Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Provavelmente por causa do cinquentenário, quiçá porque ameaças que nessa altura julgávamos estarem definitivamente arredadas e sem caminho de retorno, o certo é que nestes tempos mais próximos tenho regressado, de forma recorrente a Bragança de há cinquenta anos, invariavelmente à Praça da Sé, com paragem obrigatória no Chave D’Ouro, no Flórida e no Cruzeiro, com passagens episódicas pelo Poças e Moderno.
Apesar de adormecida, durante décadas, veio-me à memória um episódio dos inolvidáveis dias que se seguiram ao 25 de abril. Tinha a revolução poucos dias quando, ao almoço, na Pensão Machado Cura que nos abrigava desde o fecho do S. João de Brito, o mais velho dos irmãos Vitorino, o mais notívago do grupo, tinha uma história que rapidamente sequestrou a atenção de todos os comensais.
Na noite anterior o João, antes de rumar ao quarto alugado, em frente aos Correios, foi beber um fino à cave do Flórida e, por acaso, pensou-se na altura, duvidou-se, depois, mas lá iremos, entabulou conversa com um indivíduo estranho, com ar esgazeado e mal-arranjado. Seria, segundo lhe confidenciou, um ex-preso político, libertado recentemente, como todos os seus companheiros de luta e infortúnio e que, após o necessário e urgente reencontro familiar, meteu pés ao caminho e estava ali em perseguição de um Pide por saber que teria sido essa a rota de fuga do mesmo, em direção a Espanha onde procurava abrigo no fascismo franquista que, apesar de enfraquecido, ainda se aguentava. Tinha sido torturado pelo fugitivo e não podendo perdoar-lhe haveria de persegui-lo até o encontrar, desmascarar e alvejá-lo com quantas balas tivesse no carregador da pistola que, a propósito, mostrou. Foi, nesse dia e nos seguintes, o nosso novo herói, sem rosto, mas embrulhado na capa da coragem e determinação.
Tinham passado já dois anos quando me encontrei de novo com o saudoso João Vitorino, no café Piolho, no Porto, onde eu estudava Engenharia, vindo ele de Coimbra onde cursava Direito. Não tenho presente se nos foi servido o tradicional café de saco, arrancado a reluzente caldeira de cobre, ou o “cimbalino” debitado por moderna máquina italiana, nem isso tem qualquer relevância perante o inevitável desfiar de memórias, onde, entre várias e diversas, veio à liça a história da perseguição do carrasco. Longe do fervor revolucionário de então e já com o caldeamento do Verão Quente, entretanto a arrefecer, permitimo-nos uma reflexão crítica sobre o ocorrido e ambos concordamos que o estranho personagem tanto podia ser, o que afirmava, como, muito mais provavelmente, o seu oposto: o próprio pide tentando passar a fronteira por uma raia mais discreta e menos vigiada, usando como disfarce, a condição de uma das suas vítimas que, obvia e desgraçadamente, conhecia bem. Foi esta hipótese que, a meio da tarde, quando nos despedimos, prevaleceu por se adequar mais à realidade tal qual a víamos então, despojados já do romantismo ingénuo dos primeiros tempos revolucionários.
Nunca mais falámos sobre o assunto, porém, várias vezes me recordo dele ao ouvir, recorrentemente, várias figuras públicas, quando na condição de candidatos, jurarem por tudo o que de mais sagrado possa existir que a única coisa que os move é o interesse público mesmo que para tal tenham de sacrificar os seus próprios interesses e a sua prática, subsequente, mostra exatamente o contrário!
Apesar de adormecida, durante décadas, veio-me à memória um episódio dos inolvidáveis dias que se seguiram ao 25 de abril. Tinha a revolução poucos dias quando, ao almoço, na Pensão Machado Cura que nos abrigava desde o fecho do S. João de Brito, o mais velho dos irmãos Vitorino, o mais notívago do grupo, tinha uma história que rapidamente sequestrou a atenção de todos os comensais.
Na noite anterior o João, antes de rumar ao quarto alugado, em frente aos Correios, foi beber um fino à cave do Flórida e, por acaso, pensou-se na altura, duvidou-se, depois, mas lá iremos, entabulou conversa com um indivíduo estranho, com ar esgazeado e mal-arranjado. Seria, segundo lhe confidenciou, um ex-preso político, libertado recentemente, como todos os seus companheiros de luta e infortúnio e que, após o necessário e urgente reencontro familiar, meteu pés ao caminho e estava ali em perseguição de um Pide por saber que teria sido essa a rota de fuga do mesmo, em direção a Espanha onde procurava abrigo no fascismo franquista que, apesar de enfraquecido, ainda se aguentava. Tinha sido torturado pelo fugitivo e não podendo perdoar-lhe haveria de persegui-lo até o encontrar, desmascarar e alvejá-lo com quantas balas tivesse no carregador da pistola que, a propósito, mostrou. Foi, nesse dia e nos seguintes, o nosso novo herói, sem rosto, mas embrulhado na capa da coragem e determinação.
Tinham passado já dois anos quando me encontrei de novo com o saudoso João Vitorino, no café Piolho, no Porto, onde eu estudava Engenharia, vindo ele de Coimbra onde cursava Direito. Não tenho presente se nos foi servido o tradicional café de saco, arrancado a reluzente caldeira de cobre, ou o “cimbalino” debitado por moderna máquina italiana, nem isso tem qualquer relevância perante o inevitável desfiar de memórias, onde, entre várias e diversas, veio à liça a história da perseguição do carrasco. Longe do fervor revolucionário de então e já com o caldeamento do Verão Quente, entretanto a arrefecer, permitimo-nos uma reflexão crítica sobre o ocorrido e ambos concordamos que o estranho personagem tanto podia ser, o que afirmava, como, muito mais provavelmente, o seu oposto: o próprio pide tentando passar a fronteira por uma raia mais discreta e menos vigiada, usando como disfarce, a condição de uma das suas vítimas que, obvia e desgraçadamente, conhecia bem. Foi esta hipótese que, a meio da tarde, quando nos despedimos, prevaleceu por se adequar mais à realidade tal qual a víamos então, despojados já do romantismo ingénuo dos primeiros tempos revolucionários.
Nunca mais falámos sobre o assunto, porém, várias vezes me recordo dele ao ouvir, recorrentemente, várias figuras públicas, quando na condição de candidatos, jurarem por tudo o que de mais sagrado possa existir que a única coisa que os move é o interesse público mesmo que para tal tenham de sacrificar os seus próprios interesses e a sua prática, subsequente, mostra exatamente o contrário!
José Mário Leite, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia), A Morte de Germano Trancoso (Romance) e Canto d'Encantos (Contos), tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.
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