É o primeiro volume do projeto “Tesouros da Memória”, onde são reproduzidas “lendas de lugares, de capelas, alminhas e cruzeiros, milagres, aparições da Virgem, tesouros em ruínas de castros e castelos, mouros guerreiros e mouras encantadas, lobisomens, bruxas, almas penadas, trasgos - duendes da versão transmontana, associados a almas de crianças que morreram sem receber o batismo - e demónios”, explicou o autor à Lusa.
“Este trabalho tem a ver com este tempo de globalização em que as identidades estão a esvair-se. Entendo que resgatar os tesouros da memória é uma obrigação das sociedades modernas”, considerou Alexandre Parafita.
Desde há 20 anos, com mais intensidade nestes últimos, tem ido junto dos mais velhos das comunidades rurais, que apelidou de “narradores da memória", para recolher e compilar a sabedoria popular. Sem conseguir precisar um número, serão cerca de 50 os idosos que deram contributo para este livro.
Os contos e lendas que circulavam na tradição oral, agora em papel, traduzem épocas específicas da sociedade e vão variando em cada região consoante “os seus interesses culturais, as suas preocupações com o sobrenatural ou de sobrevivência”, sempre com “mensagens úteis” na dicotomia entre o bem e o mal, detalhou Alexandre Parafita.
Por isso, são acompanhados de um estudo histórico-antropológico. “O livro tem uma componente introdutória, em que faço a análise para que quem for ler as narrações perceba qual a posição que o leitor deve assumir perante elas”, partilhou o investigador.
Além disso, é possível identificar matrizes nestas narrativas comuns a outros países.
Alexandre Parafita relembrou os registos do escritor e etnógrafo Trindade Coelho, nascido em Mogadouro em 1861.
“Era menino [Trindade Coelho] quando ouvia aos seus avós os contos tradicionais [transmontanos] e ele próprio testemunha que conhecia as versões primitivas dos contos que os Irmãos Grimm publicaram na Alemanha uns anos antes”, disse Alexandre Parafita, acrescentando que ainda hoje há versões relatados por pessoas iletradas dos meios rurais.
“Como é que uma lenda que fala de um Olharapo - correspondente a um cíclope da mitologia grega - viajou da Grécia Antiga até a uma aldeia pequenina de Trás-os-Montes?”, lançou Alexandra Parafita para responder em seguida.
As peregrinações a Santiago de Compostela, que eram “uma espécie de globalização dos nossos dias”, com gente de todo o mundo, pode ajudar a quebrar o mistério.
“As pessoas tinham que se alojar, por exemplo, na aldeia de Vilar de Peregrinos, em Vinhais. Paravam, muitas vezes, semanas. Bastava vir alguém doente na comitiva”, contou o autor, explicando que os peregrinos deixavam e levavam narrações partilhadas nessas viagens e que chegaram à atualidade.
Alexandre Parafita é investigador do Centro de Estudo de Letras da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, onde se insere este trabalho, e professor na Universidade Lusófona. Tem perto de 60 títulos publicados, entre o património cultural e imaterial, literatura infantil, ficção ou poesia.
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