Com a tradição coimbrã como musa inspiradora, em 1999 surge um grupo, em Bragança, devoto dos fados e guitarras de Coimbra, erigido na tradição e nas raízes mais antigas, bem como na pureza e profundidade das melodias que entoa. Via Latina, o seu nome, herdeiro de uma zona nobre da cidade de Coimbra, símbolo da Universidade. Gilberto Carvalho, António Tiza, Octávio Fernandes, Jorge Poço e Paulo Dias, os músicos. “Em 1999, quando vim para Bragança, fui visto a tocar pelo Gilberto, que resolveu entrar em contacto comigo e começámos a tocar umas coisas juntos.
Para Paulo Dias, “foi a primeira vez que experimentei fado de Coimbra. Nunca ouvi muito fado, mas foi uma surpresa muito boa. Desde que estou no grupo percebo que é muito interessante, com particularidades muito curiosas, a nível de composição, harmonia. É um mundo novo que não conhecia, e que passei a conhecer, ainda só um bocadinho, pois é preciso tempo”.
Unidos pelo que denominam “sentimento muito profundo”, os cinco trovadores abraçam a serenata, um género que não se cinge ao que se entoa, mas um símbolo da manifestação artística e sentimental, de gesto romântico, exteriorizando, recorrendo a composições musicais de características melódicas dolentes, o que de mais belo têm para oferecer, exprimindo sentimentos.
De sonoridades nostálgicas, o fado de Coimbra, executado sob o uso obrigatório da velha capa negra, seja esta a da academia universitária ou da academia do antigo Liceu Nacional de Bragança, revela-se na performance do grupo como saudosista, perpetuador de tradições, símbolo de vivências que não se querem perdidas no tempo, e que fazem todo o sentido de serem lembradas naquela que antigamente era denominada “Coimbra em miniatura”: Bragança. António Tiza e Octávio Fernandes, as vozes do Via Latina, justificam a existência do grupo na forte tradição académica que defenderam e defendem. “Nós reportamo-nos, não só às nossas vivências académicas em Coimbra ou no Porto, mas também às vividas em Bragança.
No Liceu Nacional tínhamos academia. Usávamos traje académico, sendo o único liceu do país onde isso acontecia. Tínhamos também a serenata monumental. Dada a vida académica de Bragança, o uso da capa e batina, o fado de Coimbra foi cultivado aqui com toda a força. Por isso, não estamos a recuperar nada. Estamos a dar seguimento àquilo que fizemos enquanto jovens estudantes.
Assim, a existência do grupo de fados em Bragança faz todo o sentido”. Defensores acérrimos das melodias do Mondego, distinguem-nas do fado de Lisboa, criticando a fraca divulgação de que a canção de Coimbra tem sido alvo. “O fado de Lisboa é notoriamente diferente do de Coimbra, sendo o da capital mais bamboleado. O de Coimbra é mais nostálgico, mais profundo. O de Lisboa associa-se ao típico, é aplaudido, é contextualizado em ambientes de tasquinha. Ao contrário, o de Coimbra é mais solene, ao luar e sem palmas no fim”, caracterizou Gilberto Carvalho. Contudo, para o guitarrista, a principal diferença entre as duas formas de cantar o fado prende-se com o mediatismo, acusando a comunicação social de imprimir maior relevo ao fado de Lisboa. “Penso que a imprensa dá demasiada importância ao fado de Lisboa. É a imprensa e são as editoras que constroem as figuras mediáticas que têm surgido no panorama português, sendo o fado de Coimbra deixado para um segundo plano. É necessária maior divulgação”. E, empenhado em defender a música que mais sente, Gilberto Carvalho acrescentou: “ouvi dizer que a guitarra de Coimbra se arrastava, a dois músicos ligados ao fado. É mentira. A guitarra de Coimbra não se arrasta, tem é um som diferente, mais profundo. Zeca Afonso nunca arrastou a guitarra, tal como outros tantos. Tiravam partido da guitarra, com o seu som maravilhoso, profundo”.
As críticas dos cinco músicos não se dirigem apenas ao mediatismo do fado lisboeta e à falta de divulgação da canção de Coimbra. Octávio Fernandes, já em fim de conversa, deixou um apelo à Associação de Estudantes de Bragança, no sentido de dignificarem a serenata, o “ex-libris de qualquer queima das fitas”. “Não interessa só ter muitos estudantes à frente. É preciso criar condições mínimas para um espectáculo deste género. Bragança tem que dignificar a serenata, seja esta protagonizada por quem for”, concluiu. “Rua Larga; Fado das Andorinhas; Guitarras do meu País; Sonhar Contigo, ó Coimbra” são alguns dos catorze temas que integram o primeiro trabalho discográfico do Via Latina, um CD que será lançado no próximo mês.
Trata-se de um conjunto de versões de fados e um tema original. “É o nosso primeiro CD e penso que será positivo para nós, para divulgarmos o nosso humilde trabalho, mas sério. Será ainda um marco importante na nossa carreira”, referiu Jorge Poço.
Trata-se de um conjunto de versões de fados e um tema original. “É o nosso primeiro CD e penso que será positivo para nós, para divulgarmos o nosso humilde trabalho, mas sério. Será ainda um marco importante na nossa carreira”, referiu Jorge Poço.
Por agora os músicos vão continuar a dedilhar as guitarras e a entoar as canções que tradicionalmente eram cantadas quase em segredo, da rua para a janela. Abraçando com paixão os sons enraizados no que apelidam de “sentimento profundo”, todas as semanas se reúnem e partilham as canções que musicaram as suas vivências e foram banda sonora de diversos momentos importantes que sentem e recordam.
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