(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Para os que nestas coisas interesse tiverem, porque festejamos o «São Martinho»? E como veio parar a estas terras a devoção a um... santo francês?
Inúmeras vezes, festejam-se os santos… «só porque sim, porque sempre foi assim». E «no São Martinho, vai à adega e prova o vinho». Ou «no São Martinho lume, castanhas e vinho». Inevitavelmente, surge uma explicação baseada no «é assim desde que me lembro».
Pensamento puxa pensamento, e como se aproxima o «Dia de São Martinho», lembrei-me que, há uns dias, por aqui trouxe uma anotação ao «Magusto de São Martinho». E também mencionei as influências exercidas por mosteiros Leoneses para que falemos através de idiomáticos resquícios do Ásturo-Leonês, nomeadamente o de... São Martinho da Castanheira. Depois, lembrei-me que São Martinho é um caso raro e particular no distrito, onde, tal a relevância que já teve, tem duas povoações a ostentarem o seu nome, São Martinho do Peso e São Martinho de Angueira. Havendo mais doze povoações no distrito (que “m’alembre”...) que o têm como padroeiro. O que é revelador da alguma importância de que o santo francês usufruiu, em recuados tempos, por estas bandas.
Todavia, no que respeita à devoção do Povo, parece ter perdido muita dessa importância. Assim, de cor, nas chamadas «festas de Verão», só conheço uma povoação que lhe dedica a festa em sua honra, São Martinho de Angueira (se estiver equivocado, façam o favor de me corrigir). Por exemplo, nas três povoações do meu concelho onde é padroeiro, nenhuma o festeja, prioridade dando a outras devoções mais recentes. Porém, que esta coisa da devoção aos santos também é uma moda, São Martinho, no aspecto estritamente religioso, já teve uma desmesurada importância. Desde muito remotos tempos…
Consta-se que desde o século VI, quando o homónimo São Martinho de Dume por cá andou a converter os Suevos. Desse tempo parecem advir as primeiras invocações a São Martinho de Tours, o santo francês que celebramos com magustos e vinho. Porém, seria apenas a partir do século IX que regressaria, em força, o culto a São Martinho, trazido de francesas terras pelos cavaleiros francos e pelos Beneditinos. Por isso a sua sede era São Martinho de Tibães. E por isso, dada a influência Beneditina pelo distrito, nomeadamente através dos mosteiros Leoneses, mas também por via do Mosteiro de Castro de Avelãs, multiplicar-se-iam os locais de culto ao santo francês. Muitos que permanecem até hoje… Tudo tem uma explicação… Até a transformação do «Dia de São Martinho» numa celebração essencialmente pagã. Afinal, como sempre o foi, que a Igreja bem tentou cristianizar antigas festas do povo, mas lá teve, inúmeras vezes, de se adaptar.
Esta história do vinho associado ao São Martinho, para lá da feliz coincidência da rima, que o povo tudo aproveita, bem como os «excessos» que, por vezes se cometem, não passa de reminiscências de antigas celebrações pagãs relacionadas com as Dionisíacas, em honra a Semele, a mãe de Dioniso, que ocorriam na primeira quinzena de Novembro. As quais, posteriormente se transformariam em festejos em honra ao Romano deus do vinho, Baco. Celebrações que se realizavam para festejar o final das colheitas, que coincidiam com o surgimento do vinho novo. E era um “bere se t’abias’e”…
Na actualidade, parece ter regressado o carácter eminentemente «pagão», quase desaparecendo a vertente religiosa. Vertente essa que transformava, tempos idos, o dia 11 de Novembro num dia de tal forma marcante no calendário cristão e civil, que muitos dos foros que deveriam ser pagos pelo povo e pelos concelhos, o eram feitos em «die de Sanctus Martino». Quem curiosidade tiver, poderá consultar, por exemplo e entre muitos outros, o texto do Foral Novo atribuído por D. Manuel a Bragança…
Tempos outros, este dia era rijamente festejado pelas nossas aldeias, relatos havendo de «Confrarias dos Bêbados» ou… dos “Burratchus’e”. Entidades essas cujos membros circulavam pelas ruas das aldeias, munidos de pipos, chegando a eleger o «Juiz da Borracheira», ou seja, aquele que ficava mais “burratchu’e”. O único festejo de que tenho conhecimento, na actualidade, que possa assemelhar-se a esses excessos cometidos pelos nossos antepassados, ainda sobrevive em Maçores, que festeja o seu padroeiro São Martinho, através da peculiar «caldeira», da qual todos bebem. Sempre o vinho como tema base dos festejos… Tal como o era há milhares de anos… E como hão-de vir por aí as «Festas dos Rapazes», até parece haver uma ligação entre o «Dia de São Martinho» e as ditas. Mas isso, lá “pr’ó Natale”...
E “prontus’e”… às voltas com São Martinho aqui “tchiguemus’e”… Temas não faltam por estas magníficas terras! "Ele já hai binhu nóbu'e, pur as pipas'e? Ou inda hai que scurritchá-lu du belhu'e?"...
Rui Rendeiro Sousa – Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer.
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas.
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana.
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros.
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.

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