O Serro de Penhas Juntas
O Serro de Penhas Juntas, dois quilómetros distante do povo, concelho de Vinhais, é constituído por um enorme penhasco de três quilómetros aproximadamente de comprimento, que segue em linha recta para o rio Tuela, distante quatro quilómetros. Está cheio de enormes e compridas galerias para exploração de minério, que demonstram insano labor e grandes e ricos filões. Em volta dos fragueiros, e principalmente no Múrio, aparecem pedaços de mós manuais, restos de casas sem cimento, fossos, muralhas de pedra solta e recintos fortificados, cobertos de pedras de metro enterradas no solo com a ponta para cima, à maneira de estrepes, dispostas com tal arte que, mesmo a pé, dificilmente se anda por entre elas. (...)
A lenda diz que os trabalhos do Serro foram feitos pelos mouros, comunicando as galerias com o rio Tuela, e que há grandes tesouros guardados pelo diabo, que às vezes sai aos pastores em forma de touro preto.
Fonte: ALVES, Francisco M. – Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, Porto, vol. IX, 1934, pp. 539-540.
A Fraga do Pingadeiro
Versão A:
Perto da Fraga das Ferraduras [no termo de Cerdedo, concelho de Vinhais] fica a enorme Fraga do Pingadeiro, debruçada sobre o ribeiro Cabanelas, afluente do Rabaçal, à qual se refere a lenda da formosa Helena, filha de rei cristão, raptada por um mouro disfarçado em peregrino, que fugiu levando-lhe um colar de pérolas, supondo-se perseguido.
Ela refugia-se no fragueiro de noite, para escapar às feras, e com rede feita de tiras do manto e dos seus cabelos apanha peixes de dia para se alimentar. Quando alfim chegaram seus irmãos e pai, que diligentes a procuraram e inquiriram do colar, apenas lhes apresentou algumas contas, caídas ao mouro na precipitação da fuga e encontradas no estômago das trutas pescadas. As outras diz o povo que ficaram no fundo do regato, sendo devido a elas o fino sabor das suas trutas.
Versão B (A lenda das pérolas no fundo do rio):
Há muitos, muitos anos, vivia nas terras do Norte uma formosa princesa, que ocupava os dias passeando pelos montes e vales do seu reino, num bonito cavalo branco. Entre os seus enfeites, sobressaía um belo colar de pérolas, que naquele tempo simbolizava o estado de pureza da moça que o trazia. O pai, um poderoso rei cristão, estava sempre e recomendar-lhe todo o cuidado nesses passeios, que podiam ser perigosos devido à presença dos mouros por perto. Ela, contudo, não mostrava ter cuidado algum.
Um dia, o cavalo regressou ao castelo sem a princesa, e logo toda a gente se sobressaltou. O seu pai mandou reunir todos os homens da guarnição e partiu com eles à procura da filha, acabando por avistá-la, ao longe, no cavalo de um mouro que a raptara e a levava para terras distantes. E não tardou que os perseguidores alcançassem o cavalo do mouro, que galopava mais lento, ou não levasse ele carrego dobrado.
O raptor, vendo-se incapaz de levar a sua avante, resolveu livrar-se da jovem, e, ao atravessar o rio Rabaçal, atirou-a à água. Mas ao fazê-lo, deitou as mãos ao colar de pérolas e exclamou:
– Posso não te levar comigo, mas o colar também tu o não levarás!
As pérolas caíram à água e a corrente encarregou-se de as espalhar e fazer desaparecer. Quando o rei e os seus homens chegaram junto da jovem encontraram-na num choro enorme. Mas não chorava pelo tormento que passara nas mãos do raptor, chorava sim pelo colar perdido. E apontava para o leito do rio, num gesto de súplica, que comoveu o rei e todos quantos o acompanhavam. Perder aquele colar seria um sinal de desonra para qualquer donzela, e muito mais sendo ela uma princesa.
Tudo fizeram para consolá-la, mas em vão. A jovem não queria regressar sem o colar. O rei resolveu então ordenar aos seus homens que acampassem ali algum tempo, até conseguir acalmar a filha e poderem voltar ao castelo. Passado um momento, ouviu-se a voz de um soldado em altos gritos:
– Alteza! Alteza! Alvíssaras!
– Que quer aquele homem?! - perguntou o rei, intrigado.
Trazia na mão uma das pérolas perdidas. Tirara-a do ventre de uma truta, que tinha acabado de pescar no rio. No olhar da princesa nasceu um brilho de esperança. E logo todos os presentes correram para diferentes zonas do rio, tentando cada um pescar o maior número de trutas. O próprio rei foi pescar também.
Dali a nada, parecia um milagre o que estava a acontecer: tanto o rei como os soldados haviam pescado tantas e tantas trutas, que, depois de abertas, tinha sido possível encontrar, finalmente, as pérolas perdidas.
E assim a princesa pôde recuperar o seu valioso colar e regressar, feliz, ao castelo, servindo-lhe o sucedido de lição, pois não voltou a ignorar os conselhos do pai. Este, para comemorar, mandou fazer um grande banquete para o povo com as trutas que pescaram no rio. Foi de comer e chorar por mais. Nunca ninguém havia provado peixe mais saboroso.
Ainda hoje as trutas do rio Rabaçal, que atravessa o concelho de Vinhais, em Trás-os-Montes, são famosas pelo seu sabor inigualável. Dizem os antigos que é um dom que ganharam com as pérolas da princesa.
Fonte – versão A: ALVES, Francisco M. – Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, Porto, vol. IX, 1934, p. 620. Fonte – versão B: PARAFITA, Alexandre A Comunicação e a Literatura Popular, Plátano Editora, Lisboa, 1999, pp 110-111.
Mouros Míticos em Trás-os-Montes – contributos para um estudo dos mouros no imaginário rural a partir de textos da literatura popular de tradição oral
Alexandre Parafita
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