Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

FIGURA SIMBÓLICA DA MORTE, EM BRAGANÇA, NA QUARTA-FEIRA DE CINZA

«Ill.mo e EX.mo Snr. – A meza da Veneravel Ordem terceira d’esta cidade tem sido solicitada para consentir que a figura da morte divague pelas ruas da cidade no dia de quarta feira de cinza. Pelas razões expostas na representação que a meza dirigio ao Ex.mo Snr. Governador do Bispado, a meza é de parecer que não deve conseder-se que a figura da morte divague pelas ruas. A autoridade ecclesiastica porem não attendeu a esta exposição e concedeu a licença requesitada.
Mas como este assumpto está regulado na lei organica da Veneravel Ordem terceira a meza da mesma ordem não pode tomar sobre si a responsabilidade de transgredir os seus estatutos e por isso julga dever seu expôr a V. Ex.cia o conteudo dos mesmos estatutos para que V. Ex.cia como fiscal da lei resolva o que entender por melhor.

O artigo 36.º dos referidos estatutos no § 4.º diz: “Expressamente prohibida a divagação pelas ruas da figura que na procissão de cinza costuma representar a morte devendo sahir e recolher com a procissão”.
Em vista d’isto não está nas atribuições da meza conceder-lhe o vestuario da morte. Mas como é um grupo de individuos que insiste em pedir aquele vestuario parecendo que por esse motivo já se preparam temultos e desordens, a meza querendo tirar de sobre si a responsabilidade de quaesquer acontecimentos e da transgressão da lei, informa a V. Ex.cia da situação em que se encontra e pede ou que V. Ex.cia dê as providencias para fazer cessar as assoadas ou que V. Ex.cia conceda a licença que a meza não pode conceder para a divagação da morte, ficando em ambos os cazos a meza desobrigada de responsabilidades.

Bragança, 1 de Março de 1870».

Assinam o requerimento: Bernardino José Pires, João Manuel Pereira
Horta, José António Pires, Manuel José Ferro, Manuel António, José
Manuel dos Santos e José Maria da Cruz.

No mesmo requerimento escreveu de sua própria letra o governador civil do distrito de Bragança o seguinte despacho:

«Tendo-me informado o Snr. Administrador do concelho que em alguns annos posteriores á approvação dos estatutos da Veneravel Ordem Terceira se tem concedido a divagação pelas ruas da figura simbólica a que o requerimento se refere, e que a concessão tem sido feita em respeito aos uzos e costumes immemoriaes deste povo. E sendo mais informado que differentes mezas da mesma Veneravel Ordem tem promovido essa licença da authoridade, e tendo a superior autoridade ecclesiastica concedido já a mesma licença para este anno; conforme a licença que já havia concedido baseada nas praticas anteriores, ficando assim a meza requerente a salvo de qualquer responsabilidade. E é pelos fundamentos referidos que confirmo a licença, e não pelas suppostas assuadas que os requerentes receiam e que a authoridade em qualquer hipotese terá força de evitar.
Seja presente este despacho ao Snr. Administrador do Concelho para os fins convenientes.

Bragança, 1 de Março de 1870. O Governador Civil, Pessanha».

Junto ao mesmo documento vem outro requerimento da mesa da Venerável Ordem Terceira ao governador do bispado, dizendo que o governador civil concedeu licença para sair a «Morte», mas que ela não dá os hábitos sem permissão da autoridade eclesiástica e por isso lha pede.
O governador do bispado deu o seguinte despacho.

«Julgo da exclusiva attribuição da meza a concessão do vistuario da figura – a Morte – mas, se isso depende da minha auctoridade, concedo a licença pedida.

Bragança, 1 de Março de 1870. Martins».

Ainda junto aos mesmos documentos vem outro requerimento dirigido ao governador do bispado que diz:

«A meza da veneravel Ordem Terceira, não querendo por si só resolver uma questão que muito interessa ao respeito da Religião; vem perante V. Ex.cia R.ma como Governador d’este Bispado tomar conselho, como sendo pessoa a quem principalmente incumbe o velar pelo decoro das coisas da Igreja.
Entre as figuras, que compõe a procissão de Cinza, nesta cidade, tem lugar a figura Morte, destinada a symbolizar o salutar avizo pulvis es, et in pulverem reverteris.
Com ella se pretende lembrar que a quadra da quaresma, começada em quarta feira de Cinza, deve ser consagrada a cuidar da vida futura, que para todos é certa, e que pode abrir-se inesperadamente, porque o sopro da vida é menos firme que a luz da alampada agitada pelo vento.
Por um abuso e por uma condescendencia, talves censuraveis, fez-se da figura da Morte uma figura carnavalesca, que, longe de chamar as almas para ideias de piedade, provoca scenas de descomposta folia e não poucas vezes de desordem. Pode dizer-se que a figura da Morte tem feito de quarta feira de Cinza, do primeiro dia em que mais particularmente se celebram os misterios da Igreja, e se commemora a paixão do Redemptor, o quarto dia do carnaval.
E isto facilmente se avalia sabendo-se que os fatos daquela figura se allugavam a razão de 480 réis por hora.
Á meza da veneravel Ordem Terceira parece vergonhoso especular com as coisas da igreja, e sobretudo acha altamente offensivo ao respeito devido á Religião que se faça de quarta feira de Cinza um dia de carnaval, e que o – pulvis es – que a Igreja manda memorar, seja esquecido e offuscado por actos improprios de quem pensa na vida futura.
Por isso, apoiada no exemplo d’alguns Governadores Civis que ultimamente prohibiram que pelas ruas divagasse a figura da morte, a meza da veneravel Ordem Terceira é de parecer que esta prohibição se mantenha. E como os turbulentos podem atribuir a más intenções esta prohibição, a meza deseja que V. Ex.cia lhe confirme ou reprove esta deliberação, para que, firme com a respeitabilidade de V. Ex.cia, possa responder aos que a calumniarem.

E. R. M.ê
Bragança, 1 de Março de 1870».

Assinam este requerimento os mesmos atrás mencionados no dirigido ao governador civil e mais:Manuel António Martins, Bruno Lobato e António José Diegues.

O despacho da autoridade eclesiástica diz:

«A meza deliberará como o julgar mais conveniente á Ordem, e á religião, recorrendo, se for necessario, á auctoridade administrativa para que providencie sobre a conservação da ordem publica.

Bragança, 1 de Março de 1870. Martins, Governador».

O seguinte documento esclarece o assunto e mostra a perduração do costume:

«Ex.mo Snr. Comissario da Policia Civil – Levo ao conhecimento de V. Ex.cia que hoje por 7 horas da manhã, junto ao matadouro publico, onde estavamos de serviço para evitar a saida da Morte, ali apareceu Manuel Augusto Marvão solteiro de 21 anos de idade, com fatos da Morte, e mandando-me o cabo 10 que o prendesse dirigi-me a ele Marvão, fazendo-me figas com o braço e dizendo-me: olhe se se f... seu cara de ...... que a mim não me prende, eu então corri sobre ele escapando-se-me para uma casa saindo logo por outra porta, e por essa ocasião disparei um tiro por o ter já intimado a dar-se á prizão e com o fim de o amendrontar, e passados alguns momentos voltou a aparecer com as mesmas arruaças detendo-o então por essa occasião.

Testemunhas:Manuel Barata e guardas civis n.os 7 e 22 e cabo 10.

Bragança, 23 de Fevereiro de 1914. O guarda civil nº 20 – Antonio Sebastião».

Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança

Sem comentários:

Enviar um comentário