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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 4 de agosto de 2019

A minha mãe e a vizinhança

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")


Não é esta a primeira vez que conto alguns episódios em que a minha mãe com o seu modo simples mas seguro, me surpreendeu com aforismos que me ficaram na memória e ainda hoje, passados que são cinquenta anos do seu passamento, me fazem sorrir ou me servem de conselhos para as situações mais diversas que diariamente se me apresentam. Era uma mulher assumidamente do povo, mas sendo-o era também facilmente perceptível que o povo de onde ela vinha era o verdadeiro povo português que "lava no rio" e que possuía todo o conhecimento, humildade e dignidade que este povo em todas as circunstâncias ostenta, pois só gente da sua estirpe é capaz de constituir a fração que somada com as dos seus iguais forma o todo que é tudo o que a humanidade adulta, passa à geração que é carne da sua carne e assumiu para si o exemplo da gente do povo que a gerou a ela.
Tenho plena consciência que eu, com o carácter que adquiri e que é fruto da sua ação permanente enquanto esteve ao nosso serviço, porque a sua vida foi uma missão, meu e dos meus irmãos, não teria a consistência que lhe atribuo, do ponto de vista moral e humanista e seria incomparavelmente menos conseguido no que respeita a lealdade, que é algo para que hoje se dispensa pouca atenção, mesmo que seja esta a verdadeira causa do que se passa no mundo e particularmente em Portugal.
Tenho colhido informação de factos relacionados com as ilegalidades cometidas por gente que ocupa posições de destaque e à qual foi dispensado apoio público para que pudessem ao longo de muitos anos frequentar as Escolas que supostamente os preparariam para no tempo devido, possuírem já a capacidade e a ciência de administrarem a coisa pública honestamente, ainda que para tal seja necessário atribuir-lhes salários e prebendas mais chorudas do que as dispensadas à plebe que ordeiramente se enquadra no povo de onde a minha mãe provinha e do qual tanto se orgulhava.
Aprendi bem cedo, que "de manhã é que se começa o dia" que ter orgulho e confessá-lo em ser de Bragança era condição imprescindível para eu poder ser também orgulhoso da minha condição de Transmontano e Português.
Todo este "Edifício" cujos alicerces minha mão esclarecidamente lançou foi complementado pela minha Professora primária, D.Isabel Belchior e a minha Catequista Maria dos Prazeres Batista, pois no meu tempo de criança os pais que eram homens e de corpo inteiro, delegavam nas mães a tarefa sublime de fazerem da prole, gente de bem. Assim " os homens não nascem, fazem-se!
A ideia de transmitir educação não era rígida mas sim constante e não se perderia uma só ocasião de o conseguir porque "de pequenino se torce o pepino" e não é sensato "não guardar do riso para a chora".
Nasceu a minha mãe em 1912 na Rua dos Fornos que é assim como uma linha que separa o Bairro antigo de Além do Rio, do resto da cidade e eu que tive o cuidado de a conhecer bem, posso afirmar que a sua matriz cultural era a desse Bairro mítico ao qual hoje as gentes e as autoridades não dão muita importância. É no entanto indesmentível que o falar dos lá criados é algo diferente dos restantes que havendo sido educados noutro ambiente, menos marcante por menos castiço, são falantes da língua usada por "os d'ó por I abaixo" que trouxeram novidades e tomaram o lugar de "palavras velhas e relhas" e davam o nome de "Bijou" ao pão casqueiro, que se dava aos soldados e que em tempo de guerra e fome ,"se atirava contra o castelo e não se partia".
O castelo e a linguagem militar que a ele estava associada era uma constante no falar da minha mãe que naturalmente usava modelos de retórica castrense para ironizar e afirmar "o que faz aí esse Adido à Companhia? Diz -lhe que saia senão vai corrido "A toque de Caixa".
Quem nascido em Bragança não ouviu estas expressões? Talvez grande parte se hajam perdido na voragem do tempo e na ausência dos que as ouviram da boca dos seus maiores, mas eu que logicamente também fui alvo de ironia em situações recorrentes sempre que à hora da refeição me apressava porque já estivesse "Com a foice picada" ouvia a desculpa que a minha mãe dava aos restantes, "deixai-o lá que vem com o passo trocado e o sentido no munício.
Após a sua perda passaram cinco anos sem que eu houvesse encontrado alguém que ao dialogar comigo, fosse tão semelhante no uso da linguagem que me surpreendesse ao ponto de ao primeiro contacto a lembrança me encher os olhos de lágrimas.
Estava na tropa e após seis meses concluídos foi incorporado o meu amigo Abílio Canhoto,  filho do tio José Augusto Rodrigues, O Carronha, nados e criados no velho Bairro de Além do Rio, que fora da muralha é o mais antigo da nossa cidade. Andámos na Escola da Estação e fomos companheiros de carteira e fiz questão de lhe prestar o auxílio moral que um recruta sempre precisa e ao perguntar-lhe como se sentia quando pela manhã se deparava com aquela barafunda de centenas de homens todos apressados por se despacharem rapidamente me respondeu: - Às seis e meia toca a corneta e o Pardal sem rabo, ressuscitado, até parece que tem raiva a quem dorme. Toca, toca que é um consolo, ou será o Dadá, que diz :- Vou lá eu que sou "vonveiro".
Grande amigo, o Canhoto, que um dia que comeu um prato de canja de galinha num restaurante perto de Coimbra, chamou a moça que o serviu e lhe perguntou: -Ó menina, quantos corações tem esta "Pita"? E a moça sem compreender lhe respondeu: -Que língua fala o Senhor? Jamais ouvira chamar "Pita" à galinha.
A minha mãe e o Canhoto eram da mesmíssima procedência, do Bairro ao qual tanto amavam e ao qual, cantava assim: -Já não passo além da Ponte / De madrugaaada /Já não passo a ponte além / De madrugaaada / Já se murcharam os cravos / De madrugaaada / Na janela do meu bem / De madrugaaada/ ...
Na minha recordação que tem sempre em primeiro a mulher que me concebeu, me deu à luz e me educou, há ainda muitas outras estórias para contar. Termino com uma, de uma espanhola que ela sempre contava pois adorava a forma pronta como o avaro deu o dito por não dito quando ela ripostou à negativa de estar dormindo.
Ramón, já dormes?  Inda non! Então empresta-me um tostón... já durmo, já durmo !!!




Bragança 04/ 08/2019
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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