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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Carlinhos da Sé e do Bairro São João de Deus! - Parte I

 A 10 de setembro de 1986, o Carlinhos desapareceu das vistas e dos dias. Inquieto na manhã desse dia, rezou na linha (hoje Av. Sá Carneiro), voltado para São Bartolomeu, como lhe era hábito. Depois, quando o sobrinho Zé saía para o trabalho disse-lhe que ia ter com a morte. «E tu a dar-lhe Carlos, sossega homem». E foi. Na noite daquele dia foi avistado em Castro Avelãs, a passar a ponte de Ariães e subir Formil acima. A família procurou e desesperou, o Bairro questionava-se e as autoridades intrigavam-se. Falava-se da Serra da Nogueira, onde as novenas tinham terminado dois dias antes, sem a sua presença. Foi passada a pente fino. Ter-se-ia perdido pela floresta e sido atacado pelos lobos, ou morrido de frio no Inverno que se assomava? O mistério permaneceu e passados meses as autoridades, à míngua de pistas, deram o caso como encerrado e o Carlinhos como desaparecido em parte incerta. O semanário Mensageiro de Bragança noticiou: «desapareceu João Carlos Pereira, figura muito conhecida em Bragança pelo nome de Carlinhos da Sé».
Na cidade o desaparecimento foi lamentado, a Praça da Sé, coração de Bragança, foi definhando com a perda do seu filho dileto e o encerramento do Snack-Bar Cruzeiro, e até as paredes da igreja entraram em pranto. Passou-se ano e meio até que, a 29 de Abril de 1988, foi encontrado um esqueleto na Serra. A GNR acorreu ao local e depois a família, que identificou o cadáver. Estava próximo da casa do guarda, numa ravina coberta de matagal, em direção a uma linha de água, no que parecia um sarcófago paleolítico. De novo o semanário Mensageiro de Bragança informava: «foi encontrado o esqueleto do Carlinhos da Sé, perto da aldeia de Formil, numa zona de difícil acesso. Foi um guarda-florestal que fez a descoberta. Pelas roupas foi possível identificar o cadáver». Há coisas inacreditáveis: Três pedras grandes definiam uma espécie de Dólmen, aconchego de um esqueleto intacto, deitado e vestido, em repouso na mansão dos mortos; uma camisa aos quadradinhos, por baixo de uma grossa camisola de lã, agasalhava o tronco, e calças com cinto castanho a rodear as presilhas; os ossos dos pés tinham uns quantos pares de meias a servir de aconchego; o casaco estava pendurado numa fenda da rocha e as sapatilhas alinhadas numa pequena plataforma; o boné repousava ao lado do corpo. Estava tudo em boa ordem. Pendurado no pescoço, o sempre presente crucifixo da avó Inês, no bolso do casaco a célebre meia de lã, pesada de moedas, e no das calças uma carteira de plástico com uma nota de 100 escudos do Camilo e uma de 50 escudos da Rainha Santa Isabel. E a sua navalhinha, claro.
O Carlinhos padeceu naquele local porque para ali foi chamado por vontade Divina. Na sua hora, o corpo foi depositado na Terra e a alma subiu ao Céu, em paz e perfeito sossego. Deus depositou-o dignamente, beijou-lhe a fronte, confortou-o e acolheu-o no Seu Reino. O Carlinhos era um inocente e um puro de coração, e se Deus ainda nos mantém ligados à Terra aos Carlinhos deste mundo se deve! Os restos mortais foram levados para a Igreja da Sé e ali foi velado. Não há memória de um funeral tão concorrido em Bragança. Novos e velhos, ricos e pobres, homens e mulheres, da cidade e das aldeias acorreram a prestar a última homenagem ao icónico conterrâneo. A celebração da Missa de corpo presente foi feita pelo cónego Luís Ruivo, coadjuvado pelo primo, o padre António. Uma missa que durou hora e meia e onde o elogio feito pelo celebrante lembrou a graciosidade e simplicidade do Carlinhos, a carismática figura de um brigantino de referência e a devoção e pobreza de um irmão de São Francisco. O próprio cónego Ruivo recordou, nessa altura, uma história pessoal: saiu um dia da igreja da Sé e encontrou o Carlinhos encostado nas arcadas, que lhe disse: “o sôr cónego já comeu o mata-bicho? Nã me parece, venha daí comigo ao Poças que eu lho pago, co corpo tamém precisa de alimento”.

… Continua no próximo número …

Abílio Lousada

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