Num certo dia de Verão andavam os malhadores numa eira a malhar trigo, em Meireles, concelho de Vila Flor, quando a sede começou a apertar. Mandaram então uma menina buscar água num cântaro à Fonte do Lameiro de Cima. Esta fonte é cavada no solo e por isso é preciso descer umas escadinhas e introduzir o cântaro na água.
Acontece que, quando a menina tirou o cântaro, este vinha com uma corrente de ouro. E quanto mais afastava o cântaro da água, mais comprida ia ficando a corrente. Ao ver o ouro sempre a crescer, e como não era ambiciosa, pensou:
– Vou cortar a corrente, que este ouro já me chega.
Apanhou então uma pedra, e, quando foi para quebrar a corrente de ouro, esta tinha desaparecido. E ao mesmo tempo ouviu uma voz a dizer-lhe:
– Ai que me dobraste o encanto! Vai procurar alguém que me venha desencantar!
A menina foi para junto dos malhadores e estes, ao vê-la com o cântaro vazio, ficaram muito zangados. Ela contou-lhes o que lhe aconteceu dentro da fonte. E disse que tinha medo de lá voltar. Foi então lá um dos malhadores, mais destemido.
E mal desceu as escadinhas da fonte, apareceu-lhe uma serpente muito peluda.
Ele começou a tremer de medo, e a serpente disse-lhe:
– Não tenhas medo, que eu sou uma moura encantada e vivo nesta fonte até que me quebrem o encanto. Para isso tenho de subir por ti acima e beijar-te na cara. Mas não podes mexer nem estremecer, se não está tudo perdido.
O homem ainda esperou que a serpente subisse por ele acima. Só que, ao chegar-lhe à cara, o medo foi tanto, que se pôs a tremer todo. E assim a serpente desapareceu, a soluçar de dor. Até hoje.
Fonte: Inf.: Maria Lúcia Branco, 46 anos; rec.: Vila Flor, 2001.
Lenda do Penedo Redondo
Existe um lugar em Benlhevai, no concelho de Vila Flor, onde o terreno é plano e arenoso, e onde há um grande penedo de granito, do tamanho de um sobreiro, a que chamam o "Penedo Redondo" e que tem ao lado dois outros penedos mais pequenos.
Conta-se que foi uma moura que trouxe para ali aqueles penedos. O grande e os pequenos. O maior trouxe-o à cabeça e os outros dois trouxe-os debaixo de cada um dos braços. E que ainda vinha a fiar ao mesmo tempo.
O povo diz também que existe nesse lugar um tear de ouro, e que à meia noite do dia de S. João, se alguém passar perto, pode ouvi-lo a tecer.
Fonte: Inf.: Esmeralda Nazaré Silva, 81 anos; rec.: Benlhevai, Vila Flor, 2001.
Lenda de Vale Frechoso
Em Vale Frechoso, do concelho de Vila Flor, existe na encosta de um monte um lugar cheio de mistério, formado por grandes penedos de granito, e onde há uma abertura que conduz a uma cova profunda. Diz o povo que, na altura em que os mouros deixaram esta terra, encantaram ali uma moura que ficou a guardar as suas riquezas. E conta-se também que os pastores costumavam ir para lá apascentar os seus rebanhos e que ouviam um tear a trabalhar, o que os deixava cheios de medo. Por isso deixaram de ir com o gado para aqueles lados.
Ora, numa ocasião houve um pastor mais corajoso que resolveu lá ir a ver que tear seria esse. Era então meia noite. Pôs-se à escuta e, não tardou, ouviu o tear a trabalhar. Abeirou-se mais do local e, de repente, eis que lhe aparece uma linda donzela com seis pedras de ouro na mão. Ela estende-lhe a mão e diz:
– Podes voltar sempre que quiseres pois sempre encontrarás as seis pedras de ouro. Mas não podes contar a ninguém. Eu sou uma moura encantada e, se fizeres como te digo, ajudar-me-às a quebrar o encanto.
O pastor, que era pobre, começou então a enriquecer. E as pessoas da terra, a dada altura, começaram a falar, e obrigaram-no a dizer onde andava a arranjar a riqueza. O homem, viu-se de tal modo apertado pelos vizinhos, que resolveu contar-lhes tudo.
Por isso, na noite seguinte, ao voltar ao local, em vez das seis moedas de oiro habituais o que encontrou foram seis carvões e a moura lavada em lágrimas, que lhe disse:
– Desgraçaste-me! Jamais serei desencantada!
Conta o povo que, nesse local, quando alguém passa por volta da meia noite, continua a ouvir um tear a trabalhar.
Fonte: Inf.: Filomena Morais Pereira da Costa, 48 anos; rec.: Vale Frechoso, Vila Flor, 2001.
O choro da moura em Santa Comba da Vilariça
Há em Santa Comba da Vilariça, concelho de Vila Flor, uma fonte de água muita pura, à qual está ligada a lenda de uma moura. Diz o povo que, há muito, muito tempo, viveu nestas terras uma princesa moura, que, quando os cristãos e os mouros deixaram de guerrear-se, sonhou em casar com um jovem cristão.
Estava então tudo preparado para o casamento quando chegaram notícias de mais uma guerra entre cristãos e mouros. O noivo teve por isso de partir para o campo de batalha, no cumprimento do seu dever. E nessa batalha acabou por morrer.
Acontece que a princesa moura continuou a esperá-lo. E como o noivo nunca mais aparecia, todos os dias ela chorava lágrimas e lágrimas de saudades. E dessas lágrimas – diz o povo – nasceu uma fonte, que hoje lá continua. E os murmúrios da água a correr lembram o choro constante da moura inconsolável.
Fonte: Inf.: Maria José Teixeira de Almeida, 45 anos; rec.: Santa Comba da Vilariça, Vila Flor, 1999.
Mouros Míticos em Trás-os-Montes – contributos para um estudo dos mouros no imaginário rural a partir de textos da literatura popular de tradição oral
Alexandre Parafita
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