(Colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Vemos muitas capelas ou santuários situados no topo de um monte. Quando se depararem com algum exemplar, é bem provável que algo aí tenha existido antes do edifício religioso. Que os nossos remotos antepassados eram muito dados a cultos nos altos... Há que considerar sempre a elevada possibilidade de aí ter havido um prévio santuário pagão. Na nossa região, são inúmeros os exemplos de capelas ou santuários, prospecções e escavações feitas, que assentam em antigas construções ou se situam na área imediata de antiquíssimos povoados com milhares de anos.
O Povo, não obstante a adopção do Cristianismo, persistiu em manter muitos dos seus costumes pagãos, continuando a ir em procissão aos locais venerados pelos seus antepassados. Uma vez mais, as entidades eclesiásticas, mesmo com as doutas intervenções de figuras como o célebre S. Martinho de Dume, não conseguiam eliminar essas manifestações milenares, nem com ameaças ou pesados tributos. O Povo é e sempre será soberano… E ora então, lá continuava a ir o Povo, mais os «dançadores», os «tamborileiros» e os «gaiteiros», acompanhados de «mascarados», aos «sítios do costume», em procissão.
A Igreja, não obstante os seus esforços de evangelização e regulação dos costumes, não conseguia eliminar as manifestações de devoção popular. Como resposta, tomando, de novo, o princípio do «se não consegues vencer o inimigo, junta-te a ele», tratou de substituir os ancestrais cultos por… novos cultos! E assim nasceram a maioria das capelas no alto dos montes, que não são nada para «estar mais perto de Deus». O Povo continuaria a ir aos velhos locais, em procissão, como sempre o havia feito. Porém, já não era para venerar um qualquer «deus da vegetação», por exemplo, mas sim, e maioritariamente, Santa Maria, a anterior designação de Nossa Senhora. Para não considerarem isto uma heresia, o insuspeito Abade de Baçal, elemento inteligentíssimo do clero, já constatava, há 100 anos, este mesmo facto. A verdade é que conheço inúmeros exemplos que corroboram estas considerações…
Se dúvidas ainda tiverem, a propósito da substituição de cultos, vou falar-vos de Santa Brígida, pouco conhecida por cá, sendo uma das santas protectoras da Irlanda. Cuja festividade é assumida, no calendário litúrgico, a 1 de Fevereiro. Dia esse que, na cultura celta pagã, marcava o dia dos festejos da entrada na Primavera, celebrando-se a deusa Brigit! Brígida, Brigit, estão a ver a coincidência?… Entre 1 e 2 de Fevereiro, a mesma cultura pagã celta celebrava o Imbolc, festival que representava o início de um novo ciclo, ou da «nova luz». E, no dia 2 de Fevereiro, essa «nova luz» era celebrada com velas e procissões, com sentido purificador. Hummm… Dia esse, 2 de Fevereiro, no qual a Igreja, para erradicar o culto pagão, manteve as procissões e as velas, mas instituindo a festa de Nª Sra. da Purificação, que também toma o nome de Nª Sra. das Candeias ou Nª Sra. da Luz… “Stãu a bêre”? Candeias, Luz, Purificação…
Onde isto já conduziu… E porque se aproxima a época natalícia, na qual saem à rua os Caretos com as suas «Festas dos Rapazes», para festejar o tempo no qual… a luz dos dias começa a aumentar. Festejo esse que os Romanos também adoptaram, estipulando, a partir do século III, o dia 25 de Dezembro como o dia do «deus sol invicto». Como os Romanos por cá estiveram, rapidamente o Povo assumiu essa festividade misturando-a com os seus cultos ancestrais. Para os que o desconheçam, tudo aponta para que o nome dos «nossos avós Zelas», «Zoelae» em Latim, derive de «sol». Estão a antecipar a ligação?…
Mas há mais, muito mais, para quem tenha interesse nestas coisas da nossa ancestralidade como Povo. Tudo tem uma explicação, tudo tem uma sequência lógica. Mesmo que, por vezes, não nos pareça o mais lógico…
(Foto: Para exemplificar, onde hoje se ergue uma pequena capela em honra a São Marcos, na aldeia de Castelãos - Macedo, num local a partir do qual se alcança uma vista fantástica, existiu, anteriormente, um povoado da Idade do Ferro, ao qual o Povo deu o nome de... «Castelo de São Marcos»... «Castelos» com capelas é o que não falta por aí...)
Rui Rendeiro Sousa – Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer.
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas.
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana.
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros.
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.

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