A tradição cada vez está mais viva e vai perdurar eternamente, como destaca Cecília Reis, de 70 anos, que desde os 13 anos se veste de Careto:
Esta tradição cada vez está mais viva. Sabe que já tenho 70 anos e agora vou-me vestir de careto até morrer. Vesti-me pela primeira vez aos 13 anos. Fui achocalhada. Fui molestada por um careto. E o meu pai, na altura disse-me agora veste-te de careto, que ninguém toca em ti. E eu dei umas “pauladas” a um careto que me tratou mal. Antigamente, os caretos eram muito maus, nas suas tropelias. Quando tinham objetivos queriam chocalhar a dama querida. E faziam de tudo. Subiam aos telhados, partiam janelas e rebentavam portas. Ia tudo à frente deles e valia tudo.
A origem da tradição desconhecida, é um misto de elementos pagãos, profanos, mágicos com o religioso, e quando se veste de careto, sente uma energia que não sabe de onde vem, como acrescenta:
Nós já não sabemos a origem dos caretos. É uma tradição muito antiga. Prevê-se que tenham origem das invasões dos povos celtas. Isto era um misto de profano com o religioso. As caretas quase todas têm uma cruz que era para atrair a fertilidade. O paganismo fomentava a fecundidade. E depois juntou-se o profano, com o religioso. Quando me visto de careto, ficou com uma energia, que não sei de onde me vem.
A tradição das festas dos rapazes, moços vestidos com trajes coloridos à solta, repletos de chocalhos, numa aldeia que apenas conta com 200 habitantes. Mas é desta pequena aldeia que a tradição já dá caras em todo o mundo que é amplamente reconhecida, muito em parte ao trabalho desenvolvido de António Carneiro, presidente da Associação Caretos de Podence, que sempre foi o entusiasta para a tradição não morrer. Chegar aqui significa muito:
Significa um marco muito importante para os Caretos de Podence e para a aldeia. Cinco anos, após o reconhecimento de Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO, o Entrudo Chocalheiro. É para nós uma grande alegria continuar com esta dinâmica, que os Caretos de Podence têm, desde 2019. Vamos continuar com esta dinâmica e preservar esta tradição. Os Caretos de Podence hoje são uma marca nacional reconhecida, não só em Portugal, mas também no mundo.
Hoje fizemos a inauguração da Oficina dos Caretos que é uma forma também dos mais jovens, se interessarem por fazer máscaras e os trajes. Considero que é bom para Trás-os-Montes, que cada vez tem menos gente. São estas dinâmicas de um património que esteve quase perdido. E que hoje é uma tradição viva e identidade desta região.
Confessa que o percurso não foi fácil:
Como tudo na vida, as coisas fáceis, não têm sabor. Mas esta saga foi muito grande e continua a ser. Somos resilientes, continuamos a lutar e é uma grande paixão e alegria, porque é isso que os caretos transmitem.
Com o revivar dos Caretos de Podence, a aldeia é cada vez mais visitada por turistas. No âmbito da cerimónia dos cinco anos, também foi inaugurada a Oficina do Careto, que contou com a presença de Luís Pedro Martins, presidente do Turismo Porto e Norte, que evidenciou que preservar a memória e a transmissão da tradição é muito importante:
Estamos a permitir que as novas gerações, possam vir aqui entrar em contacto com este património, possam experimenta-lo nesta oficina que é agora inaugurada e que possam levar daqui esta memória, e replicar esta tradição. O que estamos a fazer é manter este património vivo, durante muitas gerações. Por isso é que eu disse que têm sido muito importante a promoção externa que temos realizados com os Caretos, como por exemplo, leva-los para o Brasil, para as nossas lojas de turismo, entre muitas outras ações. Mas de facto, este momento, ultrapassa qualquer outro, que é fazer com que haja transmissão da tradição entre os jovens.
O turismo é uma grande aposta e cada vez mais há unidades hoteleiras, como referenciou Benjamim Rodrigues, presidente da câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros:
As unidades hoteleiras continuam a proliferar. Isto é um sinal que há progresso, que está ligado a este reconhecimento, e a esta projeção internacional. E já é um turismo de ano inteiro, não sendo sazonal, nem só do carnaval. As pessoas procuram o Entrudo Chocalheiro, não só no verão. Os caretos são imagem de marca. E de facto, o concelho de Macedo conseguiu notar esse progresso e esse crescimento económico ligado ao turismo.
Também foi inaugurada a exposição fotográfica “Behind the Mask” da autoria de Rui Rodrigues, de 25 anos.
Atrás da máscara pode se ver a tradição, conta o autor:
Conta a tradição do que é ser careto, como nasce e retrata todo o processo, desde o fato até aos dias do entrudo. Sou careto há cerca de 5 a 6 anos. Comecei quando vim falar com o António para usar a imagem dos Caretos neste trabalho e ele apoiou desde logo a iniciativa e foi aí que me convidou para vestir pela primeira vez o facto, que até foi numa saída á Covilhã. Foi aí que eu percebi como tinha de agir, para tirar as fotografias. Porque uma pessoa quando veste o fato, percebe o que um careto faz.
Foi realizada a apresentação do livro “Ser Careto Caminhada Rumo à UNESCO”, da autoria de António Carneiro, um livro de diversas memórias, que conta a aventura do renascer desta cultura, com prefácio de Marcelo Rebelo de Sousa e ainda com 31 testemunhos de diversas personalidades.
Houve ainda tempo para mostrar mais uma parceria, desta vez no chocolate, com a empresa “Avianense”, e ainda um momento de poesia, com o momento “Uma carta para ti”, e a apresentação do livro “O Crepitar da Terracota”, mas sem antes cortar o bolo dos cinco anos, com assinatura do chefe Eurico Castro.
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