Castelo Branco - Mogadouro |
Um tio paterno, chamado Domingos Lopes Dourado, foi almocreve e casou em Urros com Maria de Andrade, fixando o casal residência em Escalhão. Ambos foram presos pela inquisição.(1) O mesmo aconteceu com sua tia Maria da Fonseca, casada com António de Morais,(2) ferrador de profissão, natural de Vila Flor, os quais residiram em Freixo, antes de se mudarem para o Porto.
Do lado materno, teve um tio, cujo nome dizia ignorar e que estaria “habilitado para clérigo” e 3 tias, todas casadas, com moradas repartidas por Mogadouro e pelas aldeias de Paradela e Vilarinho dos Galegos.
Entre os seus irmãos inteiros, citemos: Manuel de Almeida, cirurgião barbeiro que primeiro casou no Azinhoso e segunda vez em Mogadouro e Pascoal de Almeida que foi para o Brasil e por lá viveu, casado com Floriana de Matos, o qual terá falecido antes que o mandato de prisão fosse executado.(3)
Das vivências de António Fonseca com familiares citados, praticamente não temos registo. De contrário, a sua vida foi completamente marcada pelos encontros e desencontros com o seu meio-irmão paterno Gaspar Fernandes Pereira, a partir do ano de 1706.(4)
Voltemos a Mogadouro, à infância de António Fonseca. Ignoramos a sua idade quando ficou órfão de mãe e foi enviado para Salamanca, onde passou um ano. Regressado a Portugal, viajou para o Porto e dali embarcou para o Brasil, onde o encontramos, em constante movimento e desempenhando atividades diversas. Por um lado, exercia o ofício de ajudante de ordens com gente da tropa ou da ordenança.(5) Por outro lado, dizia-se mercador e “costumava comprar e vender cavalos para o que era bastante esperto e diligente”, na expressão de uma testemunha, acrescentando outra que ele fazia “viagens ao sertão em negócios de cavalos e bois, que era o seu modo de que vivia”.
Primeiramente ter-se-á fixado em Parnaíba, na fazenda do capitão Manuel Álvares de Sousa, de quem se tornou ajudante, transitando depois para a fazenda do mestre de campo Atanásio Sequeira Brandão sita na Barra da Carrinhanha, na margem do rio S. Francisco, onde chegou com uma carta de recomendação daquele pedindo para o “emparar e favorecer”.
Em uma de suas viagens, dirigindo-se do Rio de S. Francisco para a cidade da Baía, chegando ao sítio de Água Fria, tomou conhecimento que à fazenda de Clara Lopes e seus filhos, sita em Parnamirim, Campos da Cachoeira, chegara um carregamento de fazendas trazido por Gaspar Pereira e enviado do Porto por Gaspar Lopes da Costa. Aquele era o seu meio-irmão paterno e os outros eram todos seus conhecidos de Mogadouro. Obviamente que logo se dirigiu à dita casa e por lá ficou uns 2 meses. Este foi o primeiro mau encontro com o irmão, conforme explicaremos mais à frente.
De Parnamirim seguiu para a Baía e dali “alvorou” como ajudante do sargento-mor Temudo Meireles Machado para o seu “engenho” no sítio de Rio Fundo, distante uma dúzia de léguas da Cachoeira. No Rio Fundo, casou com Violante da Silva, uma afilhada da mulher do mesmo sargento-mor e que viveria no mesmo engenho com os pais Manuel da Cunha e Custódia da Silva.
Por 1713, pegou na mulher e nos filhos e voltou para a fazenda do mestre de campo Atanásio Brandão, passando-se depois para a fazenda da Malhada, sita nas proximidades e pertencente ao Dr. João Calmon, chantre da Sé da Baía, visitador e comissário da inquisição.
Em 1719, estando em sua casa, apareceu ali o seu irmão Gaspar pedindo-lhe para o acompanhar numa viagem de canoa pelo rio de S. Francisco a cobrar uma dívida derivada de um “comboio” de fazendas que tinha vendido ao capitão Domingos de Amorim, dono do “engenho” do Pilão Arcado. Em paga lhe daria 100 mil réis e um cordão de ouro e lhe pagaria uma dívida que tinha de 150 mil reis.
Demorou a viagem 4 meses e, para o caso de o devedor se recusar a pagar, levavam uma ordem do dito Atanásio Sequeira, no sentido de serem sequestrados e leiloados os bens necessários ao pagamento da dívida. A isto se opôs o capitão Francisco Sousa Ferreira, então morador naquele sítio e certamente responsável pela defesa e manutenção da ordem, dizendo que “o devedor tinha em S. Tomás, em poder de António Teixeira, sobrinho dele capitão, ouro suficiente para pagamento de tal dívida”.
Não cobrando a dívida, Gaspar negou-se a pagar o prometido ao irmão. E aí começaram os desencontros. Durante uns 4 ou 5 dias, ainda viajaram juntos até á fazenda dos Angicos. Depois… Gaspar foi-se a cobrar a dívida em outras paragens e, no ano seguinte, meteu-se de regresso a Portugal. Fonseca ficou entregue a si próprio a mais de 40 léguas de casa.
O pior, no entanto, estava ainda para vir. É que, sendo preso pela inquisição de Lisboa, Gaspar denunciou o irmão, dizendo que se declarara com ele e fizera cerimónias judaicas em casa de Clara Lopes, no ano de 1706. E por esta simples denúncia, António Fonseca foi preso em 13.1.1727 e trazido para Lisboa na nau Nª Sª da Oliveira capitaneada pelo mestre Duarte Pereira, onde chegou em 16.8.1828. Por 4 anos conheceu os cárceres do santo ofício, sendo posto a tormento e acabando condenado em cárcere e hábito perpétuo no auto de 6.7.1732.(5)
Da leitura do processo ressalta, antes de mais a defesa que dele fazem todas as testemunhas e que o cavaleiro da ordem de Cristo, Atanásio Brandão, sintetizou:
— Quando o viu preso pelo santo ofício, dissera que se ele tinha culpas naquele tribunal não sabia de quem se havia de fiar.
E ressalta ainda mais o homem bom, “naturalmente alegre” que sempre se dispunha a ajudar os outros. O próprio comissário da inquisição, depois da inquirição das testemunhas nomeadas, escreveu no seu relatório final:
— Sempre o conheci por cristão-velho, muito temente a Deus (…) de que sou testemunha de vista e a sua caridade para com todos; era muito admirado pois, sendo pobre, se não negava no que lhe era possível…
E o capitão-mor Vicente de Pina, que morou 11 anos perto dele, falaria assim dos dois irmãos:
— Gaspar Fernandes era mau homem e pouco agradecido a favores que o dito António da Fonseca lhe fazia quando em sua casa o buscava; e sabia que António da Fonseca, com toda a sua pobreza, nunca a ele dito irmão buscara.
Homem pobre e pai de 4 filhos, fizera-se lavrador de roça, certamente em terra alugada e no seu amanho se empregariam os 2 escravos e 3 escravas que António Fonseca possuía e valeriam cerca de 400 mil réis que, certamente lhe foram sequestrados e vendidos em praça.
Terminamos com a transcrição de um parágrafo de suas confissões contando uma cena acontecida na Baía em casa de Ana de Miranda:
— Estando todos, perguntou ele réu a Violante Nunes por António Fernandes Camacho e a mesma lhe respondeu que era falecido e levando-o a uma câmara, coberta com uma toalha, onde estavam coisas de comer em que entravam pão, azeitonas e algumas frutas e em cima da mesa estava uma candeia acesa e perguntando-lhe ele confitente que era aquilo, ela respondeu que era em memória do dito António Fernandes Camacho e que a candeia dava luz era sinal que ele estava no céu…
Notas e Bibliografia:
1 - ANTT, inq. Coimbra, pº 4199, de Domingos Lopes Dourado; pº 2792, de Maria de Andrade.
2 - IDEM, pº 6181, de Maria da Fonseca; pº 8130, de António de Morais.
3 - IDEM, inq. Lisboa, pº 17352, de Pascoal de Almeida: — O ano de 1728 me remetera (…) um mandado para se prender na vila da Mocha, de Piagui, a Pascoal de Almeida, por ordem desse tribunal (…) segurando-lhe depois ter notícia ser o dito Pascoal de Almeida falecido no rio de S. Francisco, no sítio das Barreiras…
4 - IDEM, inq. Lisboa, pº 8777, de Gaspar Fernandes Pereira; ANDRADE e GUIMARÃES – Jornal Nordeste, nº1085, de 29.8.2017.
5 - IDEM, pº 10484, de António da Fonseca.
António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães
in:jornalnordeste.com
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