Capelinha situada na entrada, à direita, com uma porta gótica |
Pelo que sabemos, parece que o Castro de Avelãs teria sido a cabeceira de uma civitas romana. Ao contrário das grandes cidades romanas do Sul e Leste peninsular, a região transmontana continuava a ser uma área profundamente ruralizada, pelo que apesar do nome, não existiam verdadeiras cidades no território. O Nordeste Transmontano fazia parte do Conventus Asturum, cuja sede estava situada em Asturica Augusta, actual cidade leonesa de Astorga. Isto porque toda a região de Trás-os-Montes oriental fazia parte do território povoado pelos astures, facto que sem dúvida, explica a supervivência da língua mirandesa, de origem asturo-leonesa, e diferentes falares raianos (Rio de Onor, Guadramil, Petisqueira, Deilão,...) em várias aldeias do concelho de Bragança que terão sobrevivido ao recuo da fronteira linguística entre o domínio galaico-português e o asturo-leonês. Castro de Avelãs seria assim um dos centros administrativos da civitas Zoelarum, da qual sabemos da sua existência pelos a achados arqueológicos, designadamente lápides funerárias dos séculos I e II e que se estenderia pelo território transmontano a Leste do rio Sabor, a região zamorana de Aliste e Sanábria e os territórios situados até a Serra da Nogueira. No Parochiale Suevum, de 569, que recolhe a organização eclesiástica das dioceses do reino suevo, há uma referência ao pagus (uma paróquia rural) de Vergantia. Daí até 1145 a escuridão é quase absoluta. Sabemos que após a ocupação do território pelo reino asturiano nos tempos do rei Afonso III na sequência das presúrias do conde Vímara Peres no Porto em 868 e do conde Odoário em Chaves em 872, a diocese de Astorga, que já tinha sido restaurada, aproveitou o vazio de poder para usurpar as terras de Aliste, Vergantia e Ledra (território relacionado com Mirandela) em 969 à diocese de Braga que não tinha sido restaurada porque a diocese de Lugo, na Galiza, tinha ficado com os direitos desta enquanto diocese metropolitana, o que significava que as restantes seriam sufragâneas. Daí que a sua restauração não viria a ter lugar até 1071 com o seu primeiro bispo D. Pedro pelo rei da Galiza Garcia I ou Sancho II de Castela (existem dúvidas entre os historiadores), que contestará a dita «usurpação» com a bula de Pascoal II em 1103 que obrigou à diocese de Astorga, sufragânea de Braga, a devolver-lhe esses territórios.
Será em 1145 quando tenhamos a primeira referência ao mosteiro do Castro de Avelãs enquanto instituição monástica. Infelizmente a documentação medieval é escassa e só sabemos da sua história por meios indirectos. Em 1187 o mosteiro doou a sua herdade de Benquerença, em troca de outras propriedades, ao rei D. Sancho I, que fundaria a cidade de Bragança e deu-lhe foral num momento em que Portugal encontrava-se numa situação de «definição de fronteiras». Daí a importância de ter uma praça forte e sentinela do reino neste cantinho longínquo dos poderes centrais da monarquia. As guerras com Leão foram frequentes, pelo que não admira que em 1199 o mosteiro aceitasse um contrato de filiação com o mosteiro de S. Martinho da Castanheira, situado na parte norte e ribanceira do lago de Sanábria, já no reino de Leão. A relação com Castanheira parece que foi muito fluída porque alguns abades desse mosteiro foram portugueses e deram muita atenção às propriedades portuguesas deste mosteiro leonês, mantendo-as até tão tarde como o início do século XVIII. A oposição da arquidiocese de Braga fez com que em 1218 o mosteiro do Castro de Avelãs fosse obrigado a rescindir a filiação junto do mosteiro de S. Martinho da Castanheira. Do domínio monástico sabemos que teve a posse de amplas propriedades em todo o Nordeste Transmontano como assim mostram as Inquirições de D. Afonso III em 1258. Apesar disso, este mosteiro conta apenas com um estudo, uma dissertação de mestrado da antiga directora do Arquivo Distrital de Bragança e actual directora do Museu Abade de Baçal, Ana Maria Afonso, que analisa a história do mosteiro já na primeira metade do século XVI.
A igreja do mosteiro, assim que chegarmos à entrada, mais uma típica igrejinha portuguesa de factura tipicamente barroca. Mas o edifício reserva-nos várias surpresas. A maior é o exterior da cabeceira, com uma abside central e duas absidíolas laterais de menor tamanho de tipo românico, com arcos-cegos de meio ponto. A originalidade deste tipo de estrutura, por outra parte muito distintiva da arte românica, é o facto de estar totalmente construída em tijolo vermelho, o que faz desta igreja a única em Portugal destas características e que a relaciona com outras construções similares que encontramos no reino de Leão (p. ex. o importante mosteiro leonês de Sahagún) e em Castela. Este tipo de arte é conhecida como arte mudéjar e foi uma expressão de artesãos muçulmanos que não abandonaram as suas moradas após a Reconquista Cristã.
Outro rasgo característico podemos encontrá-lo na absidíola lateral direita, hoje ao ar livre, na qual está situada uma campa que alegadamente terá sido do conde Ariães. A lenda diz que este conde, que era muito mau, zangou-se muitíssimo com a sua mãe por não lhe ter preparado o jantar quando voltava de uma jornada de caça. Perante esta situação, açulou-lhe os cães que a morderam e acabou por morrer. Em penitência foi-lhe imposto que tirasse um cabelo da sua própria cabeça e o metesse numa pia de cantaria com água, debaixo de uma pedra, até que se convertesse em cobra e depois a fosse criando até ser bastante grande e então se meteria numa tumba com ela até esta o devorar para que assim, ele filho mau, que matou quem o gerou, de si mesmo criasse quem lhe fizesse outro tanto. Daí o túmulo mencionado.
Lendas são lendas, mas o Abade de Baçal refere a existência de um conde D. Pelaio, alegadamente, conde de Ariães que terá assinado como Pelagius Bregantiae Comes na sagração da igreja compostelana em 879, segundo refere Sampiro, bispo de Astorga. Existem ainda referências no Livro de Linhagens, que fala em termos similares sobre o braganção D. Fernão Mendes, o Bravo, desta importante família que fez inclinar a balança em favor de Portugal num momento em que o território transmontano oriental, segundo a documentação existente, no século XI ainda não fazia parte do território português, encontrando-se numa indefinição entre Portugal e Leão.
Se Bragança, já per se, vaut le voyage, em expressão do guia Michelin, uma visita à região não pode estar completa sem antes ver esta maravilha arquitectónica num marco rural incomparável, com uma bela ponte, também chamada de Ariães, no rio próximo, entre casas, hortas e milheirais, e tão perto da cidade brigantina. Talvez encontrem algum simpático aldeão, como foi no meu caso, que explique a lenda e mostre a igreja e os seus pormenores.
historiasdaraia.blogspot.pt
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