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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 11 de julho de 2022

Os grandes festejos da aclamação de D. Pedro V em Bragança – significado e ingredientes (1855)



Através do relatório enviado pela Câmara de Bragança ao Governo, a propósito da celebração desta efeméride, ficamos a compreender melhor o que representava a Monarquia, a maneira como se vivia e se devia viver a realeza. Ficamos a saber, em especial, o que em Bragança se realizou e passou. Impressiona a dimensão dos festejos, ainda mais numa Cidade “ronceira” do interior… É um documento que reporta uma celebração maior, “superlativa”, que se realizava em tais ocasiões e que reunia vários elementos codificados, pela tradição e pela legislação. Momentos fúnebres, como, por exemplo, a morte dos monarcas também eram solenizados, com pompa e circunstância, em cerimoniais de grande aparato, que envolviam a comunidade, como se verá em capítulo próprio.
Esta detalhada “reportagem” diz-nos muito sobre essas atmosferas e ambiências celebratórias e festivas.
É muita a luz que lança sobre a “transfiguração” do espaço e do tempo que caracteriza a festa e outras solenidades.
Festa era – e ainda é – paragem nos (e dos) trabalhos, pausa nos afazeres, alteração do quotidiano habitual; transfiguração do espaço, vivência intensa de um tempo diferente. Bragança, urbe de pequena dimensão e pobre, mostra-se capaz de realizações com este dinamismo.
A subalterna Cidade consegue reunir forças e meios para pôr em prática programas como os que se vivem nesses dias maiores dos festejos. Autoridades locais, instituições militares, forças vivas e corporações não se poupam a esforços para cumprirem e realizarem, com inexcedível zelo, o que lhes era solicitado por determinações superiores. Têm um papel decisivo na programação e na realização das celebrações. Era com a “prata da casa” que se faziam tão luzidios festejos. E tudo isto acontecia numa Cidade dita, modestamente, de “4.ª ordem”, situada nos “confins de Portugal” – palavras do “cronista”. Havia uma “máquina” bem “montada” e bem “oleada”, que integrava muitas vontades e muitos protagonistas que, pela experiência acumulada, sabiam o que fazer e como fazer.
Deteta-se a utilização no relatório de uma linguagem, que agora nos parece hiperbólica e excessivamente cerimoniosa, mas que seria usual e aconselhada quando se tratava de aludir e de celebrar augustas figuras. Havia fórmulas protocoladas e letras maiúsculas obrigatórias. Além do mais, o informador/narrador queria impressionar os destinatários do poder central...
Surpreende o que um meio urbano, com estas dimensões e limitações, conseguia realizar. Era muito o que se criava e produzia nos campos da cultura, das artes e do espetáculo (desfiles, encenações, sessões musicais e teatrais, movimentações) e eram muitos e variados os saberes e meios disponíveis na Cidade para a concretização de todas essas realizações. Havia criadores e produtores de textos e de músicas. Uma “companhia de declamação” e uma orquestra que se forma. As guarnições militares desempenhavam, como se verá, um papel fulcral. Grupos e corporações populares também apresentam números musicais e teatrais – a cultura popular tinha tradição.
Deve referir-se, para além do significado das festas – do que com elas houve e do que se viveu –, a programação e a coordenação concertadas e a mobilização gigantesca. Atente- se, ainda, na variedade dos rituais.
Manifestações religiosas misturam-se com as cívicas, poderes religiosos andam de mãos dadas com poderes políticos; o sagrado contamina muitas das cerimónias; o profano penetra nos espaços sagrados. O sagrado da “santa religião” mistura-se, como veremos, com dimensões de índole profana e mitológica – o sagrado pagão também está presente. Entre as figuras mitológicas que abrilhantam os desfiles, conta-se, inclusivamente, o “Génio de Bragança”. As celebrações reúnem, em suma, elementos religiosos e profanos (festivos e solenes, lúdicos e graves, populares e aristocráticos) e aglutinam ingredientes carregados de simbolismo. O “retrato” de corpo inteiro do Rei vai ser alvo de um autêntico culto sagrado, sacrossanto. A imagem merece todas as reverências. É tratada como se fosse a “representação” de um ente sagrado, como um ícone religioso. A “jóia mais preciosa” que os brigantinos têm é o retrato do Rei, de Sua Majestade. Na Casa da Câmara e na “catedral”, é reverenciado com todo o cerimonial e honras devidos a símbolos religiosos.
As “três ordens” convivem e confraternizam, mantendo as distâncias e respeitando as hierarquias e os protocolos, e vivem intensamente esses dias de festividades. Dois titulares transportam o retrato do Rei: o visconde de Ervedosa e o barão de Santa Bárbara – ou seja, os dois membros mais importantes da nobreza bragançana. É entusiástica, pelo que é narrado, a participação do povo, que não se limitava a ser espectador, mas que colaborava e participava. Gente da urbe, dos meios rurais e até da “vizinha Espanha” enchem ruas e praças.
As festas mobilizavam as forças vivas da comunidade e atraíam “multidões”. Não há números, mas há expressões metafóricas que traduzem grandes afluxos. Desconte-se o entusiasmo posto na narração: as pessoas “moviam-se em ondas que atropelavam”; fala-se em “imensidade” dos vizinhos espanhóis…
Nos dias do “tríduo festival”, em 16, 17 e 18 de setembro, as celebrações e os espetáculos – a exigirem, nalguns casos, grandes montagens e encenações – espalham-se por toda a urbe, com especial incidência nos locais mais emblemáticos, consagrados pelo costume e pela tradição. O espaço urbano transforma-se num gigantesco espaço cénico. Num imenso palco, com vários palcos. Lança-se mão, ainda, de realizações de “arte efémera”, com a construção de uma torre octogonal, carregada de elementos simbólicos.
Cerimónias realizadas em espaços fechados – como, por exemplo, no Teatro Brigantino –, acessíveis apenas a convidados, são trazidas, tanto quanto possível, para as ruas, onde podem ser partilhadas pelo povo…
E lá estão as cavalhadas levadas a efeito pela tropa de Cavalaria n.º 7 e as três bandas militares que percorrem as ruas e abrilhantam as cerimónias; as orquestras; os desfiles, os cortejos, as paradas, as guardas de honra por elementos das unidades de Caçadores e de Cavalaria; os “grupos folclóricos” dos artistas, com os seus cantos e descantes e com as suas danças; os hinos compostos para o momento; as representações dramáticas com o elogio da excelsa figura; as iluminações que “transformavam” as noites em dia; os fogos de-artifício; os enfeites dos edifícios públicos, as ornamentações das janelas, o toque dos sinos…
Adjetivos abundantes qualificam as festividades dos “faustosíssimos dias” e o objeto central dessas realizações: sua majestade o senhor D. Pedro V. Entre estranhos epítetos e cognomes para o “adorado dos portugueses”, contam-se: “excelso”, “desejado”, “ídolo de amor”, “esperança lisonjeira” e “paládio da ventura”.
Em momentos solenes e festivos, não podia deixar de se exercitar a caridade, virtude teologal tão “natural” e imperiosa na sociedade da época. Cinco centenas de rações, oferecidas pelo comércio local, para os pobres que passavam fome e que têm direito a uma refeição melhorada – um arrátel de carne e quatro de pão de trigo. O bispo, D. José de Lemos, faz uma impressionante obra de caridade, “vestindo de inverno” 12 pobres, e o Governador Civil mostrou a sua incomensurável bondade, dando, do seu próprio bolso, uma refeição aos presos que também receberam, da comissão de socorro, uma camisa cada um. Como acentua o cronista, nesses dias não houve fome.
Nota-se um padrão-tipo na estruturação das festividades que preenchem os três dias, com obediência a alguns estereótipos. Muito do que se fazia resultava de fórmulas e receitas vindas de trás, que haviam sido apuradas. É o que se verifica com cerimónias, solenidades, manifestações, festejos, desfiles, cortejos, rituais, decorações e enfeites… Aí estão, ainda, no liberal século XIX, nas cerimónias de aclamação do Rei, muitos dos ritualismos, da atmosfera e da ambiência característicos do Antigo Regime. Só que agora não podia faltar, por exemplo, a consagração da Carta Constitucional…
A Monarquia e a realeza precisavam de manifestações rituais, que se queriam grandiosas e vistosas, para impressionar os súbditos. Ao iniciar um novo reinado, deviam-se mobilizar e envolver todas as forças sociais e proceder à realização de manifestações que, pela sua espetacularidade, cativassem e impressionassem os cidadãos de todas as idades, sexos e condições sociais. Em Lisboa, capital, como em Bragança, recôndita Cidade. Um novo Rei – e este em especial – e um reinado que começava traziam, em princípio, renovadas esperanças: prenunciavam um futuro que se queria melhor… Além do mais, a subida ao trono de D. Pedro V parece ter levado à realização de cerimónias de aclamação especiais, quer pelo investimento, quer pela participação do público. Eram muitas as expectativas, por todo o Reino, pelos testemunhos de que dispomos, em relação ao jovem e esclarecido monarca…

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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