Aproveitando a visita de D. Manuel Clemente, Cardeal Patriarca de Lisboa, ao Nordeste Transmontano, o Mensageiro aproveitou para uma conversa sobre os desafios que se colocam hoje à Igrejae a necessidade de se adaptar aos tempos da nova comunicação.
Mensageiro de Bragança: Que balanço faz desta visita à diocese de Bragança-Miranda?
D. Manuel Clemente: Muito bom no que diz respeito ao acolhimento, às pessoas. Nada que me surpreenda pois não é a primeira vez que venho a Miranda do Douro nem a Bragança e a muitas outras terras da diocese. Além disso, lá em baixo [em Lisboa] conheço muita gente daqui, como podem imaginar. Sinto-me bem, sinto-me em casa.
MB.: Sente que este território acaba por ser a periferia das periferias?
DMC.: Depende. Também é a porção de Portugal mais próxima da Europa. Daqui para França é mais perto do que de Lisboa. As periferias no mundo atual são muito relativas. Depois, Portugal vive deste contraste entre o Interior em que nasceu e o Litoral em que se expandiu. Não podemos esquecer que Portugal nasce do reino de Leão e, por isso, nasce daqui. Depois, ao longo do seu reinado, até Lisboa. Aí chegou ao Litoral de onde, séculos depois, nos expandimos pelo mundo. Portugal vive sempre desta realidade dupla entre o Interior de onde parte e o mar por onde se expande. Isto é muito definidor da realidade portuguesa.
Hoje em dia, com a facilidade das deslocações, quer para os nossos emigrantes – e milhares de descendentes transmontanos – que aqui vêm, com tudo isto o ir e o voltar, o Interior e o Litoral... Portugal é este conjunto de realidades, também agora com esta facilidade de acesso pelo túnel do Marão, que deixou o Litoral mais perto. Estamos no limiar de uma outra época para nos encontrarmos com o país mais integrado nas suas partes e tem mesmo de ser assim.
MB.: Sente que a vivência da Fé é, neste território, mais ‘pura’, por estar mais afastada de outras distrações presentes na metrópole?
DMC.: Hoje, com as comunicações e com a rede já ninguém está imune a nada e no sítio mais recôndito pode estar-se com informação ou desinformação. Hoje em dia, seja onde for, talvez mais nas grandes concentrações urbanas onde as pessoas estão, em princípio, menos integradas, mais desapoiadas familiarmente, mas um pouco por todo o lado, temos de descobrir que ser Cristão e seguidor de Jesus Cristo é uma opção diária. Por isso, uma melhor fundamentação das nossas convicções e uma prática mais consequente é uma exigência para todos em qualquer parte do mundo e, por isso, as formas tradicionais e as novidades que o tempo trás, como sempre aconteceu, o Cristianismo, estando ligado ao que aconteceu há dois mil anos, se reencontra sempre mais à frente.
MB.: Falou do envelhecimento populacional. A diocese de Bragança-Miranda tem sido pioneira na reorganização. A implementação de unidades pastorais tem sido um projeto que começou a ser implementado neste território. Vê isso como uma possível solução para o envelhecimento do clero, cujas dificuldades de renovação foram recentemente noticiadas?
DMC.: Vamos lá ver... Aqui, por essas razões que disse, da quebra demográfica, da dificuldade em manter comunidades com tão pouca gente, com certeza que foi mais urgente. Mas isto que se chama unidade pastoral, trabalho conjunto, vida de Igreja que, sem esquecer as realidades locais vive mais em interação, vive mais em rede, é para todos. Isto é o mundo atual. Mesmo em dioceses mais populosas, como as de Lisboa, Porto, Braga, Aveiro ou Setúbal, esta necessidade de trabalho conjunto corresponde à atualidade porque a vida das pessoas está muito menos localizada, as pessoas circulam e têm muita facilidade de acesso. Por esta ou aquela razão podem participar mais na vida da Igreja, não na área onde residem – até porque podem residir em várias – mas onde coincide mais com a sua vida. O trabalho em conjunto tem a ver com a nossa vida de hoje, que é uma vida em rede. Podemos lembrar-nos do ‘lançar a rede’, onde cabe todo o tipo de qualidade de peixe, é das primeiras imagens da própria Igreja, hoje muito potenciada pelas tecnologias mas, sobretudo, porque nós hoje vivemos muito mais em rede.
MB.: A Igreja tem de se adaptar aos novos tempos...
DMC.: Com certeza. A Igreja em si é o seguimento de Jesus Cristo. Já sabemos que não se pode seguir Jesus Cristo sem vida comunitária. A comunidade é a comunidade Cristã mas na base tem a sociedade humana como ela é e hoje estamos no século XXI, que não é como foi no século XVIII ou no século V. A comunidade cristã sempre acompanhou essa vida. Não nos podemos esquecer que nos primeiros séculos a comunidade cristã era praticamente onde estava o bispo, não havia paróquias. Quando a população se começou a dispersar pelo território é que começou a subdivisão paroquial. Hoje em dia estamos num movimento de certa maneira, inverso, de concentração urbana. Por isso, é próprio da vida da Igreja, acompanhando a vida da sociedade.
MB.: No próximo ano celebra-se o centenário das Aparições de Fátima, com a presença do Papa Francisco. O que podem esperar os fiéis?
DMC.: O centenário das aparições serão o grande acontecimento nacional. Não sei se será uma visita relâmpago ou um pouco mais do que isso mas será sempre muito bem acolhido. A casa será sua, enquanto sucessor de Pedro e é para nós mais um ponto de muita qualidade das celebrações. Mas o ano será sobretudo marcado por esta graça que tivemos há cem anos, daquelas crianças de Fátima serem tão tocadas pelo Céu, pela mãe de Jesus, pelo Evangelho, pela repercussão que isso teve na vida de tanta gente e continua a ter. Isso é que será marcante e é isso que o Papa vem celebrar e acompanhar nessa celebração.
Mas claro está que, também com ele, o centro continua a ser Cristo e a sua mãe.
MB.: Como vê a atuação de D. José Cordeiro?
DMC.: Muito bem, com muita simpatia. Ele tem a vantagem de ser um homem de origem transmontana. Nasceu em Angola mas a sua cultura de base e familiar é daqui. Por isso está em casa e ele assim o sente. Era padre da diocese de Bragança-Miranda e tem trazido muito dinamismo a uma vida pastoral que, até pelo envelhecimento populacional, poderia ficar mais pesada. Com a frescura que lhe é própria, com o entusiasmo que ele tem, é muito bom. Foi uma nomeação muito oportuna. Creio quer todos na diocese e no conjunto da Igreja de Portugal lucramos com isso.
AGR
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