Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 12 de março de 2025

Folclore: “Recolher nos documentos”

 As fontes de recolha documentadas são abundantes e, em regra, mais fiáveis do que a transmissão oral. O seu uso não tem sido generalizado por razões diversas e talvez porque, para serem identificadas e extraídas, exigem conhecimentos humanísticos e literacia para interpretar o material recolhido. Em alternativa, as recolhas orais têm sido a fonte quase exclusiva das peças que hoje se representam e apresentam como o folclore do povo português, tomando como certo e com alguma ligeireza que este processo assegura os princípios da pureza e da autenticidade.


Em boa verdade, as recolhas orais também exigem conhecimentos eruditos para serem interpretadas, método para identificar e filtrar as influências e, finalmente, rigor disciplinado para não serem influenciadas pelas vivências actuais e não serem ajustadas às necessidades de quem recolhe. Mas, nesta matéria, tudo o que se possa dizer das recolhas orais, também é exigível quando aplicado às recolhas documentais; para além disso, estas requerem muita leitura, capacidade interpretativa e o ensaio no cruzamento de conclusões, o que são más notícias, porque não há hábito generalizado de leitura, a capacidade interpretativa está a ser destruída pelas programações televisivas (onde o lixo angaria os maiores shares de audiência e fabrica mentecaptos), pelas revistas voyeuristas, pelo consumismo e pelas investidas publicitárias actuais. Para além disso, o método científico não faz parte da formação elementar dos portugueses.

Para além das obras e dos autores básicos da segunda metade do século XIX e do século XX, nas áreas da etnologia, da filologia e da antropologia, temos à disposição diversos cancioneiros de extensão nacional, regional ou local. São fontes de recolha oportuníssimas e credíveis e, na maior parte das vezes, fornecem as contextualizações que nos permitem fundamentar e validar a recolha. Vou indicar apenas alguns exemplos:

José Leite de Vasconcelos (1858-1941) – Fundou a Revista Lusitana que publicou 39 volumes, entre 1889 e 1943 (todos eles disponíveis em versão digitalizada no Instituto Camões), publicou 3 volumes Religiões em Portugal, 8 volumes da Etnologia Portuguesa, outras obras sobre Contos Populares e Lendas e uma vasta plêiade de documentos muito detalhados e disponíveis no Museu Nacional de Arqueologia a quem entregou o seu espólio.

Ernesto Veiga de Oliveira (1910-1990), foi um etnólogo excepcionalmente produtivo que para além da obra editada. Fundou o Museu da Etnologia e o Centro de Estudos de Antropologia Cultural. Dedicou-se de modo particular à inventariação e caracterização de tecnologias tradicionais (moinhos, pisões, espigueiros, alfaias agrícolas, olaria, artes marítimas, etc), mas também sobre instrumentos musicais populares e festividades cíclicas em Portugal entre outras.

Fernando Galhano (1904-1995), foi um artista apaixonado pela etnografia que desenhou com rigor e expressão, desde a arquitectura popular, até às alfaias agrícolas e artefactos, etc. As suas ilustrações são autênticas fotografias com rara minúcia e sensibilidade funcional, fixando expressões e gestos naturais e espontâneos, sem a pose dos estúdios ou dos preparativos que fazem da fotografia um engano frequente.

António Jorge Dias (1907-1973), foi o grande impulsionador do Atlas Etnográfico de Portugal, investigador e autor de outras obras específicas, tal como “Os arados portugueses e as suas previsíveis origens” e trabalhos diversos sobre o comunitarismo e a cultura agro-pastoril em Portugal.

Teófilo Braga (1843-1924), para além de chefe do primeiro governo provisório republicano e 2º Presidente da República portuguesa, publicou um grande número de obras nos domínios da etnologia e da filologia, dos quais se destaca a História da Poesia Popular em Portugal.

No domínio musical, são conhecidas as obras do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende e, na 2ª metade do século XX, o Cancioneiro Popular Português de Michel Giacometti. Todavia, gostaria de realçar a relevância e a utilidade da consulta aos 3 volumes do Cancioneiro de Música Popular, de Cesar das Neves, publicados na década de 90 do século XIX, com letras e música de “…canções, serenatas, chulas, danças, descantes, cantigas dos campos e das ruas, fados, romances, canções políticas, cantilenas, pregões, cantos religiosos de origem popular, cantos litúrgicos popularizados..”. Esta obra com milhares de temas recolhidos por todo o país e editado até 1898, lança luz e permite identificar a origem de muitos dos temas que actualmente enchem os reportórios de centenas de grupos de folclore.

Neste acervo invulgar, nuns casos demonstra-se que os temas possuem autor preciso e identificado, noutros clarifica-se a sua origem anónima e tradicional e descobre-se a evolução provocada em apenas algumas décadas. Em alguns casos, também se descobrem novas fontes de recolha para temas perdidos na falta de uso. Em todos eles se demonstra que as harmonias, os  ritmos e os andamentos agora em voga estão longe, longe, longe dos que o povo gostava e usava há 100 anos atrás.

Para além destas obras de autor, cuja abordagem académica assegura uma robusta honestidade intelectual, valerá a pena que em cada região se tome nota da imprensa periódica local (semanários, quinzenários e mensários), de que a segunda metade do século XIX foi particularmente fértil. As ilustrações são raras, mas a descrição de eventos e episódios é narrada com detalhes preciosos e faz luz sobre hábitos, usos e costumes na respectiva região. Os episódios burlescos e, em particular, a secção dos anúncios comerciais fornecem-nos dados preciosos e surpreendentes, no que respeita ao tipo de comércio da época, aos bens que chegavam até aos locais e como não seria fácil vender o que fosse de produção local.

Também a azulejaria é uma fonte de informação muito rica e fiável. sobretudo quando reproduzem cenas ou pedaços de quotidiano. Em regiões como o vale do Tejo, o baixo Cavado e o baixo Vouga onde a olaria e a produção de painéis pintadoS possuem tradicao e técníca secular.

Fonte: “Dignificar o Folclore”, Manuel Farias (edição e negritos da responsabilidade da Equipa do Portal do Folclore Português)

Sem comentários:

Enviar um comentário