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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

O PIDE em fuga

Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Provavelmente por causa do cinquentenário, quiçá porque ameaças que nessa altura julgávamos estarem definitivamente arredadas e sem caminho de retorno, o certo é que nestes tempos mais próximos tenho regressado, de forma recorrente a Bragança de há cinquenta anos, invariavelmente à Praça da Sé, com paragem obrigatória no Chave D’Ouro, no Flórida e no Cruzeiro, com passagens episódicas pelo Poças e Moderno.
Apesar de adormecida, durante décadas, veio-me à memória um episódio dos inolvidáveis dias que se seguiram ao 25 de abril. Tinha a revolução poucos dias quando, ao almoço, na Pensão Machado Cura que nos abrigava desde o fecho do S. João de Brito, o mais velho dos irmãos Vitorino, o mais notívago do grupo, tinha uma história que rapidamente sequestrou a atenção de todos os comensais.
Na noite anterior o João, antes de rumar ao quarto alugado, em frente aos Correios, foi beber um fino à cave do Flórida e, por acaso, pensou-se na altura, duvidou-se, depois, mas lá iremos, entabulou conversa com um indivíduo estranho, com ar esgazeado e mal-arranjado. Seria, segundo lhe confidenciou, um ex-preso político, libertado recentemente, como todos os seus companheiros de luta e infortúnio e que, após o necessário e urgente reencontro familiar, meteu pés ao caminho e estava ali em perseguição de um Pide por saber que teria sido essa a rota de fuga do mesmo, em direção a Espanha onde procurava abrigo no fascismo franquista que, apesar de enfraquecido, ainda se aguentava. Tinha sido torturado pelo fugitivo e não podendo perdoar-lhe haveria de persegui-lo até o encontrar, desmascarar e alvejá-lo com quantas balas tivesse no carregador da pistola que, a propósito, mostrou. Foi, nesse dia e nos seguintes, o nosso novo herói, sem rosto, mas embrulhado na capa da coragem e determinação.
Tinham passado já dois anos quando me encontrei de novo com o saudoso João Vitorino, no café Piolho, no Porto, onde eu estudava Engenharia, vindo ele de Coimbra onde cursava Direito. Não tenho presente se nos foi servido o tradicional café de saco, arrancado a reluzente caldeira de cobre, ou o “cimbalino” debitado por moderna máquina italiana, nem isso tem qualquer relevância perante o inevitável desfiar de memórias, onde, entre várias e diversas, veio à liça a história da perseguição do carrasco. Longe do fervor revolucionário de então e já com o caldeamento do Verão Quente, entretanto a arrefecer, permitimo-nos uma reflexão crítica sobre o ocorrido e ambos concordamos que o estranho personagem tanto podia ser, o que afirmava, como, muito mais provavelmente, o seu oposto: o próprio pide tentando passar a fronteira por uma raia mais discreta e menos vigiada, usando como disfarce, a condição de uma das suas vítimas que, obvia e desgraçadamente, conhecia bem. Foi esta hipótese que, a meio da tarde, quando nos despedimos, prevaleceu por se adequar mais à realidade tal qual a víamos então, despojados já do romantismo ingénuo dos primeiros tempos revolucionários.
Nunca mais falámos sobre o assunto, porém, várias vezes me recordo dele ao ouvir, recorrentemente, várias figuras públicas, quando na condição de candidatos, jurarem por tudo o que de mais sagrado possa existir que a única coisa que os move é o interesse público mesmo que para tal tenham de sacrificar os seus próprios interesses e a sua prática, subsequente, mostra exatamente o contrário!

José Mário Leite
, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia), A Morte de Germano Trancoso (Romance) e Canto d'Encantos (Contos), tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.

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