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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 17 de julho de 2022

O que procurar no Verão: o ulmeiro

 Carine Azevedo dá-nos a conhecer esta “árvore de muitos nomes”, outra comum e que hoje em dia é cada vez mais rara, cuja protecção é tão importante.

Ulmeiro. Foto: Joanbanjo/Wiki Commons

O ulmeiro (Ulmus minor) é uma das mais belas e mais imponentes árvores de sombra da flora nativa.

Apesar de já ter sido muito comum nas nossas florestas,  a sua área de distribuição natural em Portugal, bem como em todo o Hemisfério Norte, tem vindo a reduzir-se significativamente devido a uma doença conhecida como grafiose.

Capaz de atingir dimensões majestosas, o ulmeiro tem extrema importância como espécie ornamental e é também uma fornecedora de madeira de elevada qualidade.

A família Ulmaceae

O ulmeiro (Ulmus minor) é a única espécie nativa da família Ulmaceae que ocorre em Portugal continental, não havendo qualquer registo da presença natural desta ou de outras espécies da família nos arquipélagos da Madeira e dos Açores.

A família Ulmaceae compreende cerca de 60 espécies, distribuídas por sete géneros botânicos.

Muitas das espécies pertencentes a esta família são altamente valorizadas como ornamentais e são comuns em jardins e parques em Portugal, como por exemplo a zelkova-japonesa (Zelkova serrata), o ulmeiro-do-Cáucaso (Zelkova carpinifolia) e o Olmo-da-montanha (Ulmus glabra), mais em particular a variedade ‘pendula’ – ulmeiro-pendula (Ulmus glabra ‘pendula’).

Estas espécies são reconhecidas como árvores de paisagem. A sua casca e folhagem, com características únicas que as diferenciam de outras árvores, bem como o porte e contorno incomum, conferem-lhes um valor estético e uma beleza únicos.

Outras espécies desta família são reconhecidas como importantes produtoras de madeira de elevada qualidade:

– ulmeiro-inglês (Ulmus minor subsp. minor, anteriormente classificado como Ulmus procera), de madeira forte e durável e resistente à água;

– olmo-de-água (Planera aquatica), de madeira perfumada conhecida como false sandalwood (em português, falso sândalo).

Algumas espécies, como o “thorn-elm” (Hemiptelea davidii), em português olmo-espinhoso, o “indian elm” ou olmo-indiano (Holoptelea integrifolia) e o “Kekélé” (Holoptelea grandis) são reconhecidas localmente, nos habitats naturais, como importantes plantas medicinais.

O ulmeiro

O ulmeiro, também vulgarmente conhecido como olmo, negrilho, lamegueiro, mosqueiro, ulmeiro-das-folhas-lisas ou ulmo, é uma árvore elegante, caducifólia, que pode atingir até 30 metros de altura.

É uma espécie de crescimento rápido e de grande longevidade, que antes da chegada da grafiose podia facilmente viver até aos 600 anos de idade.

É uma árvore de copa muito variável, frequentemente oval ou arredondada ou, por vezes, algo irregular. O tronco é grosso, direito, um pouco sinuoso e escavado nas árvores mais velhas. Os raminhos mais jovens possuem uma casca lisa e cinza-clara, que se torna mais escura, áspera e gretada, às vezes suberosa (cortiça), com a idade.

Folha de ulmeiro. Foto: AnRo0002/Wiki Commons

As folhas são simples, caducas, alternas e ovais. São assimétricas na base, acuminadas na ponta e são curtamente pecioladas. Possuem um tom verde intenso, não têm pêlos, mas são ásperas ao toque, e duplamente dentadas ou serrilhadas na margem. A página inferior é mais clara e pubescente, onde também são bem visíveis as nervuras.

O ulmeiro é uma espécie monóica – as flores masculinas e femininas surgem na mesma planta, agrupadas em inflorescências densas. As flores são muito pequenas e discretas, surgem antes das folhas, no final do outono e no início da primavera. São bissexuais, esverdeadas ou vermelho-escuras e quase não possuem pedicelo.

Os frutos formam-se a amadurecem ainda na primavera, antes do surgimento das primeiras folhas. Surgem reunidos em grupos e parecem pequenas folhinhas. São secos, indeiscentes e monospérmicos e conhecidos como sâmaras.

Flores de ulmeiro. Foto: HermannSchachner

As sâmaras são aladas, achatadas e orbiculares, com uma extensão membranosa em forma de asa, com cerca de sete a 20 milímetros de comprimento, inicialmente de cor verde-clara, por vezes rosada ou avermelhada ao centro, que na maturação se torna bege e transparente, e que circunda a semente que se localiza no terço superior do fruto. A semente também é achatada.

O ulmeiro emite, frequentemente, rebentos de raiz que podem ser transplantados.

Origem e ecologia

O nome do género Ulmus corresponde à designação latina dada pelos romanos às árvores do género e que possivelmente deriva do celta elm ou ulm = olmo.

O epíteto latino minor significa “menor”, em referência ao facto desta ser a espécie de Ulmus que apresenta as folhas de tamanho mais reduzido, comparativamente às suas congéneres europeias.

Esta árvore é uma espécie nativa da Europa, do oeste da Ásia e do noroeste de África.

Ulmeiro. Foto: Threecharlie/Wiki Commons

Não é consensual que se trate de uma espécie autóctone em Portugal Continental, havendo alguns autores que defendem que é um arqueófito, introduzido na proto-história. No entanto, para muitos outros autores, esta é, sem dúvida, uma espécie nativa, que ocorre de forma natural um pouco por todo o território continental, sendo mais predominante a norte do Tejo.

É uma espécie de luz, que também se pode desenvolver em ambientes de meia-sombra. É bastante exigente em água, sendo comum próximo da margem de cursos de água, em locais frescos, solos húmidos e profundos, preferencialmente ricos em nutrientes, muitas vezes em associação com salgueiros, choupos e freixos.

Por outro lado, é uma árvore tolerante à poluição atmosférica, tolera todo o tipo de solos, adaptando-se bem, até em solos pobres, e é relativamente resistente ao frio e ao calor.

O ulmeiro constitui um recurso ecológico muito importante, já que atrai inúmeros insectos, especialmente lepidópteros, que dele se alimentam, como é o caso das larvas e lagartas jovens de “Lesser-spotted Pinion” (Cosmia affinis), de “Clouded Magpie” (Abraxas sylvata) e de “Light Brocade” (Lacanobia w-latinum), entre outras. Existem mais de 80 espécies de insetos associadas a esta árvore.

Borboleta malhadinha (Pararge aegeria) nos frutos de um ulmeiro. Foto: Bernard DUPONT/Wiki Commons

É também a árvore eleita pelas cegonhas-brancas (Ciconia ciconia) para a construção de ninhos.

A polinização desta espécie é anemófila, ou seja, o pólen é transportado pelo vento e é auto-incompatível – incapaz de se autofecundar, logo tem de ocorrer uma polinização cruzada para que ocorra a fecundação. A dispersão das sementes também é feita pelo vento.

Madeira à prova de água e resistente ao apodrecimento

O ulmeiro é utilizado, desde o tempo dos romanos, como ornamental e como árvore de sombra, sendo comum ao longo de estradas, em parques e jardins urbanos. Estas árvores são também uma boa alternativa como “corta-ventos” ou como separadores de terrenos, em zonas rurais.

A madeira é de boa qualidade. Tem uma coloração clara e avermelhada, é fácil de trabalhar. É bastante resistente à deterioração da água, sendo por isso muito comum a sua utilização no fabrico de peças que tenham de estar submersas. É usada em carpintaria, marcenaria, construção naval, utensílios de cozinha, pavimentos e indústria.

As folhas jovens podem ser consumidas frescas ou cozinhadas como hortaliças, tanto em sopas como em saladas, ou usadas para chá. Os frutos, de sabor agradável e fresco, podem ser consumidos logo após a sua formação. Da casca pode obter-se farinha.

No passado as suas folhas serviram de alimento ao gado suíno e bovino, sobretudo na época de escassez de pasto ou na forma de forragem para o inverno.

Registos etnobotânicos apontam algumas virtudes e usos na medicina tradicional desta espécie.

A casca é rica em taninos e possui propriedades adstringentes e sudoríferas, e terá sido empregue no tratamento de solturas crónicas e inflamações intestinais e sob a forma de pomadas para lavagem e tratamento de feridas e ulcerações cutâneas e das mucosas.

O ulmeiro e a grafiose

Embora o ulmeiro seja tolerante a condições ambientais desfavoráveis, é uma árvore sensível a uma série de doenças causadas por vários agentes patogénicos.

A grafiose, também conhecida como Doença Holandesa do Ulmeiro (DED – Dutch Elm Disease, em inglês), por ter sido primeiramente detectada na Holanda, é uma dessas doenças, que tem afectado drasticamente as populações naturais, impedindo o seu cultivo, ameaçando esta e outras espécies do género de uma possível extinção.

Esta doença é provocada por fungos (Ophiostoma ulmi ou Ceratocystis ulmi) que são transportados por insetos escolitídeos, nomeadamente, larvas de escaravelhos do género Scolytus spp. (ex.: o “European elm bark beetle” (Scolytus multistriatus) e o “Large Elm Bark Beetle” (Scolytus scolytus)) que se alimentam da madeira destas árvores. O fungo desenvolve-se e coloniza os vasos xilémicos destas plantas, dificultando a ascensão da água e de sais minerais (seiva bruta), acabando por bloqueá-los na sua totalidade.

Quando completam o seu desenvolvimento, os insectos deslocam-se para outros ulmeiros, transportando consigo os esporos destes fungos que irão provocar novos ataques e afetar novas árvores.

Esta doença foi descrita pela primeira vez em 1919, e ao longo do século passado matou milhões destas árvores um pouco por todo o mundo.

Nos anos 20 do século passado, logo após a identificação da doença, iniciaram-se alguns programas de conservação do ulmeiro, quer na Europa como na América do Norte, de forma a preservar a maior variedade possível de ulmeiros nativos e obter indivíduos tolerantes e mais resistentes à doença.

A poesia e o ulmeiro

O ulmeiro é sem dúvidas uma árvore com significado no nosso país, marcou muitas gerações e inspirou muitos escritores. O poeta Miguel Torga, no seu poema “A um negrilho”, homenageou um antigo ulmeiro que existia em São Martinho de Anta, terra onde nasceu:

A um negrilho

Na terra onde nasci há um só poeta.
Os meus versos são folhas dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos,
É ele que me revela o mundo visitado.
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado
É nos seus olhos que se vê pousada.
Esse poeta és tu, mestre da inquietação
Serena!
Tu, imortal avena
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho.
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!

in « Antologia Poética », 5a ed., Dom Quixote, 1999.

O “Atlas das Paisagens Literárias de Portugal Continental” também fez a ligação entre Torga e o ulmeiro.”

O Nobel da literatura, José Saramago, faz, igualmente, referência a esta árvore no seu livro “A jangada de Pedra”, de 1986. 

“Quando Joana Carda riscou o chão com a vara de negrilho, todos os cães de Cerbère começaram a ladrar, lançando em pânico e terror os habitantes …”

[…] “Sabia que a vara era de negrilho, Eu de árvores conheço pouco, disseram-me depois que negrilho é o mesmo que ulmeiro, sendo ulmeiro o mesmo que olmo, nenhum deles com poderes sobrenaturais, mesmo variando os nomes, mas, para o caso, estou que um pau de fósforo teria causado o mesmo efeito,”…

Esta árvore de muitos nomes,  outrora comum e que hoje em dia vai rareando, merece toda a nossa atenção e proteção, para que não acabe como uma memória em livros de ficção.

Dicionário informal do mundo vegetal:

Caducifólia – espécie cuja folha cai espontaneamente na estação do ano mais desfavorável.  
Suberosa – que parece o súber – cortiça.
Acuminada – folha cuja ponta é geralmente aguda e mais estreita que a restante parte e com os lados ligeiramente côncavos.
Peciolada – provida de pecíolo.
Dentada – folha provida de dentes mais ou menos perpendiculares à linha da margem.
Serrilhada – a margem da folha é serrada, com dentes muito pequenos.
Pubescente – que tem pelos finos e densos.
Monóica – espécie que apresenta flores femininas e masculinas separadamente na mesma planta.
Inflorescência – forma com as flores estão agrupadas numa planta.
Bissexual – hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).
Pedicelo – “pé” que sustenta a flor.
Indeiscente – fruto que não se abre naturalmente quando maduro, não libertando as sementes.
Monospérmico – fruto que possui apenas uma semente.
Sâmara – fruto seco, indeiscente e monospérmico, semelhante ao aquénio, mas com asa membranosa, alada.
Alada – apresenta uma estrutura específica – asa – que auxilia a dispersão pelo vento.
Orbicular – com formato ou contorno circular ou quase.
Autóctone – diz-se do taxon originário de uma determinada zona = espontâneo, indígena, nativo.
Taxon (no plural taxa) – nível taxonómico de um sistema de classificação científica de seres vivos (Ex. Família, Género, Espécie, Subespécie).
Arqueófito – espécie exótica cuja sua presença num determinado território depende da ação do homem, e que terá “chegado” em tempos remotos, pelo menos antes do ano 1500.
Proto-História – período intermédio, do desenvolvimento da humanidade, entre a Pré-História e a História. 
Polinização anemófila – realizada pelo vento.
Auto-incompatível – incapaz de se autofecundar.
Polinização cruzada – fecundação de uma flor pelo pólen de outro indivíduo da mesma espécie ou de espécie diferente.

Carine Azevedo

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