sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Duas Lendas do Concelho de Vila Flor

Lenda da Fraga do Pinhal

Versão A:
Conta-se que num certo sítio chamado Fraga do Pinhal, em Valbom da Trindade, no concelho de Vila Flor, havia uma moura encantada numa cobra pelos pais, e quem tivesse coragem de a desencantar ficaria rico, pois os pais tinham colocado uma grande fortuna junto dela.
Um dia um lavrador de Santa Comba da Vilariça andava a trabalhar ali perto quando avistou uma menina, muito bonita, que, de repente, desapareceu transformando-se numa cobra com três palmos de cabelo do rabo para trás, e lhe disse:
– Deixa-me subir por ti acima e dar-te um beijo na testa. Se não estremeceres, o meu encanto desaparecerá e ficarás rico.
O lavrador aceitou, e a cobra lá foi subindo por ele acima. Mas quando lhe ia a dar o beijo na testa, ele estremeceu e, com isso, a cobra caiu por ele abaixo. E disse-lhe então:
– Ai ladrão, que dobraste o meu encanto! Mas, mesmo assim, vem cá todos os dias que encontrarás nesta fraga três moedas de ouro. Só que nunca me podes descobrir.
O homem assim fez. Até que os vizinhos, admirados com o seu viver, e querendo saber de onde lhe vinha tanto dinheiro, resolveram emborrachá-lo. E ele, depois de já estar bem bêbado, disse:
– Enquanto a minha fraguinha do Pinhal me não faltar, não preciso de trabalhar!
Ao outro dia, quando foi à Fraga do Pinhal, em vez de três moedas, encontrou três carvões, e nunca mais lá voltou a ver nada. E tudo por ter contado o segredo.

Versão B (A fraguinha do Salgueiro):

Na encosta da Ponte do Salgueiro, perto de Valbom da Trindade, no concelho de Vila Flor, há uma fraga com uma brecha no meio e ao lado uma outra com uma pia no meio. Andava uma vez um homem de Santa Comba da Vilariça ali a fazer lenha, quando lhe apareceu uma cobra enorme, muito feia, negra e com pêlos. Assim que a viu o homem agarrou numa pedra para a matar. E nesse momento a cobra falou, dizendo-lhe:
– Não me mates, senão perdes tudo!
– Quem és tu? – perguntou o homem.
– Estou encantada numa cobra. Mas preciso que me desencantem! E tu podes fazer isso! Se o fizeres ficarás rico!
– Como tenho de fazer então?
Ela explicou-lhe que no dia seguinte, antes do nascer do sol, teria de voltar lá, deixá-la enrolar-se por ele acima até à boca, e então ele teria de dar-lhe um beijo. Mas em momento algum ele poderia assustar-se ou ter medo.
O homem aceitou e lá foi. À hora combinada, a cobra lá chegou a abanar as giestas por onde passava e a fazer muito barulho. Subiu então pelo homem acima, enrolou-se nele na cintura, e parou. Aí olhou para o homem e ele nem sequer pestanejou. Depois continuou a subir e chegou-lhe ao pescoço. Parou, voltou a olhar para ele, e então o homem estremeceu.
Foi o bastante para estragar tudo. Disse-lhe a cobra:
– Não pode ser! Dobraste-me o encanto! Mas por teres sido tão corajoso, deixote duas moedas de ouro em cima da pia todas os dias, antes do nascer do sol, e não podes contar nada disto a ninguém.
O homem, como era calaceiro, deixou de trabalhar, pois tinha agora aquele rendimento seguro. E toda a gente da aldeia ia estranhando como é que era possível ele, sem trabalhar, passar o tempo na taberna, a beber e a comer do bom e do melhor.
Donde lhe viria o dinheiro?
Até que um dia, lá na taberna, de tanto beber apanhou uma grande bebedeira. E os que lá estavam aproveitaram então e perguntaram-lhe de onde lhe vinha o rendimento. E diz ele:
– Enquanto a fraguinha do Salgueiro durar, escuso de trabalhar!
No dia seguinte foi lá como de costume, e, no lugar das moedas, estavam dois carvões.

Fonte – versão A: Inf.: Maria Estefânia, 71 anos; rec.: Valbom da Trindade, Vila Flor, 1999. Fonte – versão B: Inf.: Maria Isabel Fontes, 35 anos; rec.: Vila Flor, 1999.

Lenda da Fonte d'El Rei

Uma senhora de Vila Flor, conhecida por Maria Pequena, foi um dia ao monte apanhar lenha e, ao passar na Fonte d'El Rei, viu uma menina, de cabelos muito compridos, que lhe perguntou:
– Onde vais?
– Vou ao monte buscar um molho de lenha
– E as cordas?
– Não tenho.
Então a menina estendeu-lhe os cabelos e disse:
– Toma umas cordas.
Maria Pequena ao pegar nelas, reparou que eram de ouro. Mas ficou tão assustada que logo as deixou cair, fugindo para casa. Entretanto, pensou melhor durante a noite, e achou que bem podia ter ficado com o ouro. Por isso, ao outro dia voltou lá. Só que já não viu ouro nenhum. Nem voltou a menina, que era uma moura encantada.

Fonte: Inf.: Carminda Aurora Morais, 42 anos; rec.: Vila Flor, 1999.

Mouros Míticos em Trás-os-Montes – contributos para um estudo dos mouros no imaginário rural a partir de textos da literatura popular de tradição oral

Alexandre Parafita

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