Entre os estabelecimentos de educação em Bragança avulta o Museu Municipal. É incontestável que as colecções reunidas nas casas desta ordem representam soma enorme de conhecimentos acumulados e são factor importante na educação de um povo perante o qual fazem passar as civilizações extintas, a vida íntima de seus antepassados, mostrando-lhe como os processos e utensílios rudimentares se foram lentamente aperfeiçoando, e fazendo-lhe ver como no campo da indústria, da arte, o mais simples progresso, a mais vulgar perfeição, representa o anhelo do génio, do talento, da audácia, para um bem estar, uma comodidade superior.
As colecções epigráficas, numismáticas, etnográficas, antropológicas, geológicas, mineralógicas, heráldicas, arquitectónicas e artísticas reunidas nos museus fornecem aos estudiosos vasto campo onde exercer a sua actividade, sugerindo-lhes novas ideias, planos e combinações. Quantos problemas históricos e geográficos ficariam eternamente irresolúveis sem o auxílio dessas colecções e da ciência arqueológica da qual são objecto de estudo?! Quantos textos antigos seriam incompreensíveis sem o seu auxílio?! A arqueologia é valioso auxiliar de todas as ciências, e não há ramo algum do saber humano que possa prescindir dela, para se habilitar a conhecer e a explicar os seus inícios primordiais. Não há ciência alguma que não tenha a sua história: onde esta não alcança, lá está a arqueologia a substitui-la vantajosamente! Na história encontram os sociólogos a mais segura base para a remodelação das instituições, desiderato constante dos povos, pois a arqueologia abre a esses complicados problemas mais largos horizontes.
O Museu Municipal de Bragança resultou imediatamente de um artigo do ilustrado capitão de infantaria Albino dos Santos Pereira Lopo, publicado num periódico dessa cidade.
Logo na sessão camarária de 4 de Novembro de 1896 propôs o vereador Sebastião dos Reis Macias à Câmara «organizar um museu arqueológico em uma sala dos paços do concelho, enquanto não obtenha edifício próprio; recolhendo-se e coleccionando-se ali os objectos que para esse fim fossem oferecidos à Câmara».
Esta proposta foi unanimemente aprovada, e no orçamento dessa corporação, para o ano seguinte, votou-se a verba de 200$000 réis para ocorrer às despesas de instalação.
É de justiça memorar com reconhecimento os membros do município presentes nesta sessão; foram eles: Luís Ferreira Real, vice-presidente; Pedro Augusto Lobo, Sebastião dos Reis Macias, Hermínio Augusto Pereira e José Diogo de Morais, vereadores.
Esta criação foi recebida com muito agrado, mesmo fora de Bragança.
A Câmara do Mogadouro, na sessão de 12 de Dezembro de 1896, aprovou por unanimidade o proceder da sua colega, a quem dirigiu felicitações e prometeu coadjuvar na colecção de objectos arcaicos.
O prelado da diocese,D. José Alves de Mariz, sempre solícito em promover omnimodamente os melhoramentos do bispado, apressou-se a publicar a Circular sobre a Arqueologia, de 15 de Outubro de 1897, notável documento altamente elogiado pela parte mais valiosa da imprensa portuguesa.
Esta Circular determina um período brilhante no engrandecimento do Museu, pois o sábio bispo, animando, aconselhando, guiando e ensinando o clero na destrinção e coleccionação dos objectos de arte e arcaicos, pôs ao serviço deste estabelecimento uma numerosa classe que, pelas condições especiais do meio em que vive, melhor pode enriquecê-lo.
Realmente, a parte mais notável que enriquece as diversas secções do Museu é devida ao clero, directamente, ou foi obtida por seu intermédio, como o próprio fundador Pereira Lopo confessa em O Nordeste de 7 de Julho de 1897.
Mas não ficam aqui as benemerências do ilustrado antístite relativamente a este indispensável ramo de conhecimentos humanos: para habilitar o seu clero a cumprir conscientemente os mandamentos da Circular supra, cria em 1898 no Seminário diocesano a cadeira de «Arqueologia e iconografia cristã», factor de primeira ordem para o engrandecimento do museu.
Na mesma sessão da Câmara de Bragança de 4 de Novembro de 1896 foram aprovadas as instruções regulamentares pelas quais se devia reger o Museu e nomeado seu director o capitão Albino dos Santos Pereira Lopo.
A sua inauguração solene teve lugar a 14 de Março de 1897 com grande e selecto concurso de gente.
Cumpre fazer aqui especial menção a um benemérito deste estabelecimento, o doutor Zeferino José Pinto, delegado de saúde e médico aposentado do município de Bragança, e onde residiu por mais de quarenta anos e morreu em São Mamede de Riba Tua, donde era natural, a 9 de Maio de 1899.
Este homem, notável pelo seu muito saber de que dá testemunho um outro distinto bragançano que, em 27 de Fevereiro de 1867, em atenção aos «bons serviços que prestara não só durante a epidemia do cholera-morbus em 1856 mas também em 1865 por ocasião de se manifestar a febre tifóide nos lugares de Carção e Argozelo», fora nomeado comendador da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo(810), meteu em seu testamento feito por mão própria em São Mamede de Riba Tua a 2 de Abril de 1899 a seguinte cláusula: «Deixo à minha antiga criada, que o foi por muitos anos em Bragança, todos os direitos que tenho à casa onde residi por mais de quarenta anos, situada na antiga Rua da Amargura, hoje de São João, na freguesia de Santa Maria da mesma cidade de Bragança, para a dita minha criada de nome Catarina de Jesus e Sá nela residir enquanto viva for, e por sua morte passará a propriedade da mesma casa para a Câmara Municipal de Bragança e na dita casa poderá ser estabelecido o Museu da mesma Câmara; e no caso que a dita casa a isso se não preste, poderá ser vendida e o produto da venda reverterá em benefício do mesmo Museu».
Catarina de Jesus e Sá morreu em 1905 entrando a Câmara de posse do legado.
Esta casa deixada para o Museu pelo doutor Zeferino era uma das propriedades que em Bragança tinha o conde de la Roza de quem era procurador em Bragança para receber as suas rendas e foros o deão da Sé Catedral João António Correia de Castro Sepúlveda; à morte deste, como não ficasse quem cobrasse as rendas do conde, o médico continuou a viver nela sem pagar renda por ninguém lha pedir e não sabendo mesmo, talvez, a quem pertencia, e passando o tempo legal da prescrição, registou-a na Conservatória em seu nome.
O Museu é já notável, pela quantidade, variedade e raridade de objectos que contém, sobretudo em epigrafia votivo-funerário-miliário-romana e numismática luso-romana-portuguesa, merecendo as atenções, visitas e louvores dos sábios mais distintos.
Cumpre também observar que, quem primeiro despertou em Bragança o gosto pelos estudos arqueológicos, aplanando o campo para a criação do Museu e seu rápido crescimento, foi o professor do Liceu da mesma cidade José Henriques Pinheiro, falecido a 7 de Outubro de 1904 na cidade do Porto, para onde se retirara depois de aposentado.
Outra vez coisas portuguesas. Uma vereação municipal progressista deu a casa legada pelo doutor Zeferino ao escrivão do julgado de paz João Manuel Garcia, então tubacinador-mor, chefe da claque dos próceres locais desse partido, que se entrincheirou nela! Em vão tentam desalojá-lo os regeneradores; aqueles protegem-no e lá está e estará!
E o alojamento do Museu em casa apropriada adquirida e adaptada com o produto da deixada pelo doutor Zeferino, visto esta não ter condições para isso?
Ora adeus! Velharias. Estabelecimentos de educação cívica, artística e científica; o culto pelo documento, pelo monumento, genuíno brasão nobiliárquico de uma terra, são para a Alemanha, para a Itália, para a França, para a Inglaterra, para quem os compreende, para os que avançam e caminham; a nós, basta-nos luz, muita luz, instrução, muita instrução…nos programas, nas arengas dos tribunos, nas perlengas das gazetas…
Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança
Sem comentários:
Enviar um comentário