segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Bragança sobe à serra para orar durante nove dias

Nos primeiros dias de setembro, milhares de pessoas sobem à Serra da Nogueira, em Bragança, para um singular retiro popular distinto das tradicionais romarias de verão, com nove dias dedicados à oração e convívio
É gente como Américo Rodrigues que há várias gerações acorre à Senhora da Serra, "não por via do baile", que não há, mas "da devoção à santinha", que "arrefece o tempo, traz sempre chuva, muita ou pouca" e marca o ritmo das populações das aldeias em volta do monte mais emblemático de Bragança.

Nos primeiros nove dias de setembro, alguns fixam-se nos "quartéis" - como chamam às casas junto ao santuário -, outros sobem e descem a serra todos os dias de carro, de autocarro e a pé para cumprir promessas ou apenas levados pelo espírito das novenas da Senhora da Serra.

Apenas cerca de 20 quilómetros separam a cidade de Bragança deste fenómeno "único em Portugal", como afiançou o padre José Luís Amaro, "pelo facto de as pessoas permanecerem no alto da serra durante estes nove dias, fazerem das casas a sua habitação e estarem quase exclusivamente para a oração e fazer retiro popular".

Também há quem, sobretudo à noite, suba a serra para os prazeres da carne da posta de vitela servida nas quatro tabernas do recinto e fé na batota para pagar a conta, mas o lado religioso é o que prevalece de manhã à noite com a capela e recinto cheios para as diferentes orações, da eucaristia ao terço e novena.

A Senhora da Serra chama várias gerações e os jovens marcam também presença com espaços e momentos reservados a eles e organizados por eles.

Nos 345 quartos e quatro T1 ficam permanente 1.500 pessoas que "triplicam ou quadruplicam ao fim de semana e no dia da santa", a 08 de setembro, como explicou à Lusa Carla Pires, da Confraria da Senhora da Serra.

Há pessoas que tiram férias especificamente para esta romaria e para "outras que nunca tiraram férias, este é o tempo de férias delas, é o sentido de descanso espiritual", segundo o pároco José Luís.

"É um fenómeno fantástico de religiosidade popular" que outro pároco, José Paulo Abreu, da Diocese de Braga encontrou em Bragança ao ter aceitado o convite para pregador nestas novenas.

"Isto é uma experiência absolutamente fantástica, é um acampamento no cimo de um monte por nove dias, e onde as pessoas fazem um pouco de tudo", observou, afiançando que encontrou "um ambiente com uma calma, uma paz, uma recetividade fora do comum".

Não se sabe ao certo quando começou este fenómeno, mas José Luís Amado não tem dúvidas de que "pelo menos ao longo de todo o século XX" a Senhora da Serra já marcava a vida destas gentes.

Reza a lenda que a capela foi construída depois da aparição da santa a uma menina, pedindo que a mesma fosse erguida no sítio mais alto do monte, onde prometeu neve em agosto.

Não há memória recente do fenómeno meteorológico, mas é a Serra que anuncia as nevadas e a primeira a cobrir-se de branco quando neva em Bragança.

O lugar é sagrado mesmo para aqueles que deixaram a terra como os seis irmãos Gomes, que se juntam nesta época nas novenas.

"É sempre muito comovente vir aqui", confessa Lucinda, que cresceu a ouvir falar da Senhora da Serra, "da fé que as pessoas lhe têm, daquilo que ela representa para o povo das aldeias de Bragança", mas também de outros concelhos como o vizinho de Macedo de Cavaleiros.

Desloca-se de Lisboa, como o irmão António, que dorme "numa esponja no chão", durante os nove dias a tomar banho de água fria.

Nunca é promessa. "A gente só promete que vem cá para o ano, faz parte do nosso ADN vir cá todos os anos", afirmou, asseverando que não troca "uma semana de férias aqui pelas Caraíbas".

Outra peregrina, Teresa Rodrigues também não tem promessas, mas nem nos anos emigrada em França perdeu a "devoção".

"Desde criança, quando me vejo aflita, recorro à Senhora da Serra e sempre fui ouvida", contou.

Lino Torres e a mulher passam os nove dias na serra "a descansar e a rezar" e para Palmira Moreira, estas são as suas férias.

"Há qualquer coisa que nos chama aqui, uma coisa que nós não sabemos explicar", diz Fátima Parreira.

João da Cruz tem "um quarto há para aí 10 anos" e enquanto puder, tem " aquela fé" de continuar a comparecer e reencontrar os vizinhos e amigos no recinto.

Para receber a todos, a confraria criou há seis anos um gabinete de apoio ao peregrino com cuidados de medicina e enfermagem prestados por voluntários como são todos os que de ano para ano preparam a romaria à Senhora da Serra.

Agência Lusa

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