sexta-feira, 15 de março de 2024

O valor do arvoredo urbano para a qualidade de vida nas cidades

 Numa altura em que mais de metade da população mundial vive em cidades, o arvoredo urbano tem um contributo relevante para a sua resiliência e para a melhoria das condições de vida das suas populações. Fique a conhecer como calcular os benefícios ambientais das florestas urbanas – e o seu valor – a partir do trabalho do Centro de Ecologia Aplicada Prof. Baeta Neves (CEABN-InBIO), do Instituto Superior de Agronomia (ISA/ULisboa).


Uma estrutura ecológica urbana bem dimensionada e gerida promove uma maior capacidade de resiliência das cidades ao minimizar os efeitos negativos da urbanização, da grande concentração de atividades humanas e das alterações climáticas. E os benefícios do arvoredo urbano são testemunhados a vários níveis, desde a saúde e bem-estar das populações à economia energética.

Estes benefícios estão diretamente relacionados com os serviços de ecossistema proporcionados pelas florestas urbanas, que têm impactes positivos:

  • na purificação do ar, devido à filtração de poluentes, como o monóxido de carbono (CO), o dióxido de azoto (NO2), o ozono (O3), o dióxido de enxofre (SO2) e as partículas de gases inaláveis (PM10 e PM2,5);
  • na redução das águas pluviais devido à interceção da água das chuvas pelas estruturas das árvores, o que permite atrasar ou reduzir em muitos casos os picos de cheia;
  • no sequestro e armazenamento de carbono, que contribui para a mitigação das alterações climáticas; e
  • na redução das chamadas “ilhas de calor urbano”, através da sombra fornecida pelas árvores e pela evapotranspiração (evaporação e transpiração) das suas copas que contribui para amenizar o aumento da temperatura. Além de benefícios para a saúde e bem-estar, este efeito pode permitir poupanças energéticas, principalmente nos meses mais quentes.

O arvoredo urbano integra-se, assim, nas soluções urbanas baseadas na natureza (no original em inglês Nature based solutions, expressão conhecida pela sigla NbS), que procuram encontrar na natureza as respostas para múltiplos desafios atuais, incluindo a adaptação às alterações climáticas e a perda de biodiversidade, o risco de catástrofes, a segurança alimentar e da água, a saúde humana e o desenvolvimento socioeconómico. Mais do que espécimes botânicos, as árvores são peças fundamentais da infraestrutura biológica urbana e das NbS.

Mas como saber qual é o contributo do arvoredo urbano para gerar estes benefícios? De que modo a estrutura destas florestas urbanas pode maximizar os benefícios? E será que estes benefícios compensam os custos associados à criação e manutenção destas áreas verdes urbanas? O trabalho desenvolvido pelo CEABN-InBIO ajuda a dar resposta a estas questões.

Conhecer o arvoredo urbano: primeiro passo para avaliar, planear e gerir

Para se proceder ao planeamento e à gestão do arvoredo urbano é necessário conhecer o património existente. Este primeiro passo pode ser dado através dos levantamentos (ou inventários) florísticos das cidades, que devem ser alvo de atualização periódica.

Este conhecimento inicial, que deve contemplar a estrutura e diversidade arbórea dos arruamentos, é essencial para o planeamento urbano e vem facilitar a definição de cenários para desafios específicos e ajustados às características locais, como por exemplo os de origem climática (como as secas), ao mesmo tempo que ajuda a estabelecer as necessidades de gestão destas áreas arborizadas, determinando, por exemplo, a intensidade das podas a realizar.

O planeamento urbano e a gestão das árvores de arruamento, de acordo com cenários sociais, económicos e de impacte climático constituem um desafio. A legislação sobre estes temas sublinha a necessidade de realizar e atualizar inventários das árvores para promover a sustentabilidade de um espaço urbano.

Em Portugal, a legislação publicada em 2021 (Lei n.º 59/2021, de 18 de agosto) impõe que todos os municípios elaborem um inventário completo do património arbóreo urbano existente tanto no domínio público como no domínio privado.

Estes inventários serão a base da quantificação dos benefícios ambientais que o arvoredo urbano traz às cidades e ajudarão na revisão dos regulamentos municipais aplicáveis à gestão dos espaços verdes e na criação de novos critérios de decisão.

Conhecer a abundância e a diversidade das espécies que compõem o arvoredo urbano, a correspondente área foliar e o diâmetro do seu tronco, a sua origem geográfica, fenologia (fases do desenvolvimento) e estado de saúde é o primeiro passo para quantificar os benefícios proporcionados por estas estruturas verdes e ter informação relevante para disponibilizar aos decisores e à sociedade, refere a equipa do CEABN-InBIO.

Custos vs. benefícios: como calcular o valor do arvoredo urbano?

Além dos recursos que implicam estes levantamentos ou inventários periódicos, a manutenção da floresta urbana exige um trabalho contínuo, com diversos custos associados. Entre estes custos, incluem-se:

  • tarefas diretas: plantação, rega, poda de manutenção, limpeza de ramos velhos e folhas, inspeção às árvores, tratamentos fitossanitários, abate e/ou poda de árvores que apresentem risco de queda; e
  • tarefas indiretas: remoção de detritos do solo e reparação dos danos causados pelas árvores nas infraestruturas (em pavimentos, passeios, esgotos).
O resultado destes custos podem ser avaliados contrapondo os benefícios ambientais que o arvoredo urbano presta ao ecossistema e diversos estudos mostram que estes benefícios superam os custos, mesmo que alguns não sejam mensuráveis. Neste sentido, não constituem um custo, mas um investimento.

A quantificação dos serviços de ecossistema prestados pelo arvoredo urbano é, assim, a chave para podermos conhecer a importância e valor dos benefícios por eles gerados.

De resto, só esta quantificação e valoração permitem relacionar as atividades de gestão florestal com a qualidade ambiental e o bem-estar da sociedade, possibilitando uma tomada de decisões mais bem informada e eficaz por parte das entidades responsáveis pelo património arbóreo das cidades.

Os benefícios ambientais proporcionados pelas árvores urbanas têm sido quantificados utilizando programas (baseados em equações empíricas) desenvolvidas para o efeito. O STRATUM e a plataforma i-Tree são dois destes programas.

  • Lançado em 2006 pelo USDA Forest Service – Serviços florestais norte-americanos, o programa STRATUM foi aplicado na cidade de Lisboa e revelou que as árvores de arruamento têm um rácio benefício-custo de 4,48:1. Isto significa que por cada dólar investido na gestão das árvores da capital portuguesa, os seus cidadãos “receberam” benefícios equivalentes a 4,48 dólares em termos de redução das faturas de eletricidade, ar menos poluído, aumento do valor das casas, redução do CO2 na atmosfera e do escoamento pluvial evitado. Este estudo, uma colaboração internacional coordenada pelo CEABN, foi uma das primeiras aplicações do programa STRATUM fora dos EUA.
  • O i-Tree é uma plataforma de análise mais recente, também desenvolvida pelo USDA Forest Service (www.itreetools.org). Revista pela comunidade científica e de acesso aberto, possibilita a avaliação da floresta, tanto em ambiente urbano como rural, e dos seus benefícios ecológicos e económicos. Vários estudos demonstraram o potencial deste programa na quantificação dos benefícios que as árvores urbanas proporcionam ao ecossistema e à sociedade.
Este tipo de ferramenta apoia as instituições públicas e privadas no planeamento e gestão dos espaços verdes, onde a análise pode ser efetuada ao nível da árvore individual ou à escala da rua, freguesia ou cidade.
Os resultados são apresentados para cada árvore ou, em alternativa, para todos os estratos previamente definidos, e para toda a população arbórea em estudo, sendo possível visualizá-los de forma gráfica, através de relatórios de leitura simplificada.

Os dados recolhidos nos inventários de campo são a base necessária a estas ferramentas, que fazem depois o seu processamento, cruzando-os com informação sobre a ecologia e fisiologia das espécies em causa, assim como com dados meteorológicos e de poluição atmosférica local, para obter resultados sobre a estrutura e função do arvoredo urbano, os seus benefícios ambientais e como se traduzem em valor monetário. É possível também prever a evolução do sistema ecológico avaliado em diferentes cenários hipotéticos.


CEABN define variáveis-chave para estimar benefícios do arvoredo urbano

O Centro de Ecologia Aplicada “Prof Baeta Neves”, do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa (ISA/ULisboa), tem desenvolvido estudos de quantificação dos serviços de ecossistema proporcionados pelo arvoredo urbano, em diversos municípios da Área Metropolitana de Lisboa, nomeadamente em Lisboa, Cascais e Almada. O seu trabalho iniciou-se com a inventariação do arvoredo, sua análise e caracterização. Prosseguiu depois com a utilização da plataforma i-Tree para realizar a quantificação dos benefícios gerados.

Os resultados dos estudos efetuados nestas três cidades permitiram perceber que o índice de área foliar das árvores de arruamento é a variável-chave para estimar os benefícios ambientais das árvores dos municípios de estudo e poder otimizar a implementação de soluções baseadas na natureza (NbS).

Estes benefícios estão diretamente relacionados com a quantidade de superfície foliar saudável das árvores, ou seja, com a área ocupada pelo total de folhas verdes e saudáveis existentes na copa por cada metro quadrado de solo coberto pela árvore.

Face ao índice de área foliar, algumas espécies – como por exemplo o lódão-bastardo (Celtis australis), o plátano (Platanus hybrida) e o choupo-branco (Populus alba) – têm características (tamanho, perenidade das folhas, estrutura da copa) que contribuem mais para determinados serviços ambientais do que outras.

Uma das variáveis-base para calcular a área foliar é o DAP – Diâmetro do Tronco à Altura do Peito (medido a 1,30 metros do solo).

Dados necessários para estimar os benefícios ambientais

O DAP é também um indicador do tamanho e da idade de uma árvore: um DAP mais elevado indica tipicamente uma árvore madura e de maior porte. E uma árvore com maior diâmetro do tronco tem maior valor estrutural individual – isto é, se tivermos de a substituir por outra semelhante, o custo será mais elevado (face ao de substituir uma árvore jovem, de tronco fino).
Neste sentido, o DAP tem uma importância significativa na avaliação do valor estrutural do arvoredo urbano, o qual tende a aumentar consoante maior é o número e a dimensão das árvores saudáveis.

Nos estudos efetuados pelo CEABN, Lisboa tem, em média, árvores com maior DAP comparativamente a Cascais e a Almada. Por isso, o valor estrutural médio do arvoredo urbano é mais elevado na capital: foi estimado em 1,419 mil milhões de euros em Lisboa, e em 1,204 e 1,206 mil milhões de euros, respetivamente, em Cascais e Almada. Para este cálculo, o número de árvores que integrou a amostra foi proporcional ao número de árvores públicas existentes nos arruamentos de cada um dos municípios e considerou-se a soma do valor estrutural individual de cada árvore (baseado no custo de a substituir).

Os estudos efetuados quantificaram também os contributos do arvoredo das três cidades para diferentes serviços do ecossistema. Eis os resultados para dois destes serviços que beneficiam todos os cidadãos: sequestro e armazenamento de carbono, tema central para travar a escalada das alterações climáticas, e remoção de poluentes, com destaque para a quantidade de ozono (O3) removida.

Valores médios de sequestro e armazenamento de carbono por árvore

Remoção de poluentes, com destaque para a quantidade de ozono (O3)
As estimativas de remoção de poluentes derivam de cálculos horários da concentração da poluição e dos dados meteorológicos. É estimada a quantidade horária de poluição removida pela copa das árvores, que pode ser utilizada para obter a percentagem de melhoria da qualidade do ar ao longo de um ano. A remoção do ozono atmosférico corresponde a uma fração significativa da remoção total de poluentes, o que está de acordo com trabalhos científicos anteriores, que afirmam: um aumento da cobertura arbórea na cidade leva a uma redução da formação de ozono. As árvores também emitem compostos voláteis que podem contribuir para a camada de ozono. No entanto, os resultados de vários estudos revelaram que um aumento na cobertura de copas, em particular de espécies que emitem baixas concentrações de compostos orgânicos voláteis (VOCs) pode contrariar os acréscimos de ozono.

Refira-se que a remoção de poluentes pelas árvores de arruamento foi calculada para ozono (O3), dióxido de enxofre (SO2), dióxido de azoto (NO2), monóxido de carbono (CO) e partículas de gases inaláveis de dimensão inferior a 10 micra e 2,5 micra. A contribuição humana para estes gases resulta da queima de combustíveis em veículos e indústrias. Tratam-se de gases altamente tóxicos e a sua inalação poder ser fortemente irritante.

A qualidade do ar é uma preocupação central no meio urbano, pois a poluição pode causar redução na visibilidade, problemas de saúde pública, danos das infraestruturas e nos processos ecossistémicos. O arvoredo urbano pode auxiliar a melhorar a qualidade do ar através da redução da temperatura, diretamente por remoção de poluentes atmosféricos e reduzindo o consumo energético nos edifícios, com a consequente diminuição das emissões provenientes da energia economizada.

Apoio ao planeamento sustentável e à sensibilização das populações

Os estudos desenvolvidos pelo CEABN têm ajudado os municípios no planeamento e desenvolvimento urbano sustentável, apoiando simultaneamente os seus objetivos de adaptação e mitigação aos efeitos das alterações climáticas.

A informação que proporcionam sobre a contribuição do arvoredo urbano – e respetiva quantificação – para a aclimatização, a redução da poluição atmosférica e o sequestro de carbono tem um papel igualmente relevante para a divulgação pública sobre a importância das árvores urbanas.

Os benefícios ambientais de cada árvore de rua, nomeadamente o armazenamento e sequestro de carbono, a remoção de poluentes atmosféricos e os efeitos hidrológicos, passam a estar disponíveis para os cidadãos e os resultados destas estimativas estão a ser utilizados em campanhas de sensibilização, com visibilidade em locais-chave dos municípios. Com isto, espera-se ainda uma redução dos pedidos de abate de árvores protegidas.

*ARTIGO EM COLABORAÇÃO
Leónia Nunes | Email | ORCID
Ana Luísa Soares | Email | ORCID
Inês Duarte | Email | ORCID
Francisco Castro Rego | Email | ORCID
Susana Dias | Email | ORCID
Centro de Ecologia Aplicada “Professor Baeta Neves” (CEABN), InBIO, Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa, Tapada da Ajuda, 1349-017 Lisboa, Portugal

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