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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 28 de março de 2017

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos - JOÃO RODRIGUES, VEREADOR E JUIZ (N. VILA FLOR C. 1507)

Nasceu em Vila Flor, por 1507, sendo filho de Lançarote Rodrigues e Genebra Alvim. Foi mercador e ascendeu à categoria de rendeiro. Muito considerado entre os seus conterrâneos, foi chamado a desempenhar cargos importantes como: juiz ordinário, vereador da câmara e almotacé. Membro de várias confrarias, foi nomeado mamposteiro dos cativos, competindo-lhe arrecadar os dinheiros de esmolas, doações, testamentos… para comprar a liberdade de cristãos cativos de mouros e árabes.

Casado com Filipa Rodrigues, o casal teve 2 filhos e 3 filhas. Uma das filhas chamou-se Genebra Alvim, como a avó e foi casar em Escarigo. Este casamento foi muito comentado no seio da comunidade marrana de Vila Flor. É que Genebra terá sido pedida ao pai para casar com um escudeiro, membro de uma família da maior nobreza de V. Flor. João Rodrigues recusou, preferindo casá-la com Diogo Mendes, um cristão-novo, morador em Escarigo, o qual, anos depois, seria processado pelo santo ofício juntamente com 2 filhas. (1)

Quem falou dos comentários a este casamento por parte dos marranos de Vila Flor foi Vasco Fernandes, o Pataranha, que prestou o seguinte depoimento:

- Que lhe dissera o dito João Rodrigues que trouxera uma bíblia de Salamanca; dizendo-lhe mais que todos os trabalhos que o dito João Rodrigues tivera fora porque lhe pedira um escudeiro de Vila Flor sua filha em casamento para um seu filho e que ele não quisera dar (…) e que muito melhor fora passar os trabalhos que casá-la com um cristão-velho. (2)

Não seriam, no entanto, as denúncias de Vasco Fernandes que levaram João Rodrigues a ser preso pela inquisição de Lisboa, já que aquele só entrou na mesma cadeia depois que este saiu penitenciado e andava cumprindo sua penitência no colégio da doutrina da fé. Na base da sua prisão estariam dois outros denunciantes, cristãos-velhos. Um deles era padre, natural de Mirandela, capelão em Vilas Boas, Francisco Pimentel, de seu nome. Entre outras coisas de “mau cristão” foram 3 as acusações apresentadas contra ele, a saber:

Que punha em dúvida a virgindade de Nª Senhora, dizendo que lhe parecia impossível uma mulher parir e ficar virgem.

Que a lei de Moisés era melhor que a lei dos cristãos-velhos e que em prova, contara que, em tempos, sobrevindo uma grande seca, os cristãos-velhos saíram com procissões e rezas pedindo água a Deus, mas que Deus não ouviu os seus rogos. E então disseram aos cristãos-novos que rogassem também pela chuva. E saíram estes para os campos onde fizeram suas rezas e cerimónias. E regressando a suas casas, com eles veio também a chuva em abundância, concluindo então que os seus rogos eram mais aceites por Deus. E acrescentaria que eles eram apenas 20, entre um grande número de “lobos, que eram os cristãos-velhos”.

Finalmente era acusado de ter colocado um colar de ferro no pescoço de um escravo forro, que assim morreu, com os açoites e pancadas que lhe deu, porque o escravo andou publicamente dizendo que ele tinha uma bíblia e que em sua casa se faziam ajuntamentos de judeus e outras mais judiarias.

Tais denúncias foram levadas ao conhecimento do vigário-geral de Torre de Moncorvo, o famigerado Aleixo Dias Falcão, que logo mandou prendê-lo e se meteu a organizar o consequente processo que enviou para a inquisição de Lisboa, (3) em cujas masmorras deu entrada João Rodrigues em 10 de abril de 1557.

Na prisão teve dois bígamos por companheiros e na cela de cima um padre António de Gouveia, especialista em “tirar nabos da púcara” dos outros para os ir denunciar perante os inquisidores. Com eles terá João comentado as razões de sua prisão, nos seguintes termos:

- Dizem que tinha uma Toura em minha casa e que se faziam ali ajuntamentos, não declarando quem eram os que se ajuntavam.

E aconselhando-o aqueles a que confessasse suas culpas, ele terá respondido:

- Que diabo hei de eu confessar; se começo nunca hei de acabar.

E terá também dito aos mesmos “espias” e estes aos inquisidores que “só quando visse o caso mal parado ele confessaria seus pecados e pediria misericórdia”.

Foi bem estruturada a defesa. Desde logo apresentando como testemunhas de seu bom comportamento cristão uma impressionante lista de escudeiros e padres de Vila Flor. Em segundo lugar conseguindo que a inquisição de Lisboa nomeasse o reitor de Bornes, comarca de Bragança, para inquirir as testemunhas e não o comissário local do santo ofício Aleixo Dias Falcão, de quem “tinha pejo” por ser “inimigo capital dele réu e por assim ser lhe é muito suspeito e por assim ser requeiro neste santo ofício que nas inquirições de sua abonação não fossem tiradas por ele e que as tirasse o reitor de Bornes, de nome Diogo Borges”.

Imagine-se: o local escolhido por Diogo Borges para inquirição das testemunhas foi a casa de Manuel de Sampaio onde um irmão do réu era feitor e toda a família de Lançarote Rodrigues entrava e saía muito à vontade. Acresce que os procuradores do réu (filho e genro) estariam presentes e conheciam as testemunhas, adivinhando-se intensas pressões e subornos. Alguma razão teria o advogado de acusação ao prevenir a mesa de que “a justiça fique frustrada e o réu haver de ficar sem castigo” devido às “manhas e provas e negócios forjados e negociados”, apontando o caso de um Rui Dias que se desdisse e “estava tornado, como pessoa que estava subornada e não dizia a verdade”. As queixas e alertas do promotor iam mesmo ao ponto de acusar o comissário Diogo Borges de “inadvertência e descuido”. Vejam:

- Não obsta as contraditas e provas com que o réu veio às testemunhas da justiça, porque as causas das contraditas são fingidas e a prova assim negociada na terra pelo filho do réu e seus parentes. E que também interveio a inadvertência e descuido do juiz comissário que fez a inquirição e lhe deixou saber das testemunhas da justiça e contraditas fossem chamadas e trazidas pelos requerentes das partes, de onde tiveram tempo de as perverterem (…) e meterem medo e intimidarem as testemunhas da justiça…

Testemunha essencial era o padre Francisco Pimentel que denunciou João Rodrigues por dizer heresias sobre Nª Senhora, sobre a Santíssima Trindade e sobre o Santo sacramento do altar. Veja-se como o seu testemunho foi completamente anulado e até ridicularizado:

Desde logo porque a testemunha que estaria com ele a ouvir tais coisas da boca de João Rodrigues acabou por dizer que nunca ouviu nada disso. Depois porque João conseguiu provar que ele tinha escrito cartas falsas para mandar para o santo ofício e só as não enviou porque ele réu lhas “achou e sobre isso lhe chamou dentro do sprital de falsário e passou com ele palavras de muito escândalo, remetendo a ele, levantando-o pelo cabeção e levantando de um punhal para lhe dar com ele”. E agora vejam a qualidade das pessoas que testemunharam a cena: D. Inês, irmã de Manuel Sampaio, o cura de Vila Flor e o padre capelão do hospital!

Tudo parecia correr de feição ao prisioneiro, mas… antes de o mandar em paz e encerrar o processo com defeito da prova, decidiram os inquisidores submete-lo a tormento. E então… o nosso biografado acabou por confessar seus pecados e pedir perdão… sendo reconciliado com cárcere e hábito penitencial perpétuo.

NOTAS:
1-ANTT, inq. Lisboa, pº3263, de Diogo Mendes. Deste processo extratamos o seguinte texto da acusação: - Provará que pregando um frei Francisco frade do mosteiro de S. João de Latrão, na igreja do lugar de Escarigo, onde ele réu é morador, no dia de Nossa Senhora da Anunciação, que foi dia 25 de Março de 1565 ,onde estava o réu  e o povo  junto,  por o dito pregador  dizer que o Messias  era vindo,  e que se algum do povo  da tribo de Israel duvidasse  disso  que não tivesse dúvida,  porque já era vindo, e também  que nosso  senhor  encarnara no ventre  de Nossa Senhora e parira ficando sempre virgem, antes do parto  e depois do parto, e confirmando isto  por autoridades e razões  da sagrada escritura; e o  réu por ser cristão-novo  se escandalizou e murmurou disso, e estando o dito pregador para  jantar em casa  de Simão Fernandes,   do mesmo lugar,  depois da gente ida da igreja,  ele réu se ajuntou  com outros cristãos novos  e com armas foram , ele réu e os mais  de assuada a buscar o dito frade  para o matar. E polo acharem em casa do dito Simão Fernandes, o réu com os mais entraram dentro em casa e chamando ao frade ladrão Lutero, que não pregava senão mentiras e falsidades e velhacarias, que saísse fora,  o quiseram matar e afrontar . Ao que acudiu o dito Simão Fernandes e com uma chuça deitou ao réu e aos mais fora de sua casa, chamando a voz d’ el rei, que queriam matar o frade pregador por pregar a palavra de deus; e acudiu muita gente, e ele réu com os mais ainda da rua disse que saísse o dito frade  fora, Lutero  ladrão,  que não pregava senão mentiras  e falsidades  e velhacarias,  que ali o haviam de matar  ás punhaladas; em que o réu e os mais cristãos novos, que com ele foram, fizeram grande afronta  e injúrias  ao dito pregador  e alvoroço  no povo todo, e todos  ficaram escandalizados  e diziam  que se  a isto não acudia  com justiça que  faria grande mal,  por ser  dito  contra a honra de deus  e sua santa fé.

2-ANTT, inq. de Lisboa, pº 7078, de Vasco Fernandes.
3-IDEM, pº 12463, de João Rodrigues.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

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