Eles são os dois polos sobre que gira a imaginação popular, quando tem de se haver com o sobrenatural. Obviamente, a superioridade de Deus não é posta em causa, mas, pelo sim pelo não, trata-se o Diabo com certa deferência, porque este, como potência capaz de obrar prodígios, é quase visto como uma alternativa para suprir Deus quando Deus não responde a rogos humanos. Não lhe é propriamente prestado culto, mas tão-pouco convém hostilizá-lo e há mesmo um lote de provérbios que põem em evidência os préstimos do Diabo.
Por exemplo, este, que diz abertamente, tentando conciliar as duas potestades: “Deus é bom, mas o Diabo também não é mau.” Em terras de Vinhais, diz-se: “O Diabo também tem horas boas”. E outro rifão sugere que não será mal ”acender uma vela a Deus e outra ao diabo”. Porquê? Porque convém “andar de bem com Deus e com o diabo; com Deus, para que ajude; com o diabo, para que não estorve.” Outros provérbios ainda confirmam esta visão meio apaziguadora do Diabo: “O diabo é menos preto do que o pintam” e “O diabo não está sempre atrás da porta”. O povo até lhe confia o papel que foi de Salomão, no dirimir de pleitos, e, quando uma opção está difícil de tomar, ou quando a não queremos tomar, dizemos: “Entre os dois (ou as duas coisas em confronto), venha o diabo e escolha.” (Obviamente, levados nesta onda de abonações do Diabo — que, note-se, nenhum tratado de teologia autoriza — aqui estamos já a entrar no campo da fantasia estreme. Mais um passo e estávamos a exigir a canonização do Diabo... Este “entre os dois, venha o diabo e escolha”, o que realmente quer dizer é que ambos são igualmente ruins.)
Para reforçar esta crença no Diabo como um quase sucedâneo de Deus, outro provérbio diz: “O que não dá Deus em dentes, dá o Diabo em gola.” Isto é: o Diabo emenda as omissões de Deus.
Vejamos até que ponto esta visão do Diabo repercute na conta que se segue, em que um homem em dificuldades recorre com êxito ao Diabo, depois de ter recorrido debalde a Deus. A conta foi também recolhida pelo incansável Alexande Parafita, que lhe deu o título de “O diabo à porta do cemitério”.
Um homem ao passar, a altas horas da noite, à porta de um cemitério encontrou vários vultos a embogar-se [= espojar-se]. Como não era homem de grandes medos, aproximou-se para ver se conhecia alguma daquelas pessoas, e nesse momento uma voz, vinda do meio delas, disse-lhe:
− Segue o teu caminho!
Mas o homem não se amedrontou e quis saber o que é que ali se passava. Aproximou-se ainda mais, e, de repente, apanhou um murro com tanta força que caiu estendido no chão, onde ficou sem poder levantar-se. Quanto mais tentava erguer-se, menos forças tinha, e por isso não havia meio de sair dali.
− Deus me ajude! − rogou o homem.
Mas de nada lhe valeu o apelo. Por fim, já desesperado, gritou:
− Pois se Deus não me ajuda, que me ajude o Diabo!
Mal acabou de dizer estas palavras, ergueu-se e foi à sua vida. E seguiu tão ligeiro que já nem vontade teve de saber quem é que, afinal, estava ali a embogar-se.
Por exemplo, este, que diz abertamente, tentando conciliar as duas potestades: “Deus é bom, mas o Diabo também não é mau.” Em terras de Vinhais, diz-se: “O Diabo também tem horas boas”. E outro rifão sugere que não será mal ”acender uma vela a Deus e outra ao diabo”. Porquê? Porque convém “andar de bem com Deus e com o diabo; com Deus, para que ajude; com o diabo, para que não estorve.” Outros provérbios ainda confirmam esta visão meio apaziguadora do Diabo: “O diabo é menos preto do que o pintam” e “O diabo não está sempre atrás da porta”. O povo até lhe confia o papel que foi de Salomão, no dirimir de pleitos, e, quando uma opção está difícil de tomar, ou quando a não queremos tomar, dizemos: “Entre os dois (ou as duas coisas em confronto), venha o diabo e escolha.” (Obviamente, levados nesta onda de abonações do Diabo — que, note-se, nenhum tratado de teologia autoriza — aqui estamos já a entrar no campo da fantasia estreme. Mais um passo e estávamos a exigir a canonização do Diabo... Este “entre os dois, venha o diabo e escolha”, o que realmente quer dizer é que ambos são igualmente ruins.)
Para reforçar esta crença no Diabo como um quase sucedâneo de Deus, outro provérbio diz: “O que não dá Deus em dentes, dá o Diabo em gola.” Isto é: o Diabo emenda as omissões de Deus.
Vejamos até que ponto esta visão do Diabo repercute na conta que se segue, em que um homem em dificuldades recorre com êxito ao Diabo, depois de ter recorrido debalde a Deus. A conta foi também recolhida pelo incansável Alexande Parafita, que lhe deu o título de “O diabo à porta do cemitério”.
Um homem ao passar, a altas horas da noite, à porta de um cemitério encontrou vários vultos a embogar-se [= espojar-se]. Como não era homem de grandes medos, aproximou-se para ver se conhecia alguma daquelas pessoas, e nesse momento uma voz, vinda do meio delas, disse-lhe:
− Segue o teu caminho!
Mas o homem não se amedrontou e quis saber o que é que ali se passava. Aproximou-se ainda mais, e, de repente, apanhou um murro com tanta força que caiu estendido no chão, onde ficou sem poder levantar-se. Quanto mais tentava erguer-se, menos forças tinha, e por isso não havia meio de sair dali.
− Deus me ajude! − rogou o homem.
Mas de nada lhe valeu o apelo. Por fim, já desesperado, gritou:
− Pois se Deus não me ajuda, que me ajude o Diabo!
Mal acabou de dizer estas palavras, ergueu-se e foi à sua vida. E seguiu tão ligeiro que já nem vontade teve de saber quem é que, afinal, estava ali a embogar-se.
(Continua.)
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