordo com várias directivas e convenções de âmbito internacional. A percepção de um forte declínio populacional nas últimas décadas foi um dos principais motes para a sua quantificação no âmbito deste recenseamento. As principais ameaças que enfrenta devem-se justamente ao seu comportamento nidificante: ao construir o ninho directamente no solo, os ovos e as crias tornam-se muito vulneráveis à ceifa antes do seu período de autonomização e, mesmo que os agricultores tomem o cuidado de preservar o ninho, esta espécie fica exposta a potenciais predadores, sendo o insucesso reprodutor nestes casos muito elevado.
A uma escala maior, a intensificação da agricultura, de que é exemplo a zona abarcada pelos blocos de rega do Alqueva, será também responsável pelo decréscimo populacional, ao substituir terrenos de agricultura tradicional de sequeiro, que cria habitat favorável a esta espécie, por monoculturas em regime de regadio, pobres em biodiversidade e onde a águia-caçadeira não consegue singrar.
Noutras zonas, é o abandono agrícola e consequente crescimento de mato denso, ou substituição por uma pastorícia intensiva, que torna o habitat desfavorável para esta espécie. Em menor grau, o uso de pesticidas pode também afectar negativamente a vida desta ave, ao diminuir os números das espécies de que depende para se alimentar, assim como a perseguição directa, embora esta seja aparentemente um factor menor na Península Ibérica.
SHUTTERSTOCK - Fêmea de águia-caçadeira. |
QUEM ESTÁ NO TERRENO A FAZER ESTE LEVANTAMENTO?
O 1º Censo Nacional de Águia-Caçadeira (Circus pygargus) arrancou em 2022 no âmbito do projecto "Searas com Biodiversidade: Salvemos a Água-caçadeira", coordenado pela Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural e pela Associação Biopolis/CIBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto, tendo esta última, a ANPOC (Associação Nacional de Produtores de Proteaginosas, Oleaginosas e Cereais) e o Clube de Produtores do Continente o papel de entidades financiadoras.
Neste censo participam, além do ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e de numerosas associações de âmbito ambiental, um grande número de observadores de aves experientes, a título voluntário, de maneira a cobrir tanto território quanto possível. O corolário desta iniciativa será uma utilização mais proveitosa dos recursos existentes para proteger as zonas onde esta ave ainda habita em Portugal.
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