terça-feira, 19 de outubro de 2021

Topografia da cidade de Bragança

Os elementos que vamos fornecer aos leitores estão longe de corresponder à epígrafe com que encimamos este capítulo; representam simplesmente uma colecção de notícias aproveitáveis para um estudo completo.
É ainda o livro manuscrito intitulado Tábua Velha da Igreja de S. João que fornecerá parte dessas notícias. 
Este livro, mandado fazer por determinação do visitador ordinário no bispado de Miranda, diz no termo de abertura:

 «... há-de servir para nele se tresladar a tábua velha da igreja de S. João da cidade de Bragança e tudo o mais que no livro velho da dita tábua se achar. Bragança 24 de Abril de 1755».

No fólio 157 deste mesmo livro vem um termo lavrado «por um tabelião de público judicial» que reconhece as cópias transcritas nele como exactas, dignas de crédito, pois as conferiu com o livro velho original. 
No fólio 23 v. vêm os títulos das casas que pagam foro à igreja de S. João e são as seguintes:
1. Porta de Santo António — Uma casa por cima da Porta de Santo António na terceira travessa que vai para a cadeia.
2. Uma casa por trás da capela de Nossa Senhora. À margem há a seguinte nota: «não se sabe de tal casa, nem se pode averiguar».
3. Ponte das Tenarias — Um moinho à Ponte das Tenarias.
4. Rua de S. Francisco — Uma casa na rua de S. Francisco. Estas casas as deixaram cair os herdeiros de um abade quando faleceu. À margem há a seguinte nota: «no sítio destas casas fizeram as religiosas de S. Bento o dormitório de Mafra e um grande campo de quintal».
5. Batoco — Uma casa na rua indo para o Batoco. Está derrubada com as trincheiras.
6. Rua de Trás — Uma casa e forno na rua de Trás, confronta com as casas do bispo.
7. Eiras de S. Vicente — Uma casa nas Eiras de S. Vicente.
À margem há a seguinte nota: «esta casa se derrubou para se fazer a trincheira».
8. Rua da Mesquita — Uma casa na rua da Mesquita. À margem há esta nota: «hoje é a rua chamada dos Oleiros».
9. Eiras do Arcebispo — Uma casa nas Eiras do Arcebispo junto ao Batoco. Estas casas se derrubaram para a trincheira; estavam sobre os moinhos da Pala e tinham seu quintal para trás.
10. Costa Pequena — Umas casas na rua da Costa Pequena. Foram deixadas à dita abadia em 1651 por Ana Rodrigues.
11. Rua da Amargura — Umas casas na Rua da Amargura que deixou à dita igreja o padre Francisco Gil, que morreu em 1652.
12. Rua da Alfândega — Umas casas na rua da Alfândega que deixou Maria Cepeda, viúva, falecida aos 30 de Outubro de 1639.
13. Umas casas que estão na vila desta cidade na terceira travessa que vai para onde estava a cadeia. Estas casas eram de António Mendes Prateiro e ficaram a Jacinto Ferreira, torcedor, ao qual as comprou Francisco da Silva Figueiredo, escrivão dos órfãos, natural de Bragança, obrigando-se ao respectivo foro «e por isso assinou este tombo com o abade da igreja aos 6 de Agosto de 1699».
14. Rua da Carreira — Umas casas na rua da Carreira e partem com os paços do bispo e têm quintal grande para trás. Hoje são estas casas do mestre de campo Sebastião da Veiga Cabral. Ver o título 37.
15. Fora das Portas do Cabo — Umas casas sitas Fora das Portas do Cabo.Voltamos adiante a falar nelas.
16. Eiras de S. Francisco — Umas casas com seu quintal nas Eiras de S. Francisco.
17. Rua Direita — Umas casas na rua Direita.
18. A 12 de Dezembro de 1673 faleceu João Garcia Nogueiro, nascido a 21 de Março de 1617 e casado com Maria Lopes de Morais a 28 de Maio de 1640. Esta, depois de viúva, passou a segundas núpcias, com Francisco de Figueiredo Sarmento, a 6 de Outubro de 1684.
Do testamento de João Garcia Nogueiro, exarado no livro abaixo citado que contém espécies interessantíssimas para a topografia e indústria bragançana, vamos extrair as seguintes notícias: era intenção dele Nogueiro testador e de sua mulher que se fizesse uma capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição, num local situado na «ladeira d’além do rio passante a ponte das Tinarias» defronte das suas casas de morada sitas na rua Direita, e que para o custo dela se tirassem dos seus bens mil cruzados ou o que fosse necessário para nela se poder dizer missa.
Deixavam mais para a fábrica e encargos pios, incumbidos a esta capela, os bens seguintes:
19. Rua dos Gatos — Três moradas de casas situadas na rua dos Gatos.
20. Caleja da Misericórdia — Uma casa na Caleja da Misericórdia e passa da rua Direita para a do Espírito Santo. (E o nome de rua da Carreira? Seria ao copiar que lhe deram este nome já então substituído por este o primeiro? Teria indistintamente os dois, ou parte seria chamada da Carreira e parte do Espírito Santo?)
21. Outras casas que partem com a Caleja do Concelho e rua da Cadeia, que foi.
22. Outras casas ao Açougue que partem com a trincheira.
23. Mais duas tinarias que traz Belchior de Leão: uma que parte com o caminho do concelho e rua que vai para o rio e a outra nesta mesma rua.
24. Outra tinaria na Caleja que vai para o rio.
25. Bico do inferno — Mais outra tinaria que traz o Cigano, que está ao Bico do Inferno que tem a porta na rua que vem do rio para a porta da morada.
26. Mais outra tinaria.
27. Caleja do Bebedouro — Mais outra tinaria que trás o Marrana e parte com o caminho dos moinhos e Caleja do Bebedouro.
28. Mais um enoque de curtir sola, que está no meio do campo junto ao rio.
29. Ainda fala em mais duas tinarias, que confrontam com uma de outro indivíduo.
30. Rua dos Quartéis — A 7 de Setembro de 1742 fez testamento António Pires de Bragança e deixou metade das suas casas de morada, situadas na rua dos Quartéis e confrontam do norte com a rua pública e do sul com o Hospital Real, ao Santo Cristo de S. Vicente, com o encargo de algumas missas, e não querendo aceitar, passariam para a Confraria de Nossa Senhora dos Prazeres.
31. Rua de Santiago — Umas casas junto à Ermida de Santiago, partem do nascente com o Terreiro (de Santiago), do norte com os muros e do sul com a rua de Santiago.
32. Umas casas assobradadas à Porta do Sol com seu quintal e cortinha, com passadiço que passa para umas e outras casas e a rua por baixo dele, que é um beco que vai dar na muralha.
33. Umas casas à Porta do Sol, à mão esquerda vindo das ditas portas: partem do nascente com o caminho que vai para entre elas e a muralha, do poente com a sacristia da Igreja de Santa Maria, do norte com rua do concelho e do sul com outra rua que passa por detrás das ditas casas.
34. Umas casas na rua da Cadeia Velha, partem do norte com rua e campo do concelho, do sul com travessa que faz a rua que sobe das portas. (E mais não diz. Referir-se-á às Portas de Santo António, como principais?).
35. Umas casas junto à Ermida de Santiago, descendo para as portas da cidade e confrontam do norte com os muros e do sul com a rua de Santiago. (Por este título, pelo antecedente e pelo seguinte vê-se que quando mencionam somente portas ou portas da cidade se deve entender as principais, chamadas hoje Portas da Vila, únicas que existem).
36. Rua dos Almirezes — Umas casas defronte do Pelourinho na quina voltando para Santa Maria; partem do nascente com rua que sobe das Portas de Santo António para Santa Maria, do norte com rua que se chama dos Almirezes, do sul com a entrada da porta principal de Santa Maria.
37. Ponte Seca — Por acórdão da Câmara de Bragança de 4 de Junho de 1727 foi concedido despacho favorável ao requerimento do Padre comissário e ministro e mais irmãos do Convento de S. Francisco da cidade de Bragança para taparem o campo que fica entre a igreja do dito convento e a Ponte Seca, fazendo uma parede da quina da fronteira da igreja para a dita ponte e outra no fim da dita ponte para o nascente.
38. A 11 de Agosto de 1694 confirmou el-rei D. Pedro a autorização concedida pela Câmara de Bragança ao mestre de campo Domingos de Morais Madureira, para nas suas casas de morada, situadas na rua da Carreira, no bico que vai para a rua Direita, fazer uma abóbada de arcos suficientemente alta a fim de dar passagem a carros carregados, pessoas e animais. Ver o título 14.
39. Em Bragança tinha o mosteiro de Castro de Avelãs várias propriedades e entre elas as seguintes:

«Item ha o mosteyro nas eyras da dita cidade hua cortinha que esta ao bebedeyro que parte de baixo com rio de fervença e de cima com caminho do concelho e de hua ilharga com casas do arcebispo e levara de semeadura dose alqueires de pam». À margem há a seguinte nota de letra mais moderna: «Esta propriedade é a em que sta o Collegio da Companhia, satisfez o dito Collegio ao Cabido com setenta mil reis por processo e custas no anno de 1602, deu quitaçam Gaspar Vaz tabaliam de Miranda».

40. Rua da Sinagoga, rua dos Somas — «Item outras casas donde chamam a rua da synogua que esta junto com ha dita synoga a quall synogua agoura he do senhor Lopo de Sousa hua casa que ora tem Rodrigo de Modina e esta partida em duas e na hua mora elle e ha outra he de Raffael de Saa e tem duas portas hua na rua dos Somas e a outra na rua Direita da dita synogua e parte de cima com casa de Nuno Rodrigues e de Diogo da Mesquita e parte de tras com casas de Duarte Vaaz».
41. «Item diz o dito Martim Anes que na dita praça avia huas casas e quando se fez as casas do concelho ha derrubarom e a meterom dentro e non sabe se pagarom ao mosteyro ou nom». O Martim Anes, em que aqui se fala, é um homem velho de 90 anos de idade que figura num título antecedente por nós omitido agora. Dá-lo-emos no capítulo das capelas ou dos israelitas. Portanto, a casa da Câmara, intramuros da cidadela, deve ter sido feita durante a vida deste homem ou pouco antes; ao mais remontar, nos fins do século XIII.
42. «Item outras casas de tras de santiaguo que forom d’Amaro de Luguo que ellrrey mandou derrubar quando fizerom a cava e deu ao mosteyro outra casa por ella... que esta detras do Santiaguo e parte de tras com a rua que vay para a cadea e do outro cabo com terra da caba e tem a porta para ho adro de Santiaguo e contra a outra rua».
43. Rua de Santo António — Em provisão de 19 de Agosto de 1739, foi concedida licença régia a um indivíduo de Vila Nova a fim de poder construir umas casas na rua de Santo António, onde se anda já edificando a Casa da Roda dos Enjeitados e outras casas. A dita rua contesta com a rua do Paço pelo nascente. Nesse tempo foram várias as autorizações que concederam para construções de casas nessa rua, como pode ver-se no livro abaixo citado.
44. A fiada de casas que há na praça das Eiras, hoje dita de Camões, foi construída pelos anos de 1556, como vemos na sessão da Câmara de 15 de Junho desse ano, que diz: «e asy acordaram por coanto n’esta cidade avia muitas pessoas que pydyam chãos para fazer casas de partir o chão que está no outeyro contra ho ryo nas heyras do arcybispo porque andaram vemdo honde se podiam dar que non fizesse prejuizo a nynguem e acharam que no dito outeiro para nobrecer a cydade não avya outra parte myllior e que se dessem a pessoas honradas que farão casas sobradadas para nobrecer a cydade e terreyro».
45. O local em que assenta o convento e igreja de Santa Clara tinha o nome de Trás das Casas do Espírito Santo em 1569.
46. Rua da Moreirola — Com este nome havia uma rua em Bragança pelos anos de 1351, segundo um documento pertencente ao cartório dos Figueiredos, encontrado pelo inteligente e solícito investigador Francisco de Moura Coutinho, director da Caixa Filial do Banco de Portugal nesta cidade, em poder de quem hoje está o documento.
Pelas Inquirições de D. Afonso III e de D. Diniz, sabemos que o convento de Moreirola em terra de Leão, Espanha, tinha várias propriedades em terra de Bragança e casas nesta cidade; não será, pois, temeridade supor-se que das casas desse mosteiro proviesse o nome à rua, que ainda hoje deve permanecer no das Moreirinhas, seu equivalente, pois Moreirola é tambem um diminuitivo de Moreira.
Devia ser nesta rua o Hospício do mosteiro de Santa Maria de Moreirola, de onde viria o nome à rua; tempo andando veio a desabitar-se e a repovoar-se de novo pelos anos de 1600 com o nome de Moreirinha, que ainda hoje tem.
47. Rua de Vilarinho — A 7 de Junho da era de 1326 (ano de Cristo 1283) venderam Lourenço Martins, Pedro Martins, Estêvão Martins, Maria Martins, Sancha Martins e Pedro Domingues, seu marido, filhos e genro de D. Miguel de Vila Boa, umas casas que tinham em Bragança, na rua de Vilarinho, a el-rei D. Dinis (Livro II dos Direitos Reais d’El-rei D. Diniz, fl. 258).
O erudito investigador Francisco de Moura Coutinho, já citado, publicou na Gazeta de Bragança de 24 de Janeiro de 1909 e seguintes uma série de artigos referentes a diversas ruas de Bragança, cujos nomes encontrou nos livros do registo paroquial da freguesia de Santa Maria da mesma cidade. São desse trabalho as seguintes:
Rua do Rabosinho — Ficava na vila intramuros e aparece num assento de baptismo de 1566.
Costa de Quebra-Cus — Consta de um assento de baptismo feito em 1566.
Rua dos Carriones — Consta também de outro assento do mesmo ano.
Rua de Adam — De um casamento celebrado a 24 de Junho de 1566.
Rua de Ilena do Gracia — Consta de um baptizado de 1565.
Rua do Espírito Santo — Consta igualmente de um baptizado feito em 1565.
Rua da Amargura ou de Roçavales — De um baptizado exarado nos livros de Santa Maria, ano de 1566, consta que foram padrinhos da criança Luís Lopes, sirgueiro, marido de Engrácia Rodrigues, moradora na Praça de São Vicente, e Maria Fernandes, mulher de Belchior Ortiz, tecelão de veludo, morador na rua da Amargura, que chamam de Roçavales por outro nome antigo.
Ver a este propósito a nota que escrevemos na página 5 do folheto intitulado A Confraria do Divino Jesus de S. Vicente, publicado em 1908.
Rua do Poço da Nogueira — Consta de um baptizado feito em 1565.
Albino Lopo, na Bragança e Benquerença, pág. 14, aponta as ruas que em 1737 pertenciam à freguesia de Santa Maria.
As ruas de Fora de Portas, Moreirinha e da Ponte, hoje chamada Loreto, com moradores de um e de outro lado do Fervença, povoaram-se pelos anos de 1600 com cento e setenta fogos .
Bragança e Prateiros — Havia antigamente as ruas destes nomes, a propósito das quais diz Borges: «Tambem nas guerras da feliz acclamação (1640) se demolirão sinco ruas inteyramente, sendo as principaes a rua Bragança, e a dos Prateyros, que erão as mais povoadas daquelle tempo, humas para fazer esplanada ao castello, e outras para continuar a fortificação». Da dos Prateiros ainda perseverava o nome em 1737.


Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança

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