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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

O fogo, a máscara e a dança - Elementos simbólicos que unem o profano e o sagrado


 Desde tempos imemoriais que o ser humano recorreu a rituais para compreender o mistério da vida e o poder da natureza. Entre os gestos, sons e símbolos que atravessaram os séculos, o fogo, a máscara e a dança permanecem como três pilares de uma linguagem ancestral que une o profano ao sagrado, o corpo ao espírito, o homem à divindade. Estes elementos, que encontramos em tradições de todo o mundo e de modo especial nas festas populares portuguesas, falam de um mesmo impulso, o desejo de celebrar, de exorcizar o medo e de tocar, ainda que por instantes, o invisível.

O fogo é o primeiro e mais poderoso desses símbolos. Nas aldeias, nas romarias e nas festas de inverno, o fogo brilha como um coração ardente em torno do qual se reúne a comunidade. O fogo é calor, é luz, é purificação. Desde os antigos rituais pagãos até às festas em honra dos santos, o fogo marcou o renascimento cíclico da vida. As fogueiras de São João, por exemplo, trazem consigo o eco de rituais solares pré-cristãos, onde se celebrava o solstício e se pedia fertilidade para a terra. Saltar a fogueira é ainda hoje um gesto simbólico de coragem e esperança, uma passagem do velho para o novo, uma forma de purgar o mal e renovar a alma.

O fogo é também ambíguo, destrói e cria, consome e purifica. Essa dualidade é o que o torna sagrado e profano ao mesmo tempo. No fogo habita o divino que dá vida e o inferno que a consome. O homem, ao dominá-lo, sente-se próximo dos deuses mas, ao temê-lo, reconhece os seus limites.

A máscara, por sua vez, é o rosto do mistério. Quando alguém se cobre com uma máscara, já não é apenas um homem, é outro, é muitos, é ninguém. Nas festas dos Mascarados de Trás-os-Montes ou nas celebrações do Entrudo, a máscara permite libertar o instinto e dar corpo ao caos, sem que a ordem se perca. Por trás da madeira colorida, do latão ou da cortiça pintada, o indivíduo desaparece e renasce como personagem coletiva, símbolo de forças primordiais que a comunidade convoca para celebrar o ciclo da vida e da morte, do inverno e da primavera.

A máscara oculta, mas também revela. Ao esconder o rosto humano, revela a essência arcaica do ser, aquilo que o tempo e a razão tentam esconder. Nela, o sagrado e o profano dançam lado a lado, o riso, a irreverência e o desejo convivem com o respeito pelo mistério e com a evocação do divino.

E então vem a dança, o movimento que une o corpo à terra e o espírito ao céu. A dança é linguagem universal, anterior à palavra, nascida do impulso de celebrar e de comunicar o inefável. Nos rituais religiosos, ela é oferenda e nas festas populares, é libertação. O corpo que dança entra num estado de transe, num equilíbrio entre o domínio e o abandono. É o momento em que o homem se entrega ao ritmo da vida e, por instantes, sente-se parte do todo.

Nas tradições populares portuguesas, nas danças das máscaras, nos pauliteiros de Miranda, nas rusgas e nos giros, a dança é também uma forma de memória viva. Os passos guardam séculos de história, os gestos repetem os gestos dos antepassados. Dançar é rezar com o corpo, invocar o passado e celebrar o presente.

Quando o fogo arde, as máscaras correm e a dança acende-se, o espaço torna-se ritual. O sagrado e o profano deixam de ser opostos, confundem-se, completam-se. A festa torna-se um teatro cósmico onde os papéis se invertem, o homem brinca com o divino, e o divino parece sorrir ao homem. O riso, o vinho, o som dos bombos e dos ferrinhos, das castanholas, misturam-se com o incenso e as orações, e nessa mistura habita a alma profunda de um povo que soube sempre celebrar a vida sem negar o mistério.

O profano, aqui, não é negação do sagrado, é a sua face terrena. É o modo como o ser humano traduz o transcendente em festa, em carne, em canto e em movimento. Ao redor da fogueira, entre máscaras coloridas e danças vibrantes, o povo reencena os dramas da existência, a morte e o renascimento, a ordem e o caos, a luz e a sombra. Através desses símbolos, o homem compreende que o sagrado não vive apenas nas igrejas ou nos altares, mas também no ritmo do corpo e no calor da comunidade.

O fogo, a máscara e a dança continuam, século após século, a renascer nas festas e tradições. São heranças vivas de uma sabedoria antiga, lembranças de que o homem precisa de rituais para se reconciliar com o mundo. As chamas que se acendem, as máscaras que se vestem e cada corpo que se move ao som do bombo, reafirmam a mesma verdade, o sagrado habita no gesto humano, e que a alegria, mesmo quando profana, é também uma forma de oração.

HM - com IA e IN

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