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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Do Movimento Operário e Outras Viagens de Ernesto Rodrigues

Por Norberto Francisco Machado da Veiga[1]

Este livro de poesia é composto por quarenta poemas, elaborados como resposta aos estímulos das deambulações do poeta, como se infere da leitura do título “Outras Viagens”. Os topónimos poetizados por Ernesto Rodrigues são as cidades míticas que enformaram a sua cultura, nessa busca interminável do ser por ele próprio e, através dele, pelo outro, lato sensu, pelo homem em busca da sua felicidade, que o poeta só consegue descortinar pelo amor à língua, cultura e civilização.
A obra abre com a composição poética que dá título ao livro “Do movimento operário” onde, para além de se fazer uma sentida homenagem ao honesto trabalho com o qual o Homem ganhará o pão, metaforizada no pai do poeta, se compara o ofício da forja, isto é, do ferreiro ao ofício cantante, ou seja, à ars poetica. Assim, para o eu lírico, o processo alquímico é análogo, pois, tal como o ferreiro domina e molda o ferro em brasa para dar forma aos mais belos e proveitosos utensílios, o poeta funde, molda e dá forma às palavras para escrever o verso mais perfeito que consiga auxiliar o leitor na sua autognose permanente.
O segundo poema é um soneto, embora a arquitetura estrófica não seja a canónica, uma vez que é composto por um dístico e três quadras, dedicado à mãe do poeta, onde se patenteia o carinho e a ininterrupta preocupação maternal. Parece-me que o dístico resultaria melhor no final, visto tratar-se da súmula do poema, funcionando, assim, como chave de ouro.
Os poemas deste livro podem agrupar-se, segundo creio, em dois grupos: o primeiro marcado pelo tom mais intimista, ou seja, mais lírico, presente nos sete sonetos e nas composições mais curtas, onde se ouve a voz dolorida do poeta murmurando com saudade as doces alegrias pretéritas; o segundo, e mais amplo, compreende o grande número de poemas narrativos, que, na minha ótica, se organizam em torno de duas realidades, significativas a todos os níveis para o poeta, a saber: Europa, e Portugal/Nação/Pátria.
No primeiro grupo, encontramos textos sobre topónimos da Hungria e de outras cidades e países da Europa, que enformaram culturalmente o poeta. Nestes poemas de grande fôlego o tom épico alterna com o lírico facilitando a comunicação com o leitor.
O seguinte reúne poemas sobre o país, assunto de questionação constante pelo poeta, onde o tom épico secundariza, de vez, a voz lírica, nos quais o eu poemático assume, sem ambages, a atitude prometaica da poesia. Esta atitude leva-o a declarar abertamente o seu intento, que passa por provocar a reflexão no leitor e levá-lo à ação, para que, em conjunto, se possa construir um mundo melhor. Nem outra função pode ser cometida à poesia a não ser inventar novas realidades a partir do real concreto. 
Permitam-me destacar o poema épico «Outra Pátria», em jeito de súmula do que afirmei atrás. Esta composição apresenta a estrutura interna da epopeia pois encontra-se dividido em quatro partes: proposição, invocação, dedicatória e narrações. Aqui, creio que o modelo é Camões, uma vez que as epopeias clássicas não apresentam, na sua estrutura interna, a dedicatória. Poema singular e fulcral na arquitetura do livro onde imitador e imitado se confundem num derradeiro esforço de refundação da pátria que, por incrível que pareça, continua numa austera, apagada e vil tristeza. Não falo nas aproximações estilísticas, realço, tão só, os motivos e propósitos enunciados no incipit do poema “A luz, a cor, o dom de minha terra / canto, no tempo mau em que navego.” [P. 50, sublinhado meu]. Resulta, também, feliz a decomposição dos versos da “proposição” em elementos realçando, desta forma, o ritmo e a compreensão da leitura. A primeira estrofe da composição 4 da narração corrobora a ideia de privação e do abatimento que persiste em acompanhar o país, no presente, como se percebe pela interrogação com que termina a estrofe: “Que bravia sombra vem, / ronronante, levando-me por sobre / sonhos gastos de pátria tão pobre?” [P. 61]       
É, ainda, pertinente salientar que este carme é antecedido pelos poemas «Língua» em que lê-mos: “Eu comovo-me, povo, com teu fado, / a coragem de ser além de nós, / tão pequeno, já solo embarcado, / para longes contactos, uns após // outros – em sintonia cor e língua.” [P. 44]; «História de Portugal» no qual se revisitam os acontecimentos fundadores da nossa identidade como Nação; «Pátria» onde “Chão, Deus, água, valor, língua, / são quinas de Portugal” [P. 46]; «Rimas Pobres» em dois andamentos: no primeiro o poeta apresenta um retrato mórbido do país como se pode constatar pela primeira quadra “A maldade tomou conta de nós. / Prometia baixar impostos; dar / emprego a milhares; ser correcto; / ajudar quem precisa, e avós.” [P. 47] A segunda parte encerra com um aviso e a convocação à não resignação dos leitores/eleitores para que não embalem no falar melífluo dos governantes. “Mas, se fores // na conversa, em ti chorarás quanto / buscou evitar-te este meu canto.” [P. 47, sublinhado meu] O vate acredita na possibilidade de a poesia “este meu canto” ajudar a transformar o mundo e a tornar o ser humano mais cônscio; “Governo” onde se faz uma crítica desvelada à imigração e se apela à pátria, adjetivada de amada, para que tal como uma mãe continue a sustentar os seus filhos, “O exílio // não é vocação - pesa-, ó amada pátria: sê grande, mas em ti; cria bens;” [P. 48]. A composição «Outra Pátria» precede o poema «Democracia» um longo poema narrativo organizado em seis partes no qual o poeta, recorrendo a adágios populares e a frases feitas, continua a pintar um quadro do país com cores esmaecidas, onde, apenas, é nítida a falta dessa mesma liberdade que dá título ao carme. O sujeito lírico chega ao ponto de a apostrofar, “Sê, democracia, igual aos que te desejam recta, cultivada.” [P. 64] Ato contínuo, o poeta continua a enumerar as desventuras da democracia, recorrendo, despojado das demais armas, à poesia como a derradeira salvação, “A ti cabe, amigo verso, tal / dedicatória (…) Por ti começa, verso, sermos outros.” [P. 65] Mas, e apesar destes desejos e incentivos para que a democracia seja o sol do país, a composição culmina de forma disfórica, como se pode constatar pela leitura destes versos, “Tens. Ó democracia, sangue vil em ti. / Não digas, pois, que és democracia. Oh, / mas que de ilusões o homem se sacia…” [P. 68] 
Parece-me que este conjunto de poemas sob o signo da portugalidade apresenta três momentos. O primário formado pelo conjunto de carmes que precedem «Outra Pátria» nos quais o poeta reflete sobre o país no passado, no presente e “sem futuro”. Por essa razão, ele propõe uma alternativa, seguindo no encalço de Camões, que passa por reedificar uma «Outra Pátria» acreditando que o canto/a poesia, como aconteceu com o épico, pode cumprir esse desígnio. Penso ser essa a inferência que se pode retirar da leitura da estrofe que encerra o referido poema “Honrar quem nos comove: língua, chão, / dignidade; ser grande na incerteza / lida de viver. Um poema não / faz muito - mas é cais, casa, desperta / asas do sim, que dão cor ao lugar. / Um poema faz-se para criar.” [P. 61, sublinhado meu]
Os antepenúltimos poemas do livro, «civilização» e «cultura», reacendem a proposta de Pessoa na Mensagem. No entanto, o que em Pessoa era sonho, crença e esperança nesse quinto império capaz de redimir o país é, no presente, para Ernesto Rodrigues desalento, pois “A civilização é um mal sem cura; / sobrevivemos?” É, ainda, miséria e sujeição “dependência, necessidades falsas – sonho de verbo-acto, adjetivo, / quando a vida é nome pobre.” [P.71] É, por fim, hipocrisia “Cresce sociedade / no equilíbrio certo / entre o ser e o ter. (…) Morrem / povos famintos. Voam / palavras, que encobrem / os ares; e não vende / arte fora de moda”. [P. 74] A deceção é total como se depreende da interrogação “Que mundo nos calhou, / tão desequilibrado?”
O livro de poesia Do Movimento Operário e Outras Viagens abre com um tom épico cantando as capacidades do homem que, transformando o mundo, pelo trabalho, se transforma. E finda com o registo lírico em tom autobiográfico no poema «Dono de mim, não perco nada. Séneca» e com a crença nas potencialidades da vida humana em «A vida não é uma linha; tem», onde as últimas palavras constituem um repto à não resignação do ser humano e à crença nas suas capacidades para transformar o mundo, “Faz / da dor teus pés de lã, rasgando lagos; / do riso, praia nua, que afago.”
Epilogando, este livro pode ler-se como uma sonata em três movimentos e em forma circular: o primeiro onde se faz a apologia épica do trabalho, o segundo onde ecoam algumas vozes resultantes da fadiga e do ceticismo emanados da espuma dos dias, para, no último andamento, se reforçar, de novo, as capacidades individuais do ser humano.

Bragança, 31 de dezembro de 2014

[1] Doutorado em Literatura Portuguesa, poesia contemporânea, pela Universidade de Salamanca homologado pela Universidade do Minho.

altm-academiadeletrasdetrasosmontes.blogspot.pt

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