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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

O Menino Jesus de Trás-os-Montes

Com cartola, traje de oficial de cavalaria e espada a tiracolo… o povo baptizou-o como “Menino Jesus da Cartolinha” e adoptou-o como um dos ícones da tradição cultural, religiosa e profana do nordeste transmontano.
            Ainda hoje o seu mistério perdura. Quem é, de onde veio e onde se meteu depois esse menino, desinquieto, irritado e enigmático, que comandou o povo de Miranda do Douro contra os invasores espanhóis nas guerras da Restauração? Que existiu, existiu – assegura a memória do povo ao longo das gerações. Mas quem era ele afinal? Seria mesmo o Menino Jesus?
            A tradição popular diz que sim. E hoje o “Menino Jesus da Cartolinha” impõe-se como um desses símbolos inapagáveis do imaginário transmontano. Um autêntico mito para os mirandeses. Quem o quiser ver pode encontrá-lo na catedral de Miranda do Douro. Ali continua, imponente, com a sua elegante cartola, vestes de oficial de cavalaria, espada a tiracolo e uma condecoração ao peito. E com ele também um guarda-roupa invulgar, consoante vão ditando as “modas” no rolar dos tempos: desde uma capa-de-honras mirandesa, fardas, coletes, chapéus de todos os estilos, meias e meiotes de lã, camisas de finos bordados, até um variado conjunto de botas e tamancos de pau. Tudo promessas de devotos que ali vão num ritual secular.
            Quanto à cartola (ou “cartolinha”, no uso do povo) poucos hoje saberão que se trata, afinal, de um adereço artificial. O menino, que começou por ser conhecido como o “menino do chapeuzinho”, o que na origem usava era nada mais do que um simples chapéu de palha. Aliás, ainda hoje é possível ver na cabeça (nós não vimos, mas assegurou-nos fonte credível ter visto) umas minúsculas perfurações que demonstram que outrora o menino usou cabeleira, entretanto arrancada para lhe assentar a cartola.
            Na verdade, segundo a lenda – e que vale aquilo que todas as lendas valem –, no tempo das guerras da Restauração, Miranda do Douro esteve dias e dias cercada pelas tropas espanholas, ao ponto de, sem mantimentos nem munições para resistir, nada mais restar do que render-se definitivamente ao domínio invasor. E eis senão quando um menino de chapéu de palha, ar de refilão, desconhecido, irrompeu pelas ruas gritando contra os espanhóis e apelando à revolta dos populares. Tal foi o bastante para que o povo ganhasse o alento que lhe faltava. Num abrir e fechar de olhos, as ruas encheram-se de povo. Todos os habitantes saíram à rua – uns com enxadas, ancinhos e forquilhas, outros com paus, cutelos e machados – unindo-se às tropas fragilizadas da Restauração. E assim conseguiram afugentar e vencer os invasores.
            No final, o povo procurou o tal menino, travesso, refilão: o menino do chapeuzinho de palha. Queria louvá-lo. Vitoriá-lo. Mas quê? Onde estava? Quem era ele? Ninguém sabia. Tinha, pura e simplesmente, desaparecido.
            O povo acreditou então que havia sido o Menino Jesus que ali caíra, por milagre, para salvar a cidade. E logo mandou esculpir a imagem que passou a ser venerada na catedral. Entretanto, uma jovem que, na mesma batalha, havia perdido o noivo, um oficial das tropas portuguesas, resolveu oferecer o traje militar ao menino. E daí nasceu a tradição da dádiva de roupas. Muitos anos depois, porque alguém achou que o chapéu de palha não condizia com a nobreza do traje, e tão-pouco com o “estatuto” de um comandante, colocaram-lhe então a cartolinha. E que bem que lhe fica!

Alexandre Parafita
In Antropologia da Comunicação,
Lisboa, Âncora Editora, 2012
(foto de Ana Preto)

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