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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

O Linguajar Transmontano

Por: António Pires 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Há coisa de 2/3 meses, foi publicado no Blogue - embora, na ocasião, ainda não fosse colaborador, mas apenas fiel e atento seguidor -, um magnífico texto titulado “Algumas das expressões que só vais ouvir em Trás – os – Montes”.
Por entender que a lista do material linguístico recolhido pelo autor não está, como é normal que assim seja, definitivamente fechada, proponho-me trazer aqui, numa espécie de adenda ao mesmo, um conjunto de palavras e expressões genuinamente transmontanas, que não foram consideradas.
Porque a riqueza da nossa Língua reside precisamente na diversidade dos falares que ela comporta, achei que seria melhor ilustrar estes verdadeiros achados com uma “designação geográfica” mais precisa, para, assim, se fazer a “justiça” de atribuirmos “o seu a seu dono”. 

Palavras e expressões de Vinhais:

1- “Onde ó…”, expressão ouvida na zona da Lomba, com a significação de “perto”, “junto”, é um advérbio de lugar.
Ex. - Onde é a casa do senhor João?”
- É ali, onde ó tanque.

2 – “Bota”, do verbo “botar”. 

3 – “Copanho”, diminutivo de copo (em Vimioso é “copico”).
 As duas expressões no mesmo contexto frásico:
Ex. Botas um copanho? Ou seja: queres beber um copo?

4 – “Catchaquinze”, com sentido de pluralidade, muita gente.
Ex. – Era/estava muita gente na festa?
- Eram mais de catchaquinze!

5 – “Birar” (estou um pouco dividido, mas esta é a minha predilecta), significa uma viagem curta, de ir e vir. 
Ex. – Bamos birar a Bragança?
- Bota lá!

Palavras e Expressões de Bragança:

1 – “Bem m´eu finto” e “ Bô fé l´eu ponho” são duas expressões tipicamente da Vila/Cidadela e do Bairro d´Além do Rio. A primeira, invariavelmente precedida de “bô”, tem o significado de “nessa não acredito eu”, e a segunda, quer dizer “não ligo nada a isso”. 

2 – “Amarrar”, palavra que na dita recolha teve o devido “tratamento”, mas apenas com o significado de “agachar”. Em Bragança, pelo menos a partir da minha geração (anos 80) e até aos dias de hoje, “amarrar” significa beber.
Ex. – Amarras um copo?
Se a pergunta fosse dirigida ao meu vizinho e saudoso Senhor Cunha, da Vila, a resposta seria:
- Sinceramente, até dois!

Palavras e expressões de Vimioso e Miranda do Douro 

1 - “Bôjeira”, é uma interjeição, de espanto. Significa “não me digas!”. Reacção a uma notícia de que não se está à espera.
Ex. – Sabias que os vizinhos da frente se separaram?!
- Bôjeira!

2 – “Lafrau”. Esta palavra tem, nestes dois concelhos do Planalto Mirandês, um significado diverso da entrada lexical disponível nos dicionários. “lafrau” não é usado no sentido depreciativo, mas com a conotação de “carinhoso” malandreco.
Ex. Tu saíste-me cá um lafrau! Ou seja, ….uma boa peça!

3 – “Fuínha”. Dicionarizada como “pequeno mamífero carnívoro, em Vimioso e Miranda do Douro tem o significado de “unhas de fome”, “forreta”.

4 – “Matcho”. Palavra que, sendo, nestes dois concelhos, produzida foneticamente como uma consoante “africada”, tem a dupla significação de animal mamífero, do sexo masculino, da família dos solípedes, e de indivíduo moralmente pouco recomendável. Para a segunda acepção:
Ex. Esse (a pessoa de quem se fala) é bô matcho! Ou seja, “bô matcho” quer dizer má pessoa, alguém que não presta.

5 – “ Matchutcho”. Finório, a dar para o chico – esperto.
Ex. Não vás na conversa do gajo, que ele é matchutcho.

6 - “Ácerta”. Significa “isso é verdade”, “não haja dúvida”.

7 – “ tir-te daí”. Quer dizer “sai da frente”, quando alguém está a estorvar.

8 – “ Estorbilho”, alguém que incomoda, que faz estorvo.

9 - “Quem quer ó diz”, expressão que remete para uma verdade incontestável, facilmente acete por todos.
Ex. – Que jeito dava agora uma chuvinha, p´rás castanhas!
- Quem quer ó diz.

10 – “Em/im comendo”. É uma expressão deliciosa, usada frequentemente pela minha querida mãe, com a vetusta e respeitável idade de 90 primaveras. É um advérbio de tempo, com o significado de “depois de”.
Ex. – Mãe, quando vamos às compras?
- Em comendo, filho. Ou seja, depois de comer.

11 – “Estou comida”. Esta expressão, com o significado de “já comi”, apenas proferida por alguém natural de Vimioso, é digna de almanaque.  Porque, nas mentes mais perversas, pode assumir uma certa conotação sexual, tornar-se embaraçoso para quem a verbaliza. O maior poeta português vivo, Joaquim Barreiros, era menino, se a conhecesse, para fazer um “arranjinho musical”.
No café:
Ex – Lurdes, come aqui uma torradinha comigo, antes de irmos trabalhar.
- Agradeço, mas já estou comida. A Lurdes quis dizer que tinha comido em casa, antes de sair.

12 – “Por mor”. Complemento circunstancial de causa.
Num contexto familiar, em que o filho não se portou nada bem, e o pai teve a coragem do desarmar com um firme e inegociável Não.
Ex. – Só por mor da teima, hoje não vais sair. 
Ou numa situação imprevista:
Ex – Demorámos mais um bocadinho, por mor da chuva. 

Palavras e expressões muito comuns em todo o nordeste transmontano.

1 - “Num”.  Sem qualquer rigor científico, atrever-me – ia a dizer que se trata (a origem) do advérbio interrogativo latino “acaso” ou “porventura”, em que do resultada da pergunta se espera uma resposta negativa.
Ex.- Num biste o Zé?
- Olha que já estou aqui há mais duma hora, e não o bi.

2 - “A maneira de dizer as horas”, comum a todo os transmontanos, a que o autor do meritório trabalho não atribui nem “compreende” a origem da preposição “as”. Como quase toda a região transmontana (mais numas zonas do que noutras) é fronteiriça, é normal que muitas das nossas expressões, na oralidade, tenham influência ou do galego ou do castelhano. A frase “são as três da manhã” é “recalcada” dos nuestros hermanos, porque eles respondem, à pergunta “ qué hora es?”, “son las tres de la mañana. 
O mesmo vale para a transmontaníssima expressão “ bou-me a comer”, “bou-me a tomar banho”, “bou - me a trabalhar”…….., correspondentes, no país vizinho, ao “ me voy a comer”, “me voy a duchar” e “ me voy a trabajar”.

 3 – O uso da mais produtiva das figuras de retórica, a Litote(s) (formulação duma ideia, através da negação do seu contrário). Embora seja “património” de todo o país, é em Trás- os-Montes que a junção do eufemismo com a ironia se ouve com mais frequência.
Ex. Olha que o vinho não está nada mau! Quer dizer, está bom.
Ou:
Ex. O Mário não é mau rapaz. Ou seja, é bom rapaz, boa pessoa.

Para terminar, uma nota que devemos reter: a Língua não é feita pelos gramáticos, nem pelos lexicólogos, mas pelos falantes. Aos primeiros apenas compete registar os fenómenos linguísticos. Ou seja, na oralidade (que é disso que estamos a falar) é incorrecto dizer que, por exemplo, em Lisboa se fala melhor do que em Mirandela, ou que em Coimbra se fala melhor do que na Madeira. Na oralidade – principalmente quando se trata destes “tesouros” de valor incalculável - há uma espécie de “mercado livre”, saudavelmente “desregulado”, em que não existem agramaticalidades.

António Pires

António Pires
, natural de Vale de Frades/S. Joanico, Vimioso.
Residente em Bragança.
Liceu Nacional de Bragança, FLUP, DRAPN.


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