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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Património Imaterial - «Há um evidente divórcio entre a política oficial e a realidade cultural tradicional»

O presidente da direcção da Associação Portuguesa para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial (APSPCI), Luís Marques, refere que este património assume uma «relevância» que não pode ser ignorada. À excepção da Capeia Arraiana, tradição tauromáquica do Sabugal, o antropólogo lamenta que não exista mais nenhuma inscrição no inventário nacional do Património Cultural Imaterial (PCI) e sublinha a necessidade de promover «uma continuada interacção entre Turismo e Cultura». Luís Marques recorda o rico património imaterial nacional: o «saber fazer» antigo de artesãos, as coreografias, a doçaria regional, as oralidades, as tauromaquias populares, as tradições religiosas, os caminhos do sagrado.
Café Portugal - Como surgiu a ideia de criar a Associação Portuguesa para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial (APSPCI) e em que medida irá servir o património imaterial do país?
Luís Marques - Esta era uma necessidade que já se vinha sentindo na sociedade portuguesa, sobretudo nos últimos tempos. Esta Associação vem preencher uma grave lacuna, pois entre nós, geralmente, quando se fala em património cultural, associa-se de imediato, a imagem do património material. Por património cultural, entende-se vulgarmente, um bem físico, algo que seja palpável. Mas para além do castelo, do palácio ou do templo, existe identicamente uma outra grandeza, a do património imaterial, que carece igualmente de ser compreendido, salvaguardado e valorizado. Tanto mais que existem outras associações congéneres, como a Associação dos Arqueólogos Portugueses, com origem no século XIX, a Associação Portuguesa de Museologia (APOM) com quase meio século, pois surgiu em 1965 ou o Conselho Internacional dos Museus (ICOM), cuja Comissão Nacional, principiou em 1975, normalmente as que mais intervêm no âmbito do património cultural, o que é insuficiente, limitador e mesmo anacrónico, sobretudo se considerarmos o actual panorama internacional e, principalmente, o património cultural na sua unidade (material e imaterial).

C.P. - Qual foi o momento crucial que marcou o avanço formal da Associação?
L.M. - O momento determinante terá sido a confluência de vontades de boa parte dos professores e alunos da Pós-Graduação em PCI (o 1.º Curso Universitário realizado em Portugal dedicado a esta temática), bem como de outras pessoas que habitualmente agem no domínio patrimonial, e que possuem um igual sentido de urgência quanto à sua implementação. Assim, quando apresentei uma proposta concreta para a sua efectivação, a adesão foi imediata e, nalguns casos, até entusiástica.

C.P. - Nos últimos anos, entidades, associações, Estado e cidadãos têm-se desdobrado em realçar a importância do património imaterial, o qual, durante anos, dizem alguns, permaneceu no esquecimento. Concorda?
L.M. - Não me parece que tenham sido assim tantas as intervenções, embora a integração do Fado na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade, da UNESCO, o recente anúncio oficial da Dieta Mediterrânica, protagonizado pela Câmara de Tavira, e ainda a eventual candidatura do Cante Alentejano, a apresentar em 2013, constituam exemplos flagrantes de que o PCI passou a assumir no nosso país uma relevância que se torna impensável continuar a ignorar. Mas isso não deve obscurecer outras distintas manifestações patrimoniais incorpóreas que se encontram de Norte a Sul do território nacional, também dignas de um tal estatuto e que, a seu tempo, estou convicto, acabarão também por merecer ser candidatadas à UNESCO.

Luís Marques
C.P. - Como por exemplo?
L.M. - Entre outros exemplos e sem que tal signifique qualquer sentido hierárquico, poderia mencionar com semelhante importância patrimonial, o Auto de Floripes, o Culto Espírito Santo, nos Açores ou os Bonecos de Santo Aleixo. Gostaria ainda de apontar numa perspectiva lusófona (Portugal e Brasil), a candidatura do chamado «Círio da Prata Grande», um culto popular dedicado a Nossa Senhora da Nazaré. Note-se que o Círio da Nazaré, que se realiza no Brasil (Belém do Pará), recebeu neste país, em 2004, o título de Património Cultural Imaterial, na categoria de Celebrações. Esta tradição levada para ali por antigos colonos e ou emigrantes portugueses no século XVII/XVIII assume, actualmente, características imponentes, pois abrange, aquando da festividade anual, cerca de um milhão de pessoas, acontecimento só comparável às conhecidas peregrinações a Meca e a Fátima.

C.P. - Por vezes esquecemo-nos que esta luta pela defesa do nosso património imaterial vem de longe…
L.M. - Sim, apesar de se verificar presentemente um maior reconhecimento sobre a relevância patrimonial imaterial, tal não deve impedir (antes pelo contrário), que tenhamos presente alguns dos precursores da luta pela defesa do património cultural, como Alexandre Herculano ou Almeida Garrett, principalmente este último, através do Romanceiro e das recolhas alusivas à literatura oral na linha do então movimento romântico que alastrava por toda a Europa: busca das raízes culturais, da «autenticidade popular», da «genuína» cultura portuguesa. Sem esquecer posteriormente, Adolfo Coelho, Teófilo Braga, Carolina Micäelis, Consiglieri Pedroso, Rocha Peixoto, José Leite de Vasconcelos, sobretudo este último, mas também Rodney Gallop, Armando Leça, Jorge Dias e a sua equipa (Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Galhano e Benjamim Pereira), Manuel Viegas Guerreiro, Padre António Mourinho, Padre Lourenço Fontes, Michel Giacometti, entre outros.
C.P. - Mais recentemente também se destacam outros nomes.
L.M. - Exactamente, mais recentemente, temos Maria Micaela Soares (etnolinguista), Moisés Espírito Santo (etnólogo/filólogo), Alberto Sardinha (investigador da música tradicional), João Leal (historiador da etnografia e da antropologia portuguesas), João David Pinto Correia e Alexandre Parafita (investigadores da literatura oral tradicional), Jorge Barros (fotógrafo), Catarina Alves Costa (cineasta), Jorge Miranda (molinólogo), Salwa Castelo-Branco e Susana Sardo (etnomusicólogas), entre outros.
C.P. - Ou seja, um grupo de intervenientes alargado. Nestes contexto que papel tem a Associação, nomeadamente no que respeita a actividades e iniciativas previstas?
L.M. - O seu papel, tal como indicam os Estatutos, pretende, ampliar e incentivar o conhecimento e valorização do PCI e dos respectivos domínios científicos e técnicos. Isto através da formação, de acções de identificação, levantamento e inventariação, bem como de registo, recolha, preservação e divulgação. Por outro lado pretendemos incentivar a realização de programas, projectos e actividades de salvaguarda do PCI e desenvolver relações e acordos com instituições congéneres e agentes, nacionais e internacionais. Neste caso incluo centros de investigação, museus, federações, confrarias populares e associações similares, personalidades e grupos artístico-culturais. Queremos também difundir o conceito de Património Cultural (material e imaterial) e a interligação frequente entre os patrimónios Material, Imaterial e Natural, nomeadamente nas suas vertentes arqueológicas, arquitectónicas, históricas, artísticas e paisagísticas. Entre as iniciativas previstas, posso destacar ainda as que visam comemorar a data da aprovação da Convenção da UNESCO para o Património Imaterial que, em 2013, completa uma década.
PCI: a identidade do país
C.P. - No fundo estamos, aqui, a falar da preservação da nossa identidade.
L.M. - Portugal precisa de saber, de ter consciência que possui um rico, diversificado e vasto património cultural imaterial; de movimentar-se crescentemente para a sua salvaguarda e valorização. Dar mais valor às diferenciadas expressões da sua identidade cultural. Isto implica propagar a sua defesa e dignificação, tal qual já acontece hoje, felizmente, com os chamados «bens de pedra e cal» ou com o património físico, seja ele arquitectónico ou arqueológico. Por isso tem de se estimar as suas múltiplas facetas, desde o «saber fazer» antigo de artesãos, às coreografias, teatralidades e performances populares, até à culinária e doçaria regional ou à música vocal e instrumental, sem esquecer as oralidades, as tauromaquias populares, as hierofanias e as tradições religiosas ou os caminhos do sagrado com os seus santuários e Círios, enfim, muitos dos elementos que integram a personalidade colectiva portuguesa. Estou convicto de que a Associação PCI pode contribuir para aumentar a consciência social quanto ao seu precioso património incorpóreo. Ou seja, promover uma maior estima pelas diferenciadas expressões intangíveis que muito enformam a identidade cultural portuguesa.
C.P. - Têm alguma preocupação específica, e vão trabalhar, em projectos concretos e urgentes? Quais?
L.M. - A Direcção decidiu dar a conhecer em breve, algumas das iniciativas que pretendem ajudar a dignificar e a valorizar as múltiplas manifestações que surgem e ocorreram um pouco por todo o território nacional. Queremos tornar presente a existência de festividades cíclicas sob a invocação de santos populares; patrimónios rurais, fluvio-marítimo, moageiro, salífero…, e as tradições orais associadas. Depois há a medicina popular com as suas práticas tradicionais curativas e preventivas, os rituais de Inverno com «caretos» e «chocalheiros», os autos teatrais, as danças e outras figurações e cenas populares: «cegadas»; «enterro do bacalhau»; «queima do judas»; «serração da velha»; grupos de «zés pereiras», de «cabeçudos e gigantones»; loas, lendas, contos, cantos de berço, ao desafio e de trabalho, tamborileiros, tocadores de gaita-de-foles, de adufes e de vários cordofones, como as violas braguesas, beiroas e toeiras.
C.P. - Também colocam enfoque na chamada cultura do touro. Pode explicar?
L.M. - Neste caso vamos centrar o estudo nas chegas de bois transmontanas, «Capeia Arraiana», «esperas» e «largadas» de touros no Ribatejo, bem como o amplo universo ligado à cultura do touro, com destaque designadamente, para a tourada barranquenha e estremocense, herdeiras próximas do milenar jogo sacrificial; bênçãos de gado e cavalhadas, fogaças arrematadas com valor de «promessa». Note-se que a Associação PCI prevê nos seus Estatutos a criação de Delegados Regionais como polos de ligação a todo o país. A sua existência permitirá estender a sua mensagem aos mais variados sítios, permitindo-lhe paulatinamente agir a nível local e regional em prol da cultura e do património cultural imaterial.
C.P. - Entendem que a nova lei orgânica da Direcção-Geral do Património Cultural remete «à expressão mínima» a questão do Património Imaterial. Em que medida?
L.M. - Repare que no anterior governo, no Instituto dos Museus e da Conservação existia o Departamento do Património Imaterial (o que por si já era uma forma bastante mitigada ou redutora de tratar o património imaterial,) e agora nem essa simples qualidade de Departamento já se assume. Actualmente o PCI está inserido numa Divisão (com triplo conteúdo), intitulada Património Imóvel, Móvel e Imaterial, e dependente do Departamento dos Bens Culturais que, por sua vez, integra a Direcção Geral do Património Cultural. Se isto não é reduzir o PCI à sua expressão mais ínfima, pergunto se ainda haverá algum grau institucional mais baixo para a sua desqualificação? Note que nesta altura nem sequer se trata de uma Divisão do Património Cultural Imaterial, mas de uma Divisão do Património Imóvel, Móvel e Imaterial.

C.P. - A verdade é que o próprio inventário nacional do PCI não prima por muitas inscrições.
L.M. - Sim, também nos podemos interrogar, com preocupação, sobre o facto da «sociedade civil» não se estar a rever no modelo que a Secretaria de Estado da Cultura (SEC) mantém actuante para proceder à salvaguarda do património imaterial. Se nos detivermos por exemplo, no chamado inventário nacional, as inscrições efectuadas até este momento são tão irrisórias que as podemos considerar nulas. Até hoje, no dito inventário, apenas uma única manifestação patrimonial imaterial ali consta («Capeia Arraiana», desde Novembro de 2011). Não basta pois, produzir uma lei, é preciso criar mecanismos para a sua real aplicação. O que agora podemos constatar é um evidente divórcio entre a política oficial e a realidade cultural tradicional. Esta separação existe, dada a visão política actual assentar na desvalorização e secundarização do PCI. Tal concepção e inércia levaram à quase exclusiva formatação burocrática e a esta descredibilização sociocultural. Veja-se que nem mesmo o registo no inventário nacional (a cargo da SEC), condição indispensável para a apresentação de candidaturas de PCI à UNESCO é cumprida. Já aconteceu assim com a candidatura do Fado e mais recentemente sucedeu o mesmo com a Dieta Mediterrânica, uma candidatura protagonizada pela Câmara Municipal de Tavira. E deverá seguir igual via o Cante Alentejano, dado que até esta data os seus protagonistas não só não o inscreveram no inventário nacional, como igualmente não deram mostras de o pretender fazer posteriormente ou de estarem minimamente preocupados com o dito registo no inventário nacional!
C.P. - Falta apoio financeiro por parte do Estado?
L.M. - Falta sobretudo uma política assente numa concepção cultural integradora que compreenda sem subalternidade ou supremacia a cultura material e imaterial. A actuação de paralisação/burocratização do PCI que está a ser seguida exibe incompreensão quanto ao valor do património cultural, entendido este na sua globalidade (material e imaterial), o que é deveras lamentável e retrógrado, porque desinserido dos caminhos do futuro que a UNESCO vem abrindo, e que já são actualmente percorridos por mais de 140 países. Isto é deveras importante porque o país vive uma grave situação económico-financeira e os escassos recursos de que dispõe têm de ser convenientemente equacionados. Mais do que um problema financeiro, o que aqui se evidência é a ausência de uma estratégia agregadora, uma estreita e continuada interacção, nomeadamente entre Turismo e Cultura, sectores que concretizarão tanto melhor as suas políticas quanto mais estas forem eficientes na sua articulação entre si.

C.P. - Que tipo de financiamento tem a Associação? Já têm sede?
L.M. - Nesta fase estão a ser desenvolvidos os esforços iniciais. Para além das quotizações dos associados não se pode falar com rigor de qualquer tipo de financiamento, condição que a seu tempo será encarada com a seriedade que ela merece. A Associação PCI conta com uma sede localizada em Lisboa.

Ana Clara; Fotos - APSPCI
in:cafeportugal.net

3 comentários:

  1. Boa Tarde

    Essencialmente hoje é mais para saudar o aparecimento importante
    da Associação, dado o desconhecimento que existe sobre a "cultura tradicional e popular"conforme designação da UNESCO.
    Espero agora que os grupos de foloclore que realizam um trabalho com seridade,sejam considerados parceiros e não ignorados.
    O Rancho Folclórico de Montargil, que ajudei a fundar há 42 anos,funciona inclusivamente como "Núcleo Interpretativo de Etnografia e Folclore"
    . Durante 35 anos fiz no terreno as pesquisas referentes a Montargil,mas tenho muito a aprender,aliás todos os dias aprendo.E naturalmente o que recolhi não o considero genuino ou puro, mas o mais representativo possível.Considero que a explicação do que é a Cultura Tradicional deve entrar no Ensino B ásico.
    Obrigado
    Cumprimentos
    Lino Mendes

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  2. É de novo o Lino Mendes,que ao ler com mais atenção os ojectivos da Associação Portuguesa para o Património Imaterial ficou-me uma dúvida que desejava me esclareccesse.

    O trabalho a realizar será com base na Convenção da UNESCO de 2003?É que a ser assim,qa Cultura Tradicional e Popular,outra maneira dizer FOLCLORE,não será abrangida. Ou estarei enganado?
    Cumprimentos
    Lino Mendes

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  3. Boa noite Lino Mendes

    Para obter informações sobre a Associação, poderá fazê-lo em http://www.facebook.com/pcimaterial

    Cumprimentos

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