(Colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Já por aqui o trouxe, há mais de 30 anos que, coincidências de percursos, me “dou na catchimónia” de tentar perceber os processos fonológicos, lexicais e gramaticais do «Falar da Minha Avó», ou, na sua peculiar pronúncia, “Falare da nh’ábó”. Ao longo destas mais de três décadas, tenho aprendido imenso, nomeadamente a ouvir pessoas que falam como fazia a “nh’ábó, q’ind’ás hai”! Mas também o tenho feito com insignes linguistas, aqui deixando uma homenagem particular “ó mou” saudoso amigo Amadeu Ferreira, com o qual tanto aprendi, especialmente acerca do «seu Mirandés».
Não deixando de aqui referir ilustres figuras às quais tanto devo acerca dos conhecimentos sobre a evolução das línguas, particularmente no que respeita à disciplina específica da dialectologia, destacando Leite de Vasconcellos, Lindley Cintra, Paiva Boléo, Menéndez Pidal, Joseph Maria Piel, ou, no que respeita à epigrafia, os incontornáveis nomes de José d’Encarnação, Amílcar Guerra ou Armando Redentor. Aqui lhes fica o meu humilde tributo, pelo tanto que com eles aprendi e vou aprendendo.
Entretanto, vão surgindo alguns «entusiastas entendidos», ciosos da sua suprema sabedoria, que nunca vi mencionados em bibliografia alguma, a convictamente afirmarem que, afinal, a Minha Avó Maria falava Galego e não qualquer ramo do Ásturo-Leonês. «Cada cabeça, sua sentença», como diz o soberano Povo… Porém, há um «problema grave»! É que, para perceber o tal de «Falar da Minha Avó», “c’um caralhitchas que ma racosa”, para lá de me expressar, «mais ou menos», na minha/nossa Língua Portuguesa, tive de aprender a expressar-me, «mais ou menos», noutros idiomas, entre os quais o dito Galego! “E num tem u cu a bere co as calças’e”…
Para não entrar no que poderia soar a presunção, lembrei-me de um processo fonológico designado por «metátese». Um fenómeno linguístico que redunda na inversão de letras numa palavra. Como aconteceu, por exemplo, do Latim para o Português, com «feria > feira» ou «semper > sempre». Fenómeno esse que acontece, com bastante vulgaridade no «Mirandés» e no «Falar da Minha Avó», nos quais também me expresso «mais ou menos». E inventei uma frase em Português, para cada um retirar as suas conclusões: «O professor tem um problema que precisa de perguntar ao presidente». Frase esta que, no dito Galego, terá esta escrita: «O profesor ten un problema que precisa preguntarlle ao presidente». É parecido com o nosso Português, afinal são idiomas irmãos, do ramo do Galego-Português. Aqui chegados, verificamos a tal de «metátese», do «perguntar» Português para o «preguntar» Galego…
Processo fonológico também visível no Castelhano, no Catalão e no Asturianu, idiomas nos quais também me expresso «mais ou menos», onde «perguntar» é «preguntar». E, depois, chegamos ao Mirandés, no qual a dita frase se escreve, «mais ou menos», desta forma: «L porsor ten un porblema que percisa de preguntar al persidente». Hum, «porsor», «porblema», «percisa», «preguntar», «persidente»??? “Rais’parta”!!! A finalizar, numa transcrição directa, respeitando, no «Falar da Minha Avó», dois processos fonológicos outros, o da paragoge e o da substituição, sempre que isoladas, ou não no final de palavras, de vogais em sílabas átonas: «U pursore tem um purblema que percisa de préguntare ó persidente».
Hum... «porsor < pursore; porblema > purblema; percisa > percisa; preguntar < préguntare; persidente > persidente»… Tem tudo a ver com o Galego!!! Assim como com o Galego tem a ver esta frase, em «Falar da Minha Avó»: «Stá lá drentu a drumire». Que, no dito Galego, se diz: «Está durmindo aí dentro». E, em Português: «Está lá dentro a dormir». Mas que, em Mirandés, será: «Stá alhá drento a drumir»… Tirem as vossas próprias conclusões... Entre o «dentro» em Galego-Português, o «drento», em Mirandés, e o «drentu», em «Falar da Minha Avó»; ou entre o «dormir», em Português, «durmir», em Galego, «drumir», em Mirandés, e «drumire», em «Falar da Minha Avó»… Conclusão inequívoca dos «entendidos»: a Minha Avó Maria falava Galego… “Pur’i, se calha”… Já cá trarei, proximamente, mais «Galego da Minha Avó»…
Em Mirandés, «çculpen qualquiera cousa»… «zculpim qualquera cousa», no «Galego» da Minha Avó…
(Foto: Georges Dussaud)
Rui Rendeiro Sousa – Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer.
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas.
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana.
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros.
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.

É curioso. “Falare da nh’ábó”. Olha-se para a palavra, ou para a frase, e não se entende de imediato (falo por mim evidentemente), pronuncia-se e EUREKA, é mesmo assim. Como alguém disse em tempos e numa outra sua publicação, uma coisa é falar, incrível mesmo é conseguir transmitir em texto escrito e com este rigor e pormenor. Obrigado amigo Rui.
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