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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 25 de janeiro de 2014

O Comboio já não passa aqui.

João Castro e Francisco Lopes foram chefes de estação em Bragança, numa altura em que os comboios ainda faziam parte do quotidiano da região. 
Num olhar voltado para o passado, estes dois ferroviários evocam memórias de uma linha de caminho de ferro.
Não lhes coube a eles a missão de fechar as portas da estação de Bragança pela última vez, mas ambos viveram esses tempos intensamente. 
Um deles, João Castro, hoje com 93 anos, foi mesmo um dos maiores contestatários contra o encerramento do troço entre Bragança e Mirandela, tendo protagonizado muitas lutas e fazendo chegar, ao Governo de então, cartas que davam conta do descontentamento geral da população, e dos ferroviários em particular. Já Francisco Lopes tinha, na altura, assumido o cargo de inspector, em Mirandela, trabalho de grande responsabilidade que o fez calar para si o descontentamento e aceitar aquela que era já uma decisão tomada. Passados quase 20 anos do encerramento da Linha em Bragança, é com tristeza e “muitas saudades” que estes dois ferroviários olham para trás. Ambos fizeram carreira como ferroviários.
Começaram por trabalhar no caminho-de-ferro como “praticantes” e foram subindo na carreira até chegarem a chefes de estação. Francisco Lopes, mais novo que João Castro uns bons anos, alcançou mesmo o posto de inspector, o cargo mais respeitado de então. Diz que o amor pelos comboios já nasceu consigo. O seu pai era chefe de estação em Macedo de Cavaleiros e ele viveu sempre “em cima dos carris”. Foi como factor que se sentiu mais realizado. Gostava do movimento, da venda de bilhetes, do despacho de mercadorias, da contabilidade e de toda a interacção que o comboio tinha com a cidade. Não foi assim há tanto tempo que, não havendo as facilidades de hoje em dia, os bancos despachavam por comboio a sua documentação, recorda.
Da estação partiam comboios com três carruagens lotadas de passageiros que em Mirandela tinham de ser reforçadas. E quando partiam comboios especiais com tropa, o povo juntava-se pelas estações fora a despedir-se. 
Hoje, Francisco diz sentir muita mágoa quando vê tudo abandonado e a cair aos pedaços. Bragança, como região, perdeu gente, perdeu movimento e todo o esforço que se fez, no passado, para tentar desenvolver esta periférica terra parece ter sido em vão. Terá faltado o investimento e a vontade política, pelo menos assim o entendem estes dois ferroviários. “O comboio era muito lento, tão lento que a 30 ou 40 km/h era perigoso circular na linha! 
Deixaram deteriorar de tal maneira a via que era impossível atingir velocidades de 70 ou 80 km”, notou Francisco Lopes. Este desinvestimento não era, no entanto, recente. João Castro recorda que quando se reformou, aos 67 anos, já o comboio “não era nada”. Apesar de haver passageiros em quantidade e muitas mercadorias para despachar, as coisas não funcionavam da melhor forma. 
Com o tempo, algumas estações passaram a entrar no chamado “regime de eclipse”, ou seja, fechavam e deixavam as estações colaterais ligadas. Nas passagens de nível, a partir de certa hora, deixava de haver guarda. Isto significava que o comboio tinha de parar para abrir a passagem de nível e depois tinha de voltar alguém para fechar a mesma passagem. “Isto implicava grandes atrasos”, comentou Francisco Lopes, que recordou que, na altura, chegou a vir a Portugal uma brigada de peritos franceses para estudar os atrasos do comboio, uma vez que na Europa não havia demoras tão pronunciados. 
Vasculhando jornais antigos da época, é curioso notar que já em 1980, o deputado Eleutério Alves, eleito para a Assembleia da República, afirmava numa intervenção, que a CP tinha diminuído as viagens de comboio entre o Tua e Bragança, verificando-se saturação em mercadorias nas estações do Tua. “Acumulavam-se produtos essenciais que não chegavam a horas ao destino”, dizia Eleutério Alves. Em 1987, o então presidente do Conselho de Gerência da CP afirmava, numa entrevista ao Comércio do Porto, que a CP “não devia hesitar em propor ao Governo o encerramento das vias estreitas”, com algumas excepções no Norte Litoral. 
No mesmo ano, o Mensageiro de Bragança, acusava a CP de abandonar a Linha do Tua, colocando pouca mão-de-obra na sua manutenção. Na altura, segundo o jornal, para 134 quilómetros de linha havia 25 operários, três subchefes e dois chefes. A importância da linha era sublinhada por todos os quadrantes da sociedade e fazia-se notar que “quando Bragança ficou isolada pela neve, o comboio andou sempre!”. Quando, em 1987, Mário Soares, Presidente da República, visita a região, o povo saiu a rua com cartazes a pedir a manutenção do comboio.
Não surtiram grande efeito as mobilizações feitas, pois, na década de 90, a CP começou a colocar autocarros de apoio às composições ainda em circulação. O Mensageiro dá conta da revolta da população. 
Na aldeia de Fermentãos, por exemplo, chegaram a tentar retirar os pneus dos autocarros e só a intervenção da GNR parou o protesto. Este terá sido o princípio de um fim que há muito estaria anunciado. Francisco Lopes, confessa que, anos antes, quando desempenha funções de factor no Romeu e “ainda nem sonhava chegar a inspector”, teve oportunidade de ver um diagrama onde já estava previsto o encerramento da linha. Quando, por fim, a decisão foi tomada, já ele estava no cargo de inspector. A data marcada seria o 31 de Dezembro de 1991. No entanto, um descarrilamento em Sortes precipitou o fim da linha. Uma raiz de giesta seca esteve na origem do acidente, do qual resultaram apenas feridos ligeiros. “Nós dizíamos que havia três coisas que suportavam o peso de uma locomotiva: o corno de cabra, o diamante e a raiz de giesta seca. 
Ali foi a raiz da giesta seca. A oscilação que provocou foi o suficiente...”, recordou Francisco Lopes. Como inspector, Francisco esteve no local e pode constatar a degradação a que a via tinha chegado: “os parafusos das traves de madeira podiam ser retirados com os dedos, como acontece hoje em dia”. Notificada do acidente, a CP dá, então, ordens para recolher o material da via e suspender a circulação de comboios até ordem em contrário. Francisco já sabia que não haveria ordem em contrário. 
As populações locais não tiveram outro remédio que não fosse aceitar as carreiras de autocarros alternativos ao comboio, mas, antes de acederem, houve protestos e ameaças de cortes de estradas. Nos Cortiços, os populares chegaram a apreender quatro autocarros como forma de mostrar o seu descontentamento. João Castro relembra esses tempos com amargura. “Eu contestei sim...e eles deram bem importância a isso!”. Já estava reformado, mas não queria que a sua terra perdesse aquele que continua a considerar como “o melhor meio de transporte”e, por isso, escreveu cartas ao Presidente da República, ao ministro dos transportes, aos deputados eleitos pela região... “Eu fazia os ofícios e mostrava ao Guedes de Almeida para ver se estava tudo bem, mas que adiantava? O Duarte Lima foi um dos que recebeu cartas minhas, enquanto deputado. Nunca me respondeu. Uma vez encontrei-o junto à Torralta e perguntei-lhe, mas ele desculpou-se que tinha muito trabalho”, contou.

“Noite do roubo”

A grande machadada final que ficará sempre marcada na memória colectiva é a “fatídica noite do roubo dos carris”, em Outubro de 1992. Na noite de 13 para 14 de Outubro, a CP, autorizada pelo Governo, manda silenciar os telefones e as comunicações de rádio e faz transportar, por camiões, escoltados pela GNR e PSP, o que restava das carruagens e locomotivas que estavam na estação de Bragança. Houve insultos e protestos, mas de nada adiantou. 
João Castro recorda bem esses momentos, pese embora não tivesse estado presente. “O Guedes de Almeida não quis ir chamar-me a casa e disse-me porquê. É que eu era homem de me deitar no meio da estrada para que os camiões não passassem e ele não quis aborrecer-me”. 
Já Francisco Lopes tinha sido chamado a Lisboa para uma reunião. Não estava em Bragança, nem podia ele impedir a decisão, mas, durante vários anos, ouviu do povo acusações de todo o tipo. “Eu ia ouvindo algumas piadas, mas esclarecia sempre as pessoas da minha intervenção no assunto. Sempre fui contra o encerramento, a 100 por cento, mas não estava nas minhas mãos impedir a decisão, porque se estivesse...”. Decorridos quase vinte anos, as reivindicações pela abertura da Linha do Tua entre Bragança e Mirandela continuam a fazer capas de jornais e mobilizar centenas de pessoas. Hoje, caso houvesse uma decisão favorável, o investimento seria bem maior, implicaria, quiçá, um novo traçado e o prolongamento até Espanha, como terá previsto um projecto do Governo de Salazar. No entanto, nem José Castro, com os seus 93 anos, muito menos Francisco Lopes, acreditam nessa possibilidade. 
A aposta no transporte rodoviário parece ter ganho para todas as outras e, hoje, são os autocarros que tomam o lugar da antiga estação de Bragança.

Por: Carla A. Gonçalves
in:mdb.pt

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