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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

RAÍZES CULTURAIS - Usos e Costumes - Costume ancestral de levar o comer ao monte

Nestas manhãs amenas de principio de Outubro, era um bálsamo a carne entremeada da pá, curada na salgadeira e seca na cozinha, comida crua e cortada a canivete sobre uma côdea de pão. Ou os pimentos cabaçudos fritos no pingo da fritura da carne de porco. Ou uma isca de bacalhau acompanhada com salada de cebola e pimentos cabaçudos do vinagre, ainda mal curtidos. Ou um naco de presunto, ou uma rodela de linguiça ou salpicão que em casa bem governada chegavam de matança a matança. E o vinho da colheita, um palheto peculiar porque sendo mais graduado que o vinho verde, não tinha a estaleca dos maduros da Terra Quente - um verdasco.
Este costume ancestral de levar o comer ao monte bem se compreende, atenta a economia de meios que representava: uma pessoa apenas evitava a deslocação de várias, e o ritmo do trabalho não se interrompia, senão pelo tempo suficiente para homens e animais se retemperarem.
Justamente pelo facto de ser um costume tão corrente e insuspeito, serviu, no tempo difícil da guerra civil da vizinha Espanha, para esta gente raiana do lado de cá prestar a sua solidariedade aos nossos vizinhos em dificuldades, perseguidos pelo regime franquista ou simplesmente fugidos dos horrores da guerra.
Contava-me a minha avó, sem sombra de vanglória, com a serenidade de quem tinha feito a coisa mais natural deste mundo, que muita da comida levada ao monte, depois dos "vermelhos" se terem refugiado nas terras da raia, não se destinava aos trabalhadores da aldeia, mas a matar a fome aos refugiados.

Entre as mulheres dos lavradores estabelecera-se um pacto secreto de, à vez, simularem levar a comida aos seus obreiros, deixando a canastra com os alimentos em sítio previamente combinado e recolhendo a canastra com  a loiça usada no dia anterior. Heroicamente corriam o sério risco de serem interceptadas pelas autoridades portuguesas, com consequências que decerto não seriam agradáveis. Heroínas silenciosas.
De início, por precaução, apenas um elemento do grupo, e sempre o mesmo, aparecia para combinar o ponto de entrega, no dia seguinte. Foi assim durante intermináveis meses.

A cumplicidade da aldeia e o fechar de olhos do próprio cabo da polícia foram encorajando esses foragidos a, pela calada da noite, se aventurarem a descer à povoação, pernoitando nos  palheiros espalhados pelas eiras, na periferia  do povo. O primeiro habitante que se apercebesse da aproximação da Guarda Republicana, dava o alarme, permitindo-lhes colocarem-se a salvo.
Era este o sentido de humanidade que esta gente iletrada e rude praticava: ajudar quem precisasse, independentemente de ideologias, nacionalidade ou relações de proximidade. Era esta mesma filosofia de vida que mandava colocar na mesa da refeição um talher a mais, porque o caldo se repartia sempre com quem chegasse.
(...)                        

in Quem me Dera Naqueles Montes

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