“Temos muitas pontas de seta, de virote e de lança. Houve aqui alguma escaramuça e essas armas ficaram por aqui”, explicou José Sendas ao Mensageiro, que acompanhou os últimos dias das escavações ali realizadas, em julho (ver peça na página anterior).
Depois de um primeiro estudo realizado em 2020, em julho realizaram-se sondagens no local onde, em tempos, se ergueu o Castelo de Pinela ou Castelo de Alfenim, pois o local vai ser alvo de uma intervenção para a instalação de uma plataforma interpretativa e de uma rota pedestre.
“Os trabalhos que estamos a executar têm a ver com a implementação do projeto da Rota das Raízes. Pretende-se a instalação de uma plataforma de observação das ruínas arqueológicas e da paisagem.
São sondagens de avaliação nas zonas onde está prevista a colocação das sapatas que vão sustentar essa estrutura”, explicou o arqueólogo brigantino.
No local ainda é possível vislumbrar vestígios de uma muralha primitiva, “construída algures entre os séculos III e I antes de Cristo (aC)” e antes de os romanos chegarem a esta região, bem como vestígios de uma construção em pedra, num perímetro interior, junto à elevação rochosa que ali avista a paisagem circundante.
Entre as ruínas, os arqueólogos identificaram também alguma cal e uma área pintada a vermelho ocre, “quer seria uma zona mais nobre”.
“Aqui não há vestígios de romanização. Não temos qualquer vestígio que indique que este castro foi romanizado, o que deixa entender que algures na transição da era, quando se estabelece o império romano, este sítio terá sido abandonado.
Até ao Século X, quando foi construído o castelo de Alfenim ou Alvelina. É assim que é referido na documentação medieval. Há uma pequena referência indireta. São pessoas, no âmbito das inquirições de 1256, que vêm testemunhar sobre as suas posses, e para as justificar, falam de um D. Galego, que tinha o castelo de Alfenim, nesta localização (apontada pelo Abade de Baçal). Ainda na memória dessas pessoas há a capitalidade deste sítio como sendo a cabeça de terra desta região, que agora corresponde ao concelho de Bragança. Isso é anterior ao foral de Bragança, de 1187”, conta José Luís Sendas.
Terá sido nesse processo que, aparentemente, o castelo foi trocado e que passa para o poder régio, que deu terrenos noutra zona, mais a sul, a D. Galego.
“É nessa altura que este castelo foi abandonado e propositadamente demolido, talvez até para erradicar da paisagem esses símbolos nacionais, pois estamos numa época de tentativa de estabilização das fronteiras de Bragança e do reino.
A fronteira vai para Bragança, que não seria despovoada mas um sítio suficientemente apelativo para ser uma cidade. E que vai mobilizar tanto as gentes de Castro de Avelãs e concentrar o poder, com a construção do castelo”, explica ainda.
Também foi identificada a base de uma muralha, do lado nascente, virada para a aldeia de Pinela.
“Há até o relato do Abade de Baçal de haver ruínas e uma cisterna. Atualmente não exista nenhuma evidência que se assemelhe a uma estrutura de cisterna. Relativamente à planta, já fizemos levantamentos tridimensionais e conseguimos ter um modelo detalhado do castelo. A análise de eventuais entalhes poderia permitir avançar pelo menos alguns limites da construção que existiu”, explica.
Contudo, “não é fácil distinguir o que é natural do que é ação humana mas a verdade é que mais escavações arqueológicas vão aportar novos dados que vão completando o puzzle”.
Testes como o de radio-carbono (que permite aferir a idade de elementos biológicos), o estudo dos pólenes ali encontrados, que permitira perceber como era o clima na região há mil anos ou mesmo o estudo dos ossos de animais ali encontrados, que serviriam de alimento a quem ocupou o local, poderia trazer um outro olhar sobre a região que viria a ser Bragança e os seus habitantes.
“Não há muitos sítios com este enquadramento histórico. Primeiro, porque não existe. É um sítio enigmático, que no concelho de Bragança não tem paralelo.
Permite perceber como era o território de Bragança, como estava organizado. Este é um sítio estratégico do ponto de vista militar e de defesa. Do ponto de vista da habitabilidade já é mais difícil”, frisa José Sendas.
Para já, o projeto da junta de Freguesia de Pinela pretende aproximar o espaço dos visitantes.
“Este projeto surge no âmbito de uma candidatura que submetemos à Corane, a Rota das Raízes da Cerâmica, e que pretende criar um percurso pedestre e uma plataforma interpretativa do que seria o castelo de Pinela. Associada a esta candidatura está, também, o melhoramento das valências atuais do centro interpretativo da cerâmica, com a inclusão de um Espaço Artesão e de um Espaço Coworking.
Tendo em conta que foram realizadas várias escavações ao longo dos últimos anos, a nossa ideia é criar um espaço de visitação para poder ver o espólio que se vai encontrando”, explica o presidente da junta, Alex Rodrigues.
O autarca frisa que “a possibilidade de atrair visitantes foi uma das maiores razões” para submeter a candidatura e “criar aqui um polo de atração, aumentar o número de visitantes da freguesia, valorizar um espaço que é muito importante” para os habitantes de Pinela.
“A verdade é que havia muitas dúvidas, muita gente pensava que era só um monte de fragas. Esta situação sempre nos intrigou e logo que tivemos oportunidade de criar condições de conhecer melhor o espaço, apercebemo-nos que, pelos achados arqueológicos que surgiram, este espaço teve, além de outras utilidades, foi ocupado várias vezes.
Estamos a tentar perceber o que aconteceu ao castelo de Pinela. Temos evidência do que resta das muralhas e porque hoje não temos castelo”, conclui.
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