(Colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Quando catraio era, as festividades do Natal começavam, sensivelmente, uma semana antes do dia 25 de Dezembro. As montras eram iluminadas e enfeitadas com natalícias decorações, e nos «sotos», que centros comerciais não havia, surgiam, para delícia da pequenada, as pistas de carrinhos, os jogos de tabuleiro, especialmente o «Jogo da Glória», as bonecas, e outros adereços mais para aguçar o apetite do Menino Jesus, que o fenómeno do refrigerante com nome de Pai Natal ainda não tinha chegado. Também era hora de ir cometer o sacrilégio ambiental de cortar um «pinheirinho amanhadinho», bem como ir aos sítios do costume em busca do musgo para elaborar o Presépio. Eram outros os tempos do «não consumismo desenfreado». Hoje, pelo andar que a carruagem leva, não tardará muito a estarmos em época estival, e pela praia começar a surgir um «oh, oh, oh» em fato-de-banho encarnado a vender «Bolas do Pólo Norte», ao invés das tradicionais «Bolas de Berlim»… Adiante...
Quem conheça a Bíblia saberá que não há qualquer menção à data do nascimento de Jesus Cristo. E também saberá que, apesar de algumas indicações, não há consenso relativamente à data do seu baptismo no Jordão, por S. João Baptista. E quem esteja efectivamente consciente dos valores do Cristianismo, saberá que o seu grande dogma é a Ressurreição, ou seja, o que festejamos na Páscoa. Essa, sim, era a grande festa dos primeiros cristãos, estabelecida que foi tendo como base o primeiro plenilúnio após o Equinócio da Primavera. Por isso a Páscoa e, consequentemente, o Carnaval, são festas móveis. E aqui incluo o Carnaval ou, mais correctamente, o Entrudo, que o termo Carnaval é uma importação tardia, porque o dito Entrudo, na Idade Média, conjuntamente com o Natal e a Páscoa, até eram as três grandes festas cristãs. Veja-se lá o espanto…
Para os que conheçam os princípios nos quais assenta o Cristianismo, saberá que nunca se festeja a data de nascimento de um santo, mas sim a da sua morte. Aliás, celebrar o nascimento ou, em alternativa, a epifania, eram consideradas, pelos primeiros estudiosos do Cristianismo, manifestações associadas ao paganismo, que esse é que celebrava o nascimento ou a epifania dos seus deuses. Porém, como já por aqui venho trazendo, a Igreja, baseada no princípio de «se não consegues vencer o inimigo, junta-te a ele», começou por celebrar a Natividade na data de 6 de Janeiro, a qual correspondia à Epifania de Dionisos, o deus do vinho. Época na qual a gente se dedicava a estrondosas festas…
Nos primeiros cristãos, embora convertidos, permaneciam arreigados e muito vivos, os valores das suas ancestrais festas. Nas quais entrava, e sempre, o vinho! Porque a Epifania de Dionisos correspondia a uma tradição de transformação de água em vinho... Daí o célebre milagre da transformação, nas Bodas de Caná, também ser conotado com o dia… 6 de Janeiro. Dia que passaria, mais tarde, a ser associado ao «tria miracula»: o da estrela que conduziu os Reis Magos, o dia do milagre das Bodas de Caná, e o dia do baptismo de Jesus Cristo. Sabe-se que, já no século IV, a festa da Epifania atingia tons de brilhantismo no universo cristão do oriente. Século esse, o IV, no qual surge, pela primeira vez, a data de 25 de Dezembro como a do nascimento de Jesus Cristo. O que poderá soar a estranho... Tantos séculos passados…
E o que tem isto a ver com os «nossos avós» Zelas e com os «nossos não menos avós» Romanos? “Peis, já que m’ássim’e, já cá boltu amanhã ou passadu’e, se calha”…
(Foto: a mais antiga representação ocidental conhecida da Senhora com o Menino - finais do século VIII)
Rui Rendeiro Sousa – Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer.
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas.
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana.
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros.
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.

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