Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Estamos a poucos dias da conclusão do ano que deveria celebrar o quingentésimo aniversário do nascimento de Luís de Camões, o nosso maior poeta e símbolo consagrado da lusitanidade e que é comumente aceite que tenha ocorrido a 24 de janeiro de 1524!
E quase nem se deu por isso!
Premonitoriamente, José Saramago em “Que farei com este livro?”, revive o desinteresse pela obra maior do universo literário português por parte dos poderes de então. Apesar da obra genial, já então conhecida, sintomaticamente, o nosso nobel coloca Diogo do Couto a perguntar quem, de entre os fidalgos e demais presentes conheceria Luís de Camões tendo obtido, como resposta o silêncio. Quando o poeta requer a atenção real para o livro onde estão relatados os valorosos feitos dos antepassados, principalmente as navegações é afastado para que deixe de importunar sua alteza. Daí que o autor se lamente constatando que mais sucesso teria se mendigasse para matar a fome do que pedindo apoio para a publicação da sua obra, havendo quem veja nesta lamúria uma queixa do próprio Saramago que, antes de ser laureado em Oslo, várias vezes foi estigmatizado pelo regime (mesmo depois do 25 de abril), foi recusado por algumas editoras e sentiu o desprezo das elites vigentes.
Mais do que o desdém da fidalguia, o desinteresse da realeza e a intervenção censora da Inquisição, choca a recusa de apoio à obra do neto de Vasco da Gama, figura principal do poema épico, alegando que a casa da Vidigueira não precisa de quem lhe louve as glórias e se tal quisesse haveria de fazer a devida encomenda.
Infelizmente, quinhentos anos passados, apesar de, por mérito próprio se terem imposto, autor e obra, continua a haver um claro défice de atenção para com a figura cimeira da cultura portuguesa e da sua obra. Mais importância se dá aos episódios banais de concorrentes circunstanciais de qualquer programa televisivo, às tricas comezinhas das chamadas redes “sociais” do que à celebração do nascimento do maior poeta português, como tal reconhecido, nacional e internacionalmente. Dele e da sua obra, do seu livro, pois foi com ele que se guindou ao olimpo onde permanece. E se isto aconteceu e, passados séculos, se repete, com figuras enormes, facilmente se adivinha o caminho estreito de quem, não tendo capacidade para se alcandorar a qualquer dos patamares mais baixos do reconhecimento público, mesmo assim, de forma empenhada, honesta e dedicada se entrega à produção de obra que, de alguma forma contribui para o enriquecimento cultural da sua terra.
Recentemente, em Vila Flor, a propósito do septingentésimo aniversário da morte de D. Dinis (que fez tudo quanto quis) foi lembrado que, de todas as suas muitas e importantes obras e realizações, o que permaneceu de forma intocável, inalterado e, como tal, glorioso, foram as suas cantigas de amor e de amigo.
José Mário Leite, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia), A Morte de Germano Trancoso (Romance) e Canto d'Encantos (Contos), tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.
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