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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 20 de março de 2012

Primaveras

Conversámos até que a noite se impôs.
Falámos das nossas vidas, tristezas e alegrias, sonhos realizados e por realizar.
Soube que se tinha casado e que tinha dois filhos. Vivia em Lisboa e, sempre que podia, vinha retemperar forças à nossa pequeníssima aldeia.
Falei-lhe de mim e dos meus. Da vida no Brasil e do que me motivara a regressar a Portugal. Tudo muito telegráfico que o tempo não dava para mais.
Sem que me apercebesse o tempo voara. Gostava do meu primo. Tínhamos brincado muito e a nossa amizade havia nascido connosco. Éramos da mesma idade e enquanto crianças, nada na aldeia, nos escapara. Conhecíamo-la como se conhecem as próprias mãos.
As nossas aventuras deram muitas dores de cabeça aos nossos pais. Muitas delas foram extremamente perigosas e irresponsáveis. O que nos unia era essa cumplicidade dos riscos corridos. Amigos inseparáveis até que a vida nos separou, não necessitávamos de falar para nos entendermos. Bastava um olhar, um gesto...
"Manuel, não vens jantar?" Chamou a esposa, já enciumada da nossa longa conversa.
"Já vou Ana. Vem conhecer a minha prima."
Cumprimentámo-nos cerimoniosamente. Olhou-me com desconfiança. Agarrou-se ao braço do marido como se fosse a última tábua no imenso oceano onde, naufragada, se pudesse suster.
Ela não entenderia a nossa amizade. Pensei.
Despedi-me "Até qualquer dia. Gostei muito de te ver meu querido primo, muito mesmo!"
Dei-lhe um abraço e um leve beijo no rosto por barbear. Acenei à Ana e fui para casa onde me aguardavam os meus pais, prontos para regressar a Bragança.
Subi as escadas lentamente, como quem não tem vontade nenhuma de o fazer. Virei-me no último degrau e lancei um último olhar aos campos primaveris salpicados de pequenas flores brancas e amarelas.
O chiado das rodas de um carro de bois surpreendeu-me. Senti-me transportada para outros tempos. Sorri e vi-me menina encavalitada no carro carregado de sacas de erva fresca para os animais.
Cheirava a erva recém cortada, cheirava a primavera...
Esperei que o carro entrasse na aldeia e reconheci um dos carros feitos pelo meu avô puxado por uma valente junta de vacas. À frente do carro, Paulo assobiava e conduzia os animais de vara na mão. No fim do cortejo, amarrada a uma das estacas, uma bela mula, jovem e brincalhona, aos pinotes.
"Onde desencantaste, tu, o carro, Paulo?"
"Foi o teu avô que o fez e já não faz outro, infelizmente, que Deus o tenha!"
Era verdade. O meu querido avô já não estava entre nós. Fez-se inverno...


Mara
in:nordestecomcarinho.blogspot.pt

2 comentários:

  1. Excelente esta narrativa.
    Dá-nos momentos únicos numa descrição em que a juventude e a meninice nos marcou a todos.

    O reviver de situações, a rememorização olfactiva de odores gravados, o sentir o chiar dos carros de bois, dão a este texto os ingredientes próprios de figurar em colectânea de memórias.

    Belíssimo, a não perder.

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  2. Obrigada Daniel.

    São tempos onde se misturam recordações minhas e dos meus pais e avós.
    É uma maneira de não deixar morrer certas memórias que, feliz ou infelizmente, não voltarão.

    Obrigada
    Mara

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