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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Os Carris também têm Memória

 O futuro, esse, é paradoxal. Os mesmos autarcas que não promovem a mais basilar discussão sobre a ferrovia no território, são os mesmos que “exigem” que o Governo central construa uma nova via do Porto a Bragança e à linha de Alta Velocidade de Madrid à Corunha, e os mesmos ainda que promovem a ocupação do canal ferroviário de todas as vias férreas com ecopistas.

Completam-se hoje 29 anos sobre aquela que passei a tratar como “A Noite do Roubo”, um dos mais infames episódios da História Ferroviária Portuguesa. Numa operação de 12 mil contos, que a imprensa brigantina carimbou de “acto de pirataria”, a CP recolheu na estação de Bragança uma locomotiva e várias carruagens, que depois transportou para Mirandela… em camiões.

Vivia-se a incerteza sobre o futuro da Linha do Tua entre Mirandela e Bragança, depois do descarrilamento de Dezembro de 1991 em Sortes, e a suspensão do tráfego ferroviário nesse troço de 80 km. Enquanto se empurrava para a frente qualquer decisão oficial, a CP negociava com os ferroviários adstritos a Macedo de Cavaleiros e Bragança a sua migração para outras estações, ou o despedimento.

Tudo culminou na noite de 13 para 14 de Outubro de 1992, quando vários camiões surgiram sub-repticiamente pela manhã na periferia de Bragança, suscitando de imediato o alarme popular, e executando a complicada operação só a coberto da noite – mas certamente já não a coberto do incógnito pretendido, no meio de um até hoje inexplicável apagão nas telecomunicações. A via permitia perfeitamente a circulação de material circulante, pelo que esta temeridade maquiavélica só encontrará um vislumbre de lógica no facto de, nesse interregno, a população ter barrado tanto a via como os autocarros de substituição com toros de madeira e reboques agrícolas, em Salsas e nos Cortiços. Afinal de contas, até os brandos costumes têm limites, quando se é vilipendiado de forma desavergonhada.

Apesar de ser o seu capítulo mais negro, a história do desmantelamento quase total da ferrovia em Trás-os-Montes é rica em episódios de um Estado que onde não foi tirano, foi negligente. A forma como as Linhas do Sabor, Corgo e Tâmega foram também elas eliminadas, nesses tempos como nos mais recentes, partilha os mesmos procedimentos: vias degradadas, velocidades reduzidas, horários desajustados, material circulante envelhecido, promessas ocas de reabertura, carris vorazmente levantados. Dois distritos inteiros ficaram subjugados à rodovia, encarecendo tanto a circulação de matérias primas e produtos, como de pessoas.

O futuro, esse, é paradoxal. Os mesmos autarcas que não promovem a mais basilar discussão sobre a ferrovia no território, são os mesmos que “exigem” que o Governo central construa uma nova via do Porto a Bragança e à linha de Alta Velocidade de Madrid à Corunha, e os mesmos ainda que promovem a ocupação do canal ferroviário de todas as vias férreas com ecopistas.

Promoção essa que conta com o apoio incondicional da Infraestruturas de Portugal ao mais alto nível, sancionando que se ocupem corredores ferroviários para passeios a pé e de bicicleta, num território pejado de percursos para tal mas a envelhecer e a perder população de forma alarmante, sem sequer se elaborar um estudo de viabilidade da sua reabertura.

A auto-estrada ferroviária de quatro mil milhões de euros, estimativa do estudo publicado pela associação Vale d’Ouro, não é uma via de proximidade, e, portanto, tem uma valência não desprezível, mas também não abrangente. Aliás, o próprio estudo aponta para a necessidade imutável e urgente da reabertura da Linha do Corgo, especificamente. Algo que continua válido e tem sido defendido também para as demais Vias Estreitas do Douro.

Que esta efeméride seja recordada então como o grito que ecoou nas ruas de Bragança nesse ano de 1992: “Queremos o comboio, somos PORTUGUESES!”. Porque não podemos ser escravos da mediocridade alheia, nem hipotecar o futuro dos filhos deste território, que têm direito a ajudá-lo a florescer e a renovar-se.

Daniel Conde

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