Nas aldeias do interior, o isolamento é já uma característica bem assente e até aceder a pequenos serviços, como cabeleireiros, pode ser um grande problema. Mas isso mudou. Se os idosos não podem ir até ao salão de beleza, o salão de beleza vem até si. Como? Através da unidade móvel de beleza da Santa Casa da Misericórdia de Vila Flor. Não é nada mais, nada menos, que uma carrinha ambulante, que circula pelas aldeias do concelho e fornece serviços aos utentes do apoio domiciliário. Na aldeia de Samões, Manuel Morais ficou a saber do serviço através da sua irmã. Sabendo que podia cortar o cabelo sem ter de sair da localidade não quis perder a oportunidade e ainda levou consigo outro irmão. “Aqui estamos dentro de casa. É muito mais fácil”, disse, acrescentando que gosta sempre que lhe “dêem uma ‘despontadela’ no cabelo para descobrir um bocadinho as orelhas”. Com 60 anos, admite que esta é também uma forma de “passar o tempo” e reconhece que o serviço é “bom”. Por isso, voltar a usar a unidade móvel é uma certeza. “Quando voltarem, venho sempre”, vincou, referindo que confia no trabalho da cabeleireira. João Gonçalo também promete voltar.
Tem 72 anos e, tal como Manuel Morais, usou, pela primeira vez, na semana passada, a unidade móvel de beleza. Contou que costuma cortar o cabelo “sozinho” em casa ou ir à vila, mas com o serviço à porta, o caso muda de figura. “Fica aqui perto”, afirmou, salientando que sempre que a carrinha por ali passar, aproveita para usufruir. Cortar cabelo, fazer a barba, arranjar as unhas, tudo é possível na unidade móvel de beleza. Os utentes só têm de confiar em Cláudia Macedo. Nunca tirou o curso de cabeleireira, aprendeu sozinha a cortar cabelo. Os utentes não se queixam e os bons resultados estão à vista. “A reacção tem sido boa, mais nas mulheres do que nos homens. Estão a achar engraçado, porque é uma coisa nova e não têm de estar a sair da zona de conforto para se porem bonitos”, disse. Uma vez que algumas pessoas têm mobilidade reduzida e a falta de transportes públicos é um problema, a funcionária da Misericórdia de Vila Flor admite que é uma mais-valia. E enquanto vai cortando o cabelo, a conversa vai sendo posta em dia. “Acabo por conhecer um bocadinho a vida de cada um, porque eles vão falando e perguntam-me também de onde sou. Ainda agora aconteceu com estes senhores, estivemos aqui a confraternizar um bocadinho, mas nas mulheres noto alguma diferença”, contou.
Por vezes, o papel de cabeleireira fica até de lado e activa-se a profissão de ouvinte, porque mais do que levar um serviço à população, é também uma forma de combater o isolamento de quem vive sozinho ou afastado do centro urbano. “Acabamos por passar aquele bocadinho, as pessoas acabam por falar comigo coisas que não falam com outras pessoas, porque estamos só os dois e desabafam sobre os filhos”, revelou, salientando que os utentes se “sentem bem” e ela “também”. Cerca de 150 pessoas, de todas as aldeias do concelho de Vila Flor, usufruem deste serviço. A carrinha funciona todos os dias úteis e desloca- -se às localidades conforme as necessidades. A unidade móvel de beleza faz parte de um projecto da Santa Casa da Misericórdia de Vila Flor que foi candidatado a um programa da Altice e que acabou por ser aprovado. A compra da viatura e a sua adaptação custou cerca de 60 mil euros e foi financiada a 50%. A ideia já surgiu antes da pandemia, mas devido à situação a carrinha não pôde fazer o seu trabalho e só recentemente o serviço retomou.
De acordo com o provedor da Misericórdia de Vila Flor, Quintino Gonçalves, surgiu a “pensar no isolamento das pessoas” e com o objectivo de “estar o mais próximo possível das necessidades das pessoas”. “As pessoas estão nas aldeias, os meios de transporte são cada vez mais escassos, a não ser o táxi, e nós temos essa possibilidade de o fazer, uma vez que trabalhamos em rede”, explicou. O provedor disse estar a haver uma “grande adesão”, visto que as pessoas já não têm de fazer deslocações e, no caso, de terem pouca mobilidade, o serviço é mesmo feito em casa. Quintino Gonçalves adiantou ainda que durante este mês, será gratuito, “até porque é uma época natalícia” e que a partir do momento que terá que ser pago, o preço será “muito reduzido”. “Um corte de cabelo que custe entre 8 a 10 euros, no nosso caso ficará em metade”, disse.
No próximo ano, pretendem que o serviço seja alargado a outras pessoas, além dos utentes do apoio domiciliário. “Claro que os utentes que estão em acordo terão outras regalias que não terão as outras pessoas, até porque não é objectivo da Misericórdia fazer concorrência comercial seja a quem for”, frisou.
Compras e medicamentos em casa
A partir do próximo ano, a Santa Casa da Misericórdia de Vila Flor vai ainda prestar outros apoios ao domicílio, com a entrega de medicação ou até mesmo mercearia. “Há cada vez mais pessoas isoladas, uns não têm família de retaguarda, outros terão, mas estão ausentes e encontram-se muito sozinhos e põe-se sempre o problema das deslocações”, vincou o provedor Quintino Gonçalves. A instituição vai receber ainda este mês cinco viaturas elétricas que serão usadas para a prestação destes serviços.
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