O Jovem Provador -pintado por Philippe Mercier Sec.XVIII - Museu do Louvre, Paris |
O tema da prova de vinhos dá “pano para mangas”, havendo vasta bibliografia sobre o assunto.
Não é nosso propósito abordar aqui neste texto questões complexas nem sequer utilizar vocabulário muito técnico.
Aquilo a que nos propomos é sugerir ao apreciador comum de vinhos algumas regras básicas relativas à prova de vinhos, com vista a que este possa maximizar o prazer que se pode retirar do precioso néctar.
Organoléptico? Vai tu!
Este termo algo inóspito refere-se aos fenómenos sensoriais resultantes do nosso contacto com uma substância.
Do grego: “organon” (órgão) + “leptikos” (bom de tomar).
Vem isto a propósito porque o primeiro aspecto que devemos ter em conta é que o vinho aprecia-se recorrendo à utilização dos sentidos da visão, do olfacto e do paladar e não apenas deste último. Por isso é que se faz a distinção entre “prova sensorial ou organoléptica” (dos sentidos) e “prova analítica” (feita através de análises em laboratório). Por isso também é que os críticos enológicos se referem aos vinhos por esta ordem: visão, olfacto e paladar, utilizando também termos como “aspecto”, “nariz” e “boca”, o que vai dar ao mesmo.
A visão
Num copo transparente, de preferência próprio para degustação (encontram-se facilmente “copos de degustação” na maioria dos hipermercados e lojas especializadas por um preço bastante acessível), olhe para o vinho contra uma superfície branca (por exemplo, a toalha da mesa ou uma folha de papel branco) quer de lado quer de cima. Deverá apreciar o brilho, a tonalidade e intensidade da cor e a limpidez.
Incline o copo. O vinho vai agora ficar mais translúcido. Este é um dos motivos por que se deve colocar uma pequena porção de líquido no copo, um quinto ou um quarto da sua capacidade total. Pode agora apreciar as diferenças de tonalidade entre os bordos e o centro da superfície do vinho.
Todos estes detalhes são reveladores da qualidade e do perfil do vinho. Irá reparar que à medida que for desbravando mais conhecimento nesta área, mais interessante e agradável se tornará a prova.
O olfacto
Outro motivo pelo qual se vertem pequenas quantidades para o copo de prova, está relacionado com esta fase da prova. Depois de cheirar o vinho sem agitar o copo, faça-o agora girar por forma a que o líquido percorra as paredes do copo, provocando assim a libertação de aromas porventura diferentes dos que cheirou na primeira vez.
Recorrendo à sua memória olfactiva tente identificar os aromas que o vinho liberta, tanto antes como depois de rodar o vinho pelo copo. Há aromas que nos fazem lembrar frutas (por exemplo framboesa, alperce, limão ou ananás), ou flores (violeta, rosa, etc.), ou tostados (fumo, café, torradas, etc.), ou vegetais (relva cortada, eucalipto) ou minerais, animais, especiarias, frutos secos e por aí fora.
Em regra, quanto mais intenso é o aroma dum vinho, melhor é a sua qualidade. Naturalmente, isto não vale para aromas reveladores de defeitos, tais como: ovos podres, urina, farmácia, etc.
O paladar
Esta é a fase mais importante da prova. A este respeito importa lembrar que as papilas gustativas estão dispersas por vários pontos da língua e também por trás da boca (na orofaringe e no topo do esófago). Assim, enquanto na ponta da língua captam-se os sabores doces, na parte de trás captam-se os amargos. Os ácidos e salgados são captados noutros pontos da língua.
Por este motivo, depois de ingerir uma pequena porção de vinho, deve fazê-lo percorrer todo interior da boca antes de o cuspir ou engolir.
Pode assim concentrar-se no corpo do vinho, na acidez, na doçura (ou, ao invés, na secura), no amargor e na adstringência (quando a língua e as gengivas ficam ásperas, “encortiçadas”).
Terminamos por agora fazendo uma referência ao “final” do vinho, também designado por “fim de boca”. Trata-se do sabor que fica na boca depois de se engolir ou cuspir o vinho. Este pode ser mais longo ou mais curto. Assim, um vinho curto nunca poderá ser associado a vinho de qualidade. E por isso, esta nota de prova é crucial para aquilatar o “cabedal” do néctar que estamos a ajuizar. Em poucas palavras, trata-se da “prova dos nove” da prova do vinho.
Os provadores “profissionais” vistos por um produtor
A prova de vinhos é uma tarefa por natureza subjectiva, tendo eu já assistido a enormes e gritantes disparidades escritas por vários “especialistas” sobre o mesmo vinho e na mesma altura. Lavrado pela pena dum reputado jornalista num não menos reputado roteiro de vinhos, li estarrecido sobre dois vinhos nossos, ambos com um invejável palmarés de prémios obtidos em concursos nacionais e internacionais realizados em regime de “prova cega”, o seguinte comentário:
Classificação - ** (vulgar). “Provado em 2000. Uma decepção: vinho fechado, com sabores vulgares.”
Nesse mesmo livro outro vinho com a nossa marca tem a douta apreciação:
Classificação - **(vulgar). “Provado em 2000.”
Ponto final. Doutrina mais fundamentada e esclarecedora não podia haver. Que mais se poderia pedir a um “especialista”? Que explicasse um pouco melhor o motivo pelo qual os vários painéis de provadores (na casa das centenas de profissionais) estão errados e ele é que está certo? Curioso! Só este “especialista” é que NÃO adoptou o método de “prova cega”… ele SABIA o que estava a provar e os outros não! Adiante…
Quer isto dizer que estes guias de vinhos não são dogmas, nem são “O Guia”. Em regra, os chamados “jornalistas de vinhos” da nossa praça são profissionais bons e honestos. Não incluo neste grupo o profissional acima referido, obviamente.
Devemos reservar sempre uma boa dose de espírito crítico ao consultá-los pois, acima de tudo, o que importa é se, enquanto consumidores, nós ficámos satisfeitos com o vinho que acabámos de beber.
Sejamos pragmáticos. Aquele vinho com uma classificação máxima no “Roteiro dos Vinhos de Sua Excelência” e que nos custou 200 Euros, tem de nos dar dez vezes mais prazer do que o outro que custou 20 Euros e foi assassinado comercialmente pelo dito “especialista”?
fonte: Carlos Pinto Ascensão
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