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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 2 de julho de 2023

Grandes descobertas: O esqueleto de Castro de Avelãs

 Nos arredores de Bragança, um projecto interdisciplinar extraiu DNA antigo de um esqueleto medieval, revelando uma anomalia genética invulgar.

SOFIA TERESO - No indivíduo de Castro de Avelãs, escondia-se um segredo invisível a olho nu.

É possível que as histórias mais antigas dos bragantinos se escondam a pouco mais de dois quilómetros da actual cidade transmontana, em campos lavrados, onde a memória se foi atenuando com a passagem dos séculos. Ali viveram em tempos os zoelas, um povo de origem pré-romana que deixou marcas na região, legou inscrições e deixou-nos uma tábua jurídica, com as regras de um pacto há muito esquecido.

O próprio Plínio deu conta dos zoelas, no século I d.C., elogiando o seu linho de notável qualidade: “Há pouco tempo que chega também dessa mesma Hispânia a Itália o linho dos zoelas, especialmente adequado para redes de caça”, escreveu. Na confluência de uma das mais importantes estradas romanas do Ocidente peninsular, a Via XVII do itinerário Antonino que ligava Asturica Augusta (Astorga) a Aquae Flaviae (Chaves) e a Bracara Augusta (Braga), o lugar de Torre Velha, junto da aldeia de Castro Avelãs, foi escavado por uma equipa da Universidade de Coimbra coordenada por Pedro C. Carvalho, com apoio do Município de Bragança.

A CAPITAL DOS ZOELAS?

Os achados arquitectónicos e osteológicos sugerem que ali poderá ter sido a capital dos zoelas em época romana e uma das estalagens oficiais desse itinerário. “O lugar encerra um passado e uma carga histórica importante”, diz o arqueólogo. “É um lugar de referência para a história mais recuada de Trás-os-Montes e, de certa forma, está na origem da actual cidade de Bragança.” Na época sueva, é possível que à civitas dos zoelas tenha sucedido o pagus Brigantia mencionado no Paroquial Suevo escrito pouco antes de 585 d.C., uma vez que muitas paróquias suevas replicaram o modelo administrativo romano. Nas escavações de 2012 a 2015, identificou-se um amplo espaço funerário utilizado durante mais de meio milénio, entre os séculos VI e XIII, como as datações por radiocarbono comprovaram. Foram também encontrados os alicerces de uma igreja primitiva, dos séculos VI e VII, arrasada cem anos mais tarde. São os indícios mais fortes encontrados até hoje da manutenção da relevância de Castro de Avelãs no período medieval. Mas a maior surpresa não era essa.

ROTA DA TERRA FRIA TRANSMONTANA / RUI CUNHA

O mosteiro de Castro de Avelãs foi o monumento religioso mais importante de Trás-os-Montes Oriental na idade média. A tradição do século XVIII fez recuar a sua origem ao século VII e a uma lendária fundação por São Frutuoso, mas não se encontraram provas dessa antiguidade. Teve um papel decisivo na organização regional do território durante a Alta Idade Média até à fundação da cidade de Bragança. 

A AJUDA DA GENÉTICA

A equipa de antropólogos, constituída por Sofia Tereso, Cláudia Umbelino e André Brito, exumou e estudou 59 indivíduos na necrópole da Torre Velha. Um deles, do sexo masculino e com pelo menos 25 anos de idade, chamava a atenção – consideravelmente mais alto do que os restantes (1,80m), tinha patologias visíveis nos ossos e algumas características morfológicas frequentemente observadas em populações de origem africana. O caso teria passado como uma extravagância, não fosse uma das especificidades do projecto: a colaboração da equipa de Coimbra com o Centro Australiano de DNA Antigo da Universidade de Adelaide, onde o biólogo João C. Teixeira é também afiliado. Esta instituição especializou-se em extracção de DNA antigo a partir de amostras ósseas e a equipa cedeu amostras de seis indivíduos da necrópole medieval de Castro de Avelãs para análise.

PEDRO C. CARVALHO - TRABALHO MINUCIOSO Entre 2012 e 2015, a  equipa da Universidade  de Coimbra e a arqueóloga municipal Clara André escavaram a necrópole.

“O DNA antigo tem ajudado a desvendar episódios desconhecidos da nossa história evolutiva, como cruzamentos entre neandertais e humanos modernos quando os nossos antepassados saíram de África”, diz o biólogo. Poderia trazer pistas de interpretação para este caso? Xavier Roca-Rada, aluno de doutoramento sob a orientação de João C. Teixeira na Universidade de Adelaide, trabalhou o material em laboratório, utilizando a pars petrosa, o osso craniano que melhor preserva DNA em esqueletos antigos.

O DNA antigo é um gigantesco puzzle, ao qual faltam sempre peças por força da fragmentação provocada pelo tempo, pelo tipo de solo e pelas condições de enterramento. Roca-Rada isolou fragmentos das amostras para sequenciar os pares de bases de cada indivíduo e mapeou-os no respectivo genoma.

O genoma de qualquer humano é constituído por 23 pares de cromossomas – 22 pares de autossomas numerados de acordo com tamanho e um par de cromossomas sexuais. Seria de esperar que, nas amostras do indivíduo da Torre Velha, o número de cromossomas recuperados replicasse estatisticamente a dimensão dos maiores cromossomas humanos, mas tal não sucedeu. Os fragmentos de DNA mapeados no cromossoma X eram os esperados, mas havia também um número considerável de fragmentos no cromossoma Y. Por outras palavras, o indivíduo masculino deveria ter um cromossoma X e outro Y – mas tinha dois X.

MUSEU DO ABADE DE BAÇAL / JOSÉ PESSOA / DGPC -
Uma estela funerária romana, do mesmo período.

Artigo publicado originalmente na edição nº 11 da revista História National Geographic (Junho-Julho 2023).

Gonçalo Pereira Rosa

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